Essência do Santo
Sacrifício da Missa - Padre Martinho de Cochen (1630-1712)
Capítulo, 1. DA ESSÊNCIA
DO SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA
Na
língua sagrada de nossa mãe, a Santa Igreja católica, no latim, a Santa Missa é
designada pelo nome de "sacrificium", sacrifício.
"Um
sacrifício é um dom visível, oferecido, exclusivamente, a Deus, por um ministro
sagrado, para reconhecer a soberania do Altíssimo sobre todas as coisas".
O sacrifício,
portanto, é um culto devido, exclusiva e unicamente, a Deus. A nenhuma
criatura, por mais elevada que seja, compete jamais um sacrifício.
Diz
Santo Agostinho: "Quem pensaria jamais, que se pudesse oferecer
sacrifício, senão ao Deus único e verdadeiro?"
Somente
à idolatria insana dos Imperadores romanos ficou reservada a presunção
sacrílega de exigir, dos súditos desditosos, sacrifícios de diversas formas.
Indagando
a origem do sacrifício, que encontramos entre os povos, sem exceção devemos
confessar, com São Tomás de Aquino, que é uma lei natural oferecer sacrifícios
a Deus, e, por este motivo, é que o homem se sente levado a sacrificar, sem
insinuação ou conselho de alguém.
Com
efeito, Caim e Abel, Noé e Abraão, como outros patriarcas, profetas e reis do
antigo testamento ofereceram a Deus sacrifícios espontaneamente.
Porém
não só os que conservaram a fé no Deus verdadeiro, mas também os povos que
apostataram desta fé, os pobres pagãos, ofereceram sacrifícios a seus ídolos.
Pois, o sacrifício, como a religião, da qual é a mais elevada manifestação, é,
realmente, uma necessidade da natureza humana, e, por isso, encontramo-lo entre
todos os povos de todos os tempos.
Por
conveniência imperiosa, Jesus Cristo cuidou de deixar na sua religião,
divinamente perfeita, uma forma de sacrifício, como jamais houve entre povo
algum; e essa forma de sacrifício é a Santa Missa.
A
respeito, ensina o Santo Concílio de Trento: "Segundo o testemunho de São
Paulo Apóstolo, o sacerdócio levítico do antigo testamento não atingiu a
perfeição. Assim, desde a origem do mundo, o Deus da Misericórdia determinara,
que surgisse um sacerdote podendo aperfeiçoar e completar o sacrifício. Esse
sacerdote era Jesus Cristo, Nosso Senhor que, depois de se ter oferecido a seu
Pai sobre o altar da cruz, não queria deixar extinto o seu sacrifício, e, na
véspera de sua morte, deu a sua esposa mística estremecida, a Santa Igreja, um
sacrifício visível, segundo as exigências da natureza humana."
Este
sacrifício devia perpetuar o Sacrifício cruento que Jesus Cristo ia oferecer
sobre a Cruz; devia perpetuar-lhe a memória até o fim dos tempos e, por sua
virtude salutar, nossos pecados quotidianos deviam ser perdoados. Deste modo,
Jesus Cristo declarou-se sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, oferecendo a
seu eterno Pai seu Corpo e seu Sangue, sob as aparências de pão e vinho, que
deu a seus apóstolos também sob as mesmas espécies, instituindo-os sacerdotes
do novo Testamento.
E,
dizendo as palavras: "Fazei isto em memória de mim", ordenou-lhes e
aos seus sucessores no sacerdócio, que os oferecessem em sacrifício.
A Santa
Igreja nos ensina que, na última Ceia, Jesus Cristo não só mudou o pão e o
vinho em seu Corpo e em seu Sangue, mas também ofereceu-os a Deus, seu Pai, e
instituiu e ofereceu pessoalmente o Sacrifício do novo Testamento, a fim de que
se reconhecesse, nele, este sacerdote de que canta o salmista: "O Senhor
jurou e não se arrependerá de seu juramento. És sacerdote eterno segundo a
ordem de Melquisedec" (Sl. 109, 4).
Muito
contrário ao costume de sua época, Melquisedec não imolava animais como faziam
Abraão e outros patriarcas, mas, por inspiração do Espírito Santo, levantava o pão
e o vinho para o céu e oferecia-os por meio de cerimônias e orações especiais.
Assim tornou-se a figura de Jesus Cristo, e seu Sacrifício é o símbolo da nova
Lei. Como tudo que se relaciona com a pessoa do salvador foi objeto de
admiráveis profecias, desde os dias do paraíso até os últimos tempos do antigo
testamento, também o sacrifício que havia de coroar e perpetuar a obra
redentora na cruz, foi predito séculos antes.
Escreve
o profeta Malaquias: "Minha afeição não está mais em vós, diz o Senhor dos
exércitos, e nunca mais receberei ofertas de vossas mãos, porque, desde o
oriente até o ocidente, meu nome é grande entre as nações e, em toda parte, se
sacrifica e oferece uma oblação pura".
Esta
profecia não se realizou no antigo testamento, como se vê no próprio texto,
pois o próprio Deus declara rejeitar os antigos sacrifícios.
Tão
pouco a profecia se refere ao sacrifício da cruz, porque esse sacrifício foi
oferecido somente uma vez e em um lugar.
É de um
sacrifício novo e puro em que Deus tem as complacências, que o profeta fala.
Esse sacrifício, infinitamente puro, não pode ser outro senão o sacrifício da
Missa. Desde o momento de sua instituição no cenáculo, crêem e confessam isto
os apóstolos, os evangelistas, todos os primeiros cristãos, e assim ainda crê e
confessa a Igreja católica universalmente, tanto quanto as igrejas cismáticas
orientais.
De
acordo com o evangelista São Lucas, a Santa Igreja ensina: "Na véspera de
sua morte, Jesus Cristo tomou o pão e, rendendo graças a Deus, partiu-o e deu
aos discípulos, dizendo: "Isto é o meu Corpo que será entregue por vós;
fazei isto em memória de mim". Da mesma forma, tomou o cálice depois da
ceia, dizendo: "Este cálice é o novo Testamento em meu Sangue, que será
derramado por vós." (Lc. 22, 19-29).
Ponderemos
bem o que diz e faz o Senhor: Muda o pão em seu Corpo, e o vinho em seu Sangue;
e por esta separação mística de seu Corpo e de seu Sangue, constituiu-se em
holocausto. As palavras que acompanham a transubstanciação, indicam o sacrifício.
"Isto é o meu Corpo, que será entregue por vós, isto é o meu Sangue, que
será derramado por vós". Ainda que se quisesse aplicar estas duas palavras
"entregar" e "derramar" ao Sacrifício da Cruz, Jesus Cristo
afirma, claramente, que estas duas ações se realizam na Ceia, e assim afirma
também que houve aí sacrifício.
Se os
adversários pretendem desvalorizar este ensino de nossa Santa Igreja, dando
outras explicações torcidas e infundadas, como é que explicarão as palavras
claras de São Paulo Apóstolo, quando escreve aos Hebreus:
"Temos
um altar, e uma vítima da qual os que prestam serviços ao Tabernáculo, (isto é,
os judeus) não têm o direito de comer" (Hb. 13, 10). Ora, não poderia
existir altar sem oblação, e a palavra "comer" indica, claramente,
que não se trata do sacrifício da Cruz, mas de um sacrifício (comestível)
nutriente, tal qual Jesus Cristo o instituiu na Ceia.
Lemos
também, na vida do apóstolo São Mateus, que foi morto no altar, quando
celebrava os santos mistérios. Na vida de Santo André, refere-se que ele disse
ao juiz Egéias: "Ofereço em sacrifício, diariamente, a Deus todo-poderoso,
não a carne de touros, nem o sangue dos animais, mas o Cordeiro
Imaculado".
É
atribuída ainda a São Tiago e a São Marcos uma liturgia da Santa Missa. Enfim,
atribui-se também a São Pedro o "Cânon", isto é, a parte da Santa
Missa que vai do "Sanctus" até a Comunhão.
Tantos
testemunhos provam que o Santo Sacrifício do novo Testamento esteve, desde o
começo, em uso na Igreja.
O fato
de não se encontrar a palavra "Missa" nas sagradas letras, não pode
servir de argumento contra a doutrina da Igreja. A palavra "Trindade"
também não se encontra; e, não obstante, os adversários aceitam-na. Mas, em
142, encontramos a palavra Missa tal qual a empregamos. O Papa Pio I faz uso da
palavra de maneira que evidencia que o termo era geralmente, adotado e
conhecido. Daí em diante, a palavra Missa não desaparece mais dos escritos dos
santos Padres e mais escritores da Igreja católica.
A
Igreja grega emprega nomes de significação idêntica. Falam, por exemplo, da
mesa ou do altar do Senhor, ceia, oferta. Em vista disso, que valem os ataques
dos hereges?
Os
ataques violentos promovidos, em diversas épocas, contra a Santa Missa,
testemunham-lhes à santidade e importância como também o ódio com que o demônio
a persegue.
No
curso dos dez primeiros séculos, quando numerosos hereges afligiam a Santa
Igreja, nenhum deles ousou atacá-la. Era preciso, para isto, um alto grau de
perversidade, uma audácia verdadeiramente infernal.
Isto só
aconteceu no décimo primeiro século pelo herege Berengar de Cours. Porém, mal
havia disseminado as blasfêmias, o orbe católico recuou de espanto e clamou-lhe
indignado: "Tornai-vos uma pedra de escândalo para os fiéis, separai-vos
de nossa Mãe, a Santa Igreja, pois perturbais a unidade dos cristãos".
Berengar, depois de anatematizado por mais de cindo Concílios, por um milagre
da misericórdia divina, abjurou os erros, fez penitência, e morreu em 1088,
confessando a doutrina verdadeira.
Infelizmente,
a heresia sobreviveu-lhe, sendo pregada, alguns anos depois, pelos albigenses,
seita perversa que declarava, entre outros erros, o matrimônio como ilícito, e
permitia a impureza. Em particular, atacava a Missa privada, vulgarmente
chamada Missa-rezada. Aos que assistiam a essas Missas, perseguiam com penas
horrorosas e, mais ainda, aos Padres que tinham a coragem de celebrar os santos
mistérios.
Após os
albigenses, os inimigos mais encarniçados da Santa Missa foram os reformadores
do século décimo sexto. O próprio Lutero confessa, no livro "contra a
missa", cap. XIX, ter sido impelido por Satanás a abolir a Santa Missa
como um ato de idolatria, e que fez sabendo, perfeitamente, que o demônio
odiava todo o bem e que seus ensinos eram mentirosos.
Se as
trevas infernais não tivessem invadido, inteiramente, toda a inteligência de
Lutero, não teria antes raciocinado assim: se Satanás considera a Santa Missa
como um ato de idolatria, para que procura abolí-la, em vez de louvá-la e
propagá-la, a fim de insultar mais cruelmente o Altíssimo?
Ora,
Satanás privou o Santo Sacrifício da Missa a todas as seitas luteranas,
causando-lhes tão profundo ódio contra este santo mistério, que vomitaram a
espantosa blasfêmia: "A Missa é uma abominável idolatria… aí renuncia-se o
sacrifício cruento de Cristo!" Assim se exprime o catecismo dos
calvinistas de Heidelberg.
Pobres
insensatos! Neste caso, como podem admitir que uma alma se tenha salvo desde
Jesus Cristo? Todos os apóstolos, todos os sacerdotes têm celebrado o Santo
Sacrifício da Missa, os mártires, os confessores assistiram-no com terna
devoção. Acusarão todo este exército de Cristo de idolatria, e, por
conseguinte, digno do inferno? O simples bom senso a isso se opõe.
Ah,
mais suave é ouvir São Fulgêncio dizer: "Creio, sem dúvida alguma, que o
Filho único de Deus, feito homem por nós, ofereceu-se em sacrifício a Deus
Altíssimo, a quem a Igreja católica oferece, sem cessar, na fé e na caridade, o
Sacrifício do pão e do vinho".
Tomemos
cuidado para não nos acontecer o que aconteceu aos hereges, a quem Satanás
tirou a Santa Missa. Não podendo privar-nos inteiramente dela, esforça-se, pelo
menos, para cegar-nos sobre o valor infinito do Santo Sacrifício a fim de que,
apreciando-o pouco, deixemos de assisti-lo, ou não tiremos os abundantes frutos
de graças que poderíamos colher.
Capítulo, 2. EXCELÊNCIA DO
SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA
A
excelência da Santa Missa é tão grande, que os próprios Serafins não podem
compreende-la perfeitamente. Experimentemos, entretanto, investigar os
ensinamentos da Igreja a este respeito.
São
Francisco de Sales diz: "O santíssimo Sacrifício do altar é, entre os
exercícios da religião, como o sol entre os astros, porque é verdadeiramente a
alma da piedade e o centro da religião cristã, ao qual todos os seus mistérios
e todas as suas leis se relacionam; é o mistério inefável da divina caridade,
pelo qual Jesus Cristo, dando-se realmente a nós, cumula-nos com suas graças de
maneira igualmente amável e magnificente" (Introdução à vida devota).
O sábio
Osório julga a Santa Missa acima de todos os outros mistérios da nossa
religião: "Entre todos os atos da Igreja, o Santo Sacrifício da Missa é o
mais augusto e mais precioso, porque o Santíssimo Sacramento do altar é aí
consagrado e oferecido a Deus". E Fornerus de Bamberg acrescenta: "Se
bem que todos os Sacramentos estejam cheios de majestade, a Santa Missa
excede-os; aqueles são vasos que contêm a divina misericórdia para os vivos,
esta é um oceano inesgotável de liberalidade divina pelos vivos e pelos
mortos".
Vejamos
agora em que se manifesta a excelência da Santa Missa.
Em
primeiro lugar, manifesta-se, no cerimonial pomposo da bênção solene ou
consagração de uma igreja, ou dum altar pelo Bispo.
Longo
demais seria narrar aqui toda a cerimônia - aliás rara entre nós, devido a diversas
razões; mas é certo que a consagração das igrejas é uma cerimônia tão tocante e
insinuante, que facilmente dela se deduz que, das nossas igrejas, muito mais
que do templo de Jerusalém, valem as palavras do profeta Isaías:
"Conduzi-los-ei à montanha santa, enchê-los-ei de alegria, à invocação de
meu nome; a vítima que me oferecerem há de me ser agradável, porque minha casa
será chamada por todos os povos, casa de oração".
Desta
palavra fez menção Jesus Cristo, quando, cheio de santa indignação, expulsou do
templo de Jerusalém os que o violavam pelos negócios gananciosos. Lembremo-nos,
também, desta mesma palavra para, cheios de santa fé e religioso respeito,
entrarmos em nossas igrejas para adorarmos a Jesus Cristo, corporal e
essencialmente, presente no santo altar. Conservemo-nos alheios do costume
altamente censurável de fazer dos templos sagrados lugares de conversas e,
quiçá, de faltas mais graves.
Em
segundo lugar, a excelência da santa Missa nos é demonstrada pelo rito solene
da ordenação dos ministros do altar, mormente dos sacerdotes. Dispensamo-nos
ainda de expor longamente a administração do santo sacramento da ordem, do
sacerdócio, para não se avolumar demais este livro. Quem já teve ensejo de
assistir à ordenação de neopresbíteros, não terá deixado de experimentar
singular impressão, sentindo a grandeza oculta do ato, seu efeito duradouro do
estado sacerdotal e de seu fim elevado de oferecer o santo sacrifício da Missa.
Ainda
poderíamos referir-nos aos objetos que servem à celebração da santa Missa e dar
outras tantas provas da excelência do mesmo sacrifício da Missa, pois a grande
e rigorosa diligência de nossa santa Igreja se inspira na compreensão e estima
que tem daquilo que se passa no santo altar. Inspiremo-nos nesta diligência,
para assistirmos sempre com rigorosa atenção a tão grande mistério.
Até a
língua empregada no sacrossanto sacrifício da Missa, a Igreja faz compreender
que no altar se efetua algo de superior ao comum. Não se usa a língua vulgar -
mas a língua sagrada da Madre Igreja. Houve quem ousasse censurar o uso do
latim na Missa, - mas entendamos bem: A santa Missa não é uma instrução, mas um
grande mistério. O sacerdote não celebra para ensinar, mas para santificar-se e
ao povo. Para tomarmos parte na santa Missa, não é preciso compreendermos as
palavras, basta e cumpre unirmo-nos, afetuosamente, ao que se passa no altar.
No
emprego da língua latina no santo sacrifício, temos ainda um valioso símbolo da
unidade da Igreja: Uma só Igreja, um só sacrifício, uma só língua em todo o
mundo no altar.
Passemos
agora à prova mais evidente da excelência da santa Missa, que consiste em
demonstrar quem é a pessoa do sacrificador, e qual a oferta na santa Missa.
Quem é
o sacrificador? - o sacerdote? o Bispo? o Papa? - Não. - Será um Anjo do céu?
um Santo? a própria Mãe de Deus, Maria Santíssima? - Oh, não. É o sacerdote dos
sacerdotes, o Bispo dos Bispos, o Filho de Deus, Jesus Cristo, "o
sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec".
É ele
quem dá à santa Missa a excelência incomparável; é ele quem eleva a oferta do
pão e do vinho a um sacrifício divino.
Que
Jesus Cristo é o sacerdote na santa Missa, prová-lo-emos com estas palavras de
São João Crisóstomo: "O mesmo Jesus Cristo que nos preparou, na última
Ceia, esta mesa sagrada, está aqui para abastece-la; pois não é o homem que
muda o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Nosso Senhor, mas sim Jesus Cristo
que, por nós, foi crucificado".
Com
estas palavras São Crisóstomo prova que Jesus Cristo cumpre, pessoalmente, a
parte essencial da santa Missa; que desce do céu, muda em seu Corpo e Sangue, o
pão e o vinho, oferecendo-se, em holocausto, a seu Pai pela salvação do mundo,
e ora, como fiel mediador, pelos pecados do povo. Os sacerdotes são apenas seus
instrumentos: emprestam-lhe a boca, a língua, as mãos para a realização do
divino Sacrifício.
Se
alguém recusar crer no testemunho de São Crisóstomo, eis a decisão do grande
Concílio de Trento: "O Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da Missa são um
só e mesmo sacrifício, porque aquele que se imolou sobre a Cruz, de maneira
cruenta, é o mesmo que se imola na santa Missa, de modo incruento, pelo
ministério dos sacerdotes".
É pois,
doutrina da santa Igreja, que os sacerdotes são simplesmente os servos de Jesus
Cristo e que Nosso Senhor se oferece, no altar, tão verdadeiramente como se
ofereceu sobre o patíbulo da Cruz.
Que
honra! que graça! que inestimável benefício! O divino Salvador digna-se de
fazer-se nosso sacerdote, nosso mediador, nosso advogado!
Eis o
que também refere São Paulo em sua Epístola aos Hebreus: "Era justo que
tivéssemos um pontífice como este: santo, inocente, sem mancha, segregado dos
pecadores, e mais elevado que os céus, que não fosse obrigado, como os outros
pontífices, a oferecer vítimas, todos os dias, primeiramente pelos próprios
pecados e, em seguida, pelos pecados do povo. A lei antiga estabeleceu, para
pontífices, homens fracos, mas a palavra de Deus, confirmada pelo juramento que
fez depois da lei, constituiu pontífice o Filho, que é santo e perfeito
eternamente" (Heb. 7, 26-28).
Não são
estas magníficas palavras do Apóstolo uma prova de quanto Deus nos estima,
visto que nos deu, por sacerdote e mediador, não um homem frágil e pecador, mas
seu Filho único, a própria santidade?
Consideremos,
agora, por que Jesus Cristo não quis confiar seu sacrifício a homem nenhum. A
principal razão foi porque este sacrifício devia ser puríssimo como o profeta
Malaquias o havia anunciado.
Em todo
lugar, sacrifica-se e oferece-se ao meu nome uma oblação pura. Foi por esta
razão que Deus reservou o nome a função de sacerdote a seu Filho único, ao
sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec.
Deste
modo, o sacerdote celebrante não é propriamente falando, o sacrificador, porém
apenas o servo do grande sacerdote Jesus Cristo.
Segue-se
daí, que toda Missa é de um valor infinito, pois é celebrada pelo próprio Jesus
Cristo, com uma devoção, um respeito, um amor acima do entendimento dos Anjos e
dos homens. O mesmo Jesus Cristo revelou esta verdade à Santa Matilde: "Só
Eu, disse, compreendo, perfeitamente, de que forma me imolo, todos os dias,
sobre o altar pela salvação dos fiéis; os Querubins e os Serafins, nenhuma
Potestade celeste, saberiam compreende-la inteiramente" (Revelações, I,
19). Oh meu Jesus! que impenetrável mistério e que felicidade para nós, pobres
pecadores, sermos admitidos à santa Missa, onde efetuais essa salutar oblação!
Caro
leitor, considera bem estas palavras e quanto te é vantajoso assistir à santa
Missa, em que Nosso Senhor se oferece por ti; faz-se o mediador entre tua
culpabilidade e a justiça divina, e retém o castigo que merecem, cada dia, os
teus pecados. Oh, se abrisses bem os olhos a esta verdade, como amarias a santa
Missa; como suspirarias pela felicidade de assisti-la. Como a ouvirias
devotamente. Como te lastimarias por faltar a uma só! Para poupar um tal
prejuízo a tua alma, suportarias, de boa vontade, qualquer dano temporal.
Os
primeiros cristãos nos deixaram disto o exemplo: preferiram perder a vida a
deixar de assistir à santa Missa.
Já
insistimos muito na excelência da santa Missa; entretanto, resta-nos ainda a
tratar de um ponto importante: o valor da oferta, apresentada à Santíssima
Trindade.
É
evidente que esta oferta, para ser digna de Deus, deve ser de um preço
inestimável, porque quanto maior é a quem se faz uma oferta, tanto mais
preciosa ela deve ser. Se alguém ousasse oferecer uma bagatela a um príncipe,
cobrir-se-ia de confusão
Ora, o
céu e a terra são apenas uma bagatela diante da imensa Majestade de Deus.
"O
mundo, perante Deus, é o grãozinho que apenas dá diminuta inclinação à balança,
a gota do orvalho da manhã, que cai sobre a terra" (Sabedoria, 11, 23).
Então,
onde achar, no universo inteiro, alguma coisa digna de Deus?
Que
acharia Jesus Cristo, mesmo no céu, que fosse digno de Deus?
No céu
e sobre a terra achou apenas sua santa, imaculada e bendita Humanidade, isto é,
o que a onipotência de Deus produziu de maior. "A Humanidade de Jesus
Cristo, disse Nossa Senhora à Santa Brígida, foi, e será para sempre, o que há
de mais precioso".
Com
efeito, a mão liberalíssima de Deus ornou esta Humanidade de tantas graças e
perfeições que nada mais lhe podia acrescentar. Não porque Deus não pudesse,
absolutamente, conceder mais, porém porque a capacidade da humanidade não as
poderia conter.
Todavia,
esta Humanidade tão bela, tão pura, tão santa e perfeita, não pode oferecer um
sacrifício digno da adorabilíssima Trindade senão em razão de sua união com a
pessoa do Verbo eterno, união que dá a todos os seus atos e sacrifícios um
valor e merecimento infinitos.
Por
esta grande dignidade, durante sua permanência na terra, a santa Humanidade do
divino Salvador atraiu a mais profunda veneração, não só de homens piedosos
como também de Anjos do céu. Que adoração universal, porém, é prestada agora a
esta santa Humanidade no céu, onde se acha gloriosa e imortal em um trono, à
direita do Pai celeste!
A
santíssima Humanidade de Jesus Cristo forma a única oferta digna de ser
apresentada no santo Sacrifício, e, na verdade, é o mesmo Jesus Cristo quem a
oferece. Com ela, oferece tudo o que efetuou e sofreu durante os trinta e três
anos de sua vida mortal: jejuns, vigílias, orações, viagens, mortificações,
pregações, perseguições, insultos, zombarias, lágrimas, gotas de suor, agonia
no jardim das oliveiras, flagelação, coroação de espinhos, crucificação, morte
e sepultura.
Além
disto, oferece a Humanidade, inseparavelmente unida à Divindade, porque, embora
a Divindade não seja objeto do sacrifício, a Humanidade é nele oferecida no
estado de perfeição a que a eleva à união hipostática.
Medi,
pois, se podeis, o valor de uma tal oferta. Enfim, Jesus Cristo não oferece sua
Humanidade sob a forma que tem no céu, mas no estado em que se acha sobre o
altar. No céu ela é tão gloriosa que os Anjos tremem ante sua Majestade: no
altar, pelo contrário, sua humilhação é tão extrema que estes mesmos se enchem
de espanto.
A
Humanidade de Nosso Senhor está, de tal modo, unida e estreitada às espécies
eucarísticas que nunca se podem separar, nem mais aí subsistirá, quando forem
destruídas as espécies.
De que
modo contempla a Santíssima Trindade este prodígio de humanidade! Que glória
para o Pai celeste! Que virtude, que perfeição não recebe daí a santa Missa
onde se cumprem estes divinos Mistérios! Que bênção, que socorro para aqueles
em cujas intenções o santo Sacrifício é oferecido! Que consolação, que alívio
não recebem as almas do purgatório, quando a santa Missa é celebrada, ou ouvida
pelos seu livramento! A Missa quotidiana é a arma, pela qual a graça e a
misericórdia sobressaem à justiça.
Agradeçamos,
pois, ternamente ao divino Salvador por nos ter legado, a nós, seus pobres
filhos, um sacrifício tão poderoso; agradeçamos-lhe por nos ter deixado este
meio infalível de atrair as ondas da divina misericórdia.
Para
glória da santa Missa, relatamos como se fez a consagração da capela
d’Einsiedeln, na Suíça, e como o mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo celebrou o
santo Sacrifício como grande solenidade.
Oitenta
anos depois da morte de Meinrado, o santo eremita Eberardo, piedoso solitário de
nobre família, foi pedir a São Corado, Bispo de Constança, a graça de consagrar
a capela de São Meinrado. O virtuoso Bispo anuiu-lhe ao pedido. Na festa da
Exaltação da santa cruz, em 14 de setembro de 940, devia realizar-se a
consagração.
Mas,
indo para a capela, a fim de entregar-se à oração, o santo Bispo ouviu os coros
dos Anjos cantar as antífonas e os responsórios da consagração. Entrou e viu a
capela cheia de Anjos, e, no meio deles, Nosso Senhor, que, revestido de
paramentos episcopais, procedia à consagração do santuário. À vista disto,
Conrado caiu em santo êxtasis, sem, entretanto, nada perder de sua atenção. Viu
e ouviu Nosso Senhor pronunciar as palavras da Igreja e desempenhar-lhe as
cerimônias em igual festa. Os apóstolos, os Anjos e uma multidão de Santos
assistiam-lhe.
A Mãe
de Deus, a quem o altar e a capela eram dedicados, aparecia em cima do altar,
mais brilhante que o sol, mais resplandecente que o fulgor do relâmpago.
Terminada
a consagração, o Senhor começou a Missa solene, depois da qual toda a corte
celeste desapareceu, deixando Conrado em transporte de alegria.
Reconheceu,
sobre as cinzas que cobriam o solo, as marcas dos pés do Salvador e, sobre as
paredes, os traços das unções.
De
manhã, o clero veio buscar o Bispo para fazer a sagração, porém ele disse:
"Não posso consagrar este santuário, porque já foi consagrado de maneira
misteriosa".
Insistem,
forçam-no, quando uma voz celeste se faz ouvir e repete por três vezes:
"Pára, meu irmão, a capela já está consagrada".
Mais
tarde, São Conrado referiu ao Papa Leão VIII este fato extraordinário, cuja
veracidade o mesmo Papa afirmou num rescrito apostólico, em que proibiu tornar
a consagrar a capela, e concedeu indulgências especiais aos fiéis, que a
freqüentassem (Legende der Heiligen von Ott, p. 2326).
Caro
leitor, dizes, com certeza: "Ah! se pudesse assistir a uma festa igual,
ver o que viu São Conrado, ouvir o que ele ouviu! Que prazer, que
emoção!".
Entretanto,
não está presente, em cada Missa, Nosso Senhor, o grande pontífice? Não nasce,
em cada Missa, sobre o altar, e não o cercam os Anjos?
Feliz
serás, pois, se considerares que te achas no meio de uma tão alta assembléia,
que se digna de unir tuas pobres orações às suas, para faze-las subir até o
trono de Deus.
Capítulo, 3. SÍMBOLOS DO
SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA
Querendo
falar dos sublimes e múltiplos mistérios da santa Missa, devemos dizer com o
rei David: "Vinde e vede as obras do Senhor e os prodígios que operou
sobre a terra" (Sl. 45, 9).
Nosso
divino Salvador fez muitos e grandes milagres, quando vivia neste mundo;
nenhum, porém, parece tão admirável como a instituição da santa Missa, na
última Ceia.
É a
Santa Missa o compêndio das maravilhas das obras de Deus, um milagre que contém
em si tantos mistérios, que São Boaventura, meditando-os, prorrompeu nestas
palavras: "A santa Missa tem tantas maravilhas quantas são as gotas d
‘água no oceano, os grãozinhos de poeira no ar, as estrelas no firmamento, e os
Anjos no céu. Nela se operam, quotidianamente, tantos mistérios que não sei se,
em tempo algum, a mão onipotente de Deus fez obra melhor e mais sublime"
(Tom. 6. De Sacramentis).
Palavras
admiráveis! Será então verdade que a santa Missa contém tantos mistérios que a
língua humana jamais os pode enumerar? O grande teólogo padre Sanchez confirma
as palavras de São Boaventura, e acrescenta: "Na santa Missa, recebemos
tesouros tão admiráveis, dons tão preciosos, bens tão essenciais para esta vida
e uma esperança tão firme para a outra, que nos é necessária, para crê-lo, a
virtude da fé.
Assim
como se pode tirar, sem diminuir, toda a água que se quiser, do mar, ou dos
grandes rios, da mesma forma, apesar da abundância das graças que tirardes na
santa Missa, não diminuireis nem lhe esgotareis jamais os tesouros" (Thes.
Missae, e. 1).
O
primeiro símbolo da santa Missa foi o sacrifício do justo Abel, oferecendo,
piedosamente, ao Altíssimo as primícias de seu rebanho. Este sacrifício agradou
ao Senhor; pois que diz a Sagrada Escritura: "O Senhor lançou os olhos
sobre Abel e sobre a sua oferta" (Gen. 4, 4). O sacrifício de Abel partia
dum coração submisso e fiel, e era feito em vista do futuro Salvador. O fogo
desceu do céu, diz a Sagrada Escritura, e consumiu o holocausto de Abel.
O
sacrifício de Abel agradou visivelmente ao Altíssimo; mais lhe agrada, porém o
Sacrifício do novo Testamento. Quando o sacerdote oferece, na santa Missa, o
pão e o vinho, e pronuncia as palavras da consagração, o fogo divino do
Espírito Santo consome o pão e o vinho, mudando-os no Corpo e no Sangue de
Jesus Cristo. Este holocausto, portanto, é infinitamente mais agradável ao
Senhor que o de Abel. O Pai celestial o acolhe com grande satisfação, dizendo:
"Este é meu Filho bem amado em que pus toda a minha complacência".
São
outras figuras do santo Sacrifício da Missa os sacrifícios de Noé, de Abraão,
de Isaac e de Jacó, narradas em vários lugares da Sagrada Escritura. Porém, o
símbolo mais tocante da Missa foi o sacrifício que Melquisedec ofereceu a Deus
todo-poderoso, em reconhecimento da vitória de Abraão. Este sacrifício
consistia em pão e vinho, e era acompanhado de preces e de cerimônias
particulares. O próprio Melquisedec era uma figura de Jesus Cristo. Seu nome
significa: Rei da paz; pois, como Jesus Cristo, era, ao mesmo tempo, rei e
sacerdote.
No
cânon da Missa, imediatamente depois da consagração, faz-se menção dos
sacrifícios antigos, quando o sacerdote diz: "Oferecemos à vossa sublime
Majestade o dom de uma vítima (+) pura, de uma vítima (+) santa, de uma vítima
(+) sem mancha, o pão sagrado (+) da vida eterna e o cálice da eterna (+)
salvação. Outrora aceitastes os sacrifícios dos tenros cordeiros que Vos
ofereceu Abel; o sacrifício que Abraão Vos fez de seu filho único, imolado sem
perder a vida. Enfim o sacrifício misterioso do pão e do vinho que Vos apresentou
Melquisedec".
É o
suficiente para indicar que esses sacrifícios foram imagens do sacrifício da
Missa.
Na
santa Missa, são realizados não somente todos os sacrifícios simbólicos, como
também se representam os principais mistérios da vida e da paixão do nosso
divino Salvador.
David o
indica, quando diz: "O Senhor deixou uma lembrança de suas maravilhas;
mostrou-se misterioso e compassivo" (Sl. 110, 4). E para que lhe
compreendêssemos bem o pensamento, diz, em outra parte: "Acercar-me-ei de vosso
altar, a fim de ouvir a voz de vossos louvores e narrar vossas
maravilhas". Neste sentido, Jesus Cristo disse também a seus apóstolos,
depois da instituição da Eucaristia: "Fazei isto em memória de mim. A obra
da redenção vai ser cumprida.
Estou prestes
a deixar-vos, porém antes de tornar ao meu Pai celeste, instituo a santa Missa
como sacrifício único do novo Testamento e lego-vos o poder de efetuá-la a meu
exemplo, até que eu volte para julgar os vivos e os mortos. E, para que minha
lembrança permaneça viva, encerro neste sacrifício todos os mistérios de minha
paixão, que reproduzireis, sem cessar, aos olhos de meus fiéis".
Primeiramente,
renova-se na santa Missa o mistério da Encarnação. Na hora da Encarnação, a
Virgem obedientíssima ofereceu a Deus o seu corpo e a sua alma a fim de que,
segundo as palavras do Arcanjo, o Espírito Santo operasse em suas castas e
virginais entranhas a concepção de Jesus Salvador.
De modo
mui parecido, quando o sacerdote apresenta e oferece a Deus o pão e o vinho, o
Espírito Santo muda-os no verdadeiro Corpo e Sangue de Jesus Cristo. O
sacerdote, no momento da transubstanciação, recebe o filho de Deus em suas mãos
tão realmente como a santíssima Virgem o recebeu no seu casto seio.
Analogamente,
em segundo lugar, vemos renovar-se, na Missa, o mistério da Natividade. Como
Jesus Cristo nasceu do corpo imaculado e inviolado da santíssima Virgem, na
Missa Ele nasce dos lábios do sacerdote. Apenas pronunciada a última palavra da
consagração, Jesus acha-se nos panos alvíssimos do altar como outrora nas
fachas do presépio. Como Maria Santíssima, em sua indizível felicidade, adorava
a seu filho Deus humanado, como o apresentava aos pastores, assim o sacerdote
adora Jesus e apresenta-o aos fiéis na elevação da santa Missa.
E
aquele infante divino que os três magos vieram adorar, que o velho Simeão tomou
nos braços quando os pais o ofereceram no templo, nos o temos diante dos olhos,
em todas as Missas a que assistimos.
E ainda
há mais. Jesus nos anuncia, na santa Missa, seu Evangelho pela boca do
sacerdote, nos ensina a orar, ora conosco e por nós; soam, na Missa, as
palavras do perdão como no Calvário: "Pai, perdoai-lhes". Não resta
dúvida, cabem aqui as palavras de Jesus: "Bem aventurados os que não
viram, mas creram", pois, aos olhos corporais permanece tudo isso
escondido, mas não assim à nossa alma esclarecida pela fé. Ela reconhece, como
o apóstolo Tomé, a Jesus debaixo das espécies do pão; inundada de santa alegria
percebe a realização da divina promessa: "Eis que estou convosco até a
consumação dos séculos".
Está
conosco Jesus na santa Missa, está conosco como nosso Salvador, nosso Mediador,
nossa vítima. Daí se compreende também uma diferença notável entre a hóstia
sagrada da custódia e a da Missa, se bem que, numa e noutra, Jesus Cristo
esteja igualmente presente.
Na
custódia ou na âmbula, permanece Jesus presente em nossos altares, oferece-se
às nossas adorações, dá-nos a bênção, serve-nos de alimento, - na santa Missa,
porém, é nossa vítima, nosso Mediador como no Calvário.
Cristãos!
Que meio fácil e eficacíssimo de, na santa Missa, nutrirmos a fé, a esperança,
o amor! Que ocasião de acendermos nossa piedade, de estreitarmos a união
sagrada com Jesus!
Pode
haver graça ou favor necessário, que não nos seja possível obter pelo
sacrifício da santa Missa?
Se
Jesus nos ensina a pedir, dizendo: "Pedi, e recebereis!" vale este
conselho, muito especial e particularmente, na hora da santa Missa. Nos
capítulos seguintes haveremos de explicar, mais minuciosamente, tudo isso. Mas,
desde já, será permitido perguntar, se não causa perda irreparável de
benefícios preciosos, corporais e espirituais, aos cristãos a cegueira de fazer
tão pouco caso de tão rico tesouro? Possa a leitura atenta disso e de quanto
segue, esclarecer-nos e inspirar-nos grande estima do santíssimo sacrifício da
Missa.
Capítulo, 4. NA SANTA
MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SUA ENCARNAÇÃO
No
capítulo precedente, tratamos sucintamente dos mistérios da santa Missa.
Meditemo-los agora, uns após outros, começando pela encarnação.
Foi um
inestimável benefício da divina Misericórdia, que, para nossa salvação, o Verbo
descesse do céu e, pela operação do Espírito Santo, se fizesse carne no seio
imaculado de Maria Santíssima. Este mistério incompreensível, o sacerdote
adora-o de joelhos nas palavras do Credo: "Et incarnatus est".
Ora,
Jesus Cristo não se contentou com fazer-se homem somente uma vez, antes
inventou, em sua infinita sabedoria, o meio de renovar, incessantemente, a
satisfação oferecida ao Pai e ao Espírito Santo pela sua primeira encarnação:
instituiu a santa Missa.
A
encarnação na Missa é mística, porém real. A santa Igreja dá este testemunho
nas orações da Missa da 9ª dominga depois de Pentecostes dizendo por que todas
as vezes que se oferece este sacrifício comemorativo, renova-se a obra de nossa
redenção.
Considerando
estas maravilhas, Santo Agostinho exclama: "Oh! sublime dignidade do
sacerdote, em cujas mãos Jesus Cristo se encarna de novo. Oh! celeste mistério
operado, tão maravilhosamente, pelo Padre, pelo Filho e pelo Espírito Santo,
por intermédio do sacerdote!" (Homil. 2. in Os. 37).
Oh!
dignidade dos fiéis, acrescentamos, pela salvação dos quais Jesus Cristo se faz
carne, de maneira mística, diariamente! Que consolação, para nós, homens
miseráveis, de sermos amados tão ternamente pelo nosso Deus!
"A
Imitação de Cisto" diz: "Quando celebrares ou assistires à santa
Missa, este mistério deve parecer-te tão grande, tão novo como se, nesse dia,
Jesus, descendo pela primeira vez ao seio da Virgem, se fizesse homem"
(Livro 4, cap. 2).
Vejamos
agora como e por quantos milagres, Jesus Cristo renova sua encarnação sobre o
altar.
É de fé
que o sacerdote, antes da consagração, tem somente entre as mãos o pão, ao
passo que, no momento de pronunciar a última palavra da consagração, esse pão,
pela onipotência divina, torna-se o verdadeiro Corpo de Jesus Cristo. A esse
Corpo está unido, por concomitância, o precioso Sangue, pois um corpo vivo não
pode estar privado de sangue.
Não é o
maior dos milagres esta transubstanciação do pão e do vinho? Não é a maravilha
das maravilhas que não haja mais nem pão nem vinho, apesar de ficarem as
aparências, visto que a santa Hóstia e o precioso sangue conservam a forma, a
cor, o gosto, que tinham antes da transubstanciação? Não é o prodígio dos
prodígios que as espécies subsistem sem aderir a cousa alguma e são conservadas
sobrenaturalmente?
Santa
Gertrudes aprofundava-se nestes prodígios. Um dia, enquanto se pronunciavam as
palavras da consagração, disse a Deus: "Senhor, o mistério que operais
agora é tão grande e tão espantoso, que, neste grau de baixeza em que estou,
não ousarei levantar os olhos; abater-me-ei e colocar-me-ei na mais profunda
humildade, esperando que me cedais uma parte do Sacrifício que dá a vida a
todos os eleitos".
Jesus
Cristo replicou-lhe: "Se dispuseres tua vontade a sofrer, voluntariamente,
toda a sorte de trabalhos e penas, para que este Sacrifício, que é salutar a
todos os cristãos, vivos e mortos, se cumpra plenamente e em toda excelência,
terás contribuído segundo tuas forças, para o fim de minha obra" (Der
heiligen Jungfrau Gertrudis Leben und Offenbarungen, t. 1, p. 174).
A
exemplo de Santa Gertrudes, considera, durante a elevação, o grande milagre que
Deus opera sobre o altar. Excita em ti o ardente desejo de que este Sacrifício
contribua para a maior glória de Deus e a salvação de teus irmãos. Nesta
intenção, repete com Santa Gertrudes: "Dulcíssimo Jesus, a obra que ides
efetuar agora, é tão excelente que, em minha humilhação, não ouso contemplá-la;
por isso, abismando-me em meu nada, espero também, para mim, alguma parte,
visto que esta imolação será proveitosa a todos os eleitos.
Oh! meu
Jesus, se eu pudesse cooperar para ela, empregaria todas as minhas forças, não
me espantariam as maiores penas, a fim de que este Sacrifício pudesse
totalmente aproveitar aos vivos e aos mortos. Suplico-vos, bom Jesus, que
concedais ao celebrante e aos assistentes todas as graças necessárias para este
fim".
Consideremos
a imensidade do poder consagrador que Jesus Cristo concedeu aos seus
sacerdotes. O bem-aventurado Alano fala dele deste modo: "A onipotência de
Deus Padre é tão grande que criou do nada o céu e a terra; mas o poder do
sacerdote é tal que produz o Filho de Deus na Eucaristia e no santo
Sacrifício" (Alanus de Rupe, part. 4, c. 37).
Deus
provou que "amou tanto ao mundo, que lhe deu o Filho unigênito, para que
todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna", primeiramente,
quando enviou seu Filho à terra, e torna a prová-lo, cada dia, fazendo de novo
descer o Verbo para renovar sua encarnação na santa Missa. Pela encarnação no
seio de Nossa Senhora, Jesus Cristo adquiriu imensos tesouros de graças; pela
santa Missa, distribui esses tesouros a todos os que celebram, ou assistem ao
santo Sacrifício.
Capítulo, 5. NA SANTA
MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SEU NASCIMENTO
"Neste
dia a suavidade correrá das montanhas e as colinas destilarão leite e
mel".
É assim
que a Igreja canta, por toda a terra, o doce mistério do nascimento de Cristo.
Efetivamente no dia de Natal, aquele que é mais doce do que o mel, aquele que é
a própria fonte de toda doçura, tudo suavizou, trouxe a verdadeira alegria,
anunciou a paz aos homens de boa vontade, e consolou o mundo com a aurora de um
futuro cheio de graças.
Que
privilégio para os homens, poderem ver com os olhos corporais o mais belo dos
filhos dos homens, apertá-lo nos braços, cobri-lo de santos beijos!
Certamente,
felicidade deles era grande, mas a nossa é ainda maior, contemplando, com os
olhos da fé, cada dia, o divino Menino, e participando, sem cessar, da alegria
do seu nascimento. Sobre este assunto o santo Papa Leão I escreveu: "As
palavras do Evangelho e as profecias nos inflamam de tal modo, que o nascimento
do Cristo não nos parece um fato passado, porém um acontecimento presente.
Também ouvimos a boa nova trazida aos pastores pelos Anjos: "Eis que vos
anuncio uma grande alegria: hoje nasceu o Salvador" (Sermo 9, de
Nativitate).
Temos a
inefável felicidade de assistir a este bem-aventurado nascimento, se assistimos
à santa Missa, onde tal é renovado e continuado.
E, se
queres saber, caro leitor, como o Cristo nasce, lê essa passagem de São Jerônimo:
"Os sacerdotes formam o Cristo pelos seus lábios consagrados", quer
dizer: o Cristo nasce dos lábios do sacerdote, quando este pronuncia as
palavras da consagração. Por sua vez, o Papa Gregório XIII o afirma, exortando
os sacerdotes a dizerem antes de subirem no altar: "Quero celebrar a santa
Missa e formar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo".
A
Igreja não cessa de recordar-nos este nascimento espiritual de Jesus Cristo,
quando nos ordena entoar o cântico dos Anjos durante a santa Missa:
"Glória a Deus no mais alto dos céus e paz sobre a terra aos homens de boa
vontade". Que felicidade para nossa alma possuir uma fé viva, e nosso
proceder para o Menino Jesus se assemelhar ao porte cheio de amor e de respeito
de Maria, de São José, dos Anjos e dos pastores!
Bem que
Jesus Cristo nos oculte a beleza de sua Humanidade, contudo permanece visível
aos olhos de Deus e do exército celeste. Em cada Missa, mostra-se num esplendor
do qual a Santíssima Trindade recebe uma glória infinita e faz estremecer de
júbilo a Santíssima Virgem, os Anjos e os Santos, como nos assegurou o
bem-aventurado Alano de la Roche.
Quando
os Anjos vêem o Menino Jesus nascer sobre o altar, ajoelham-se humildemente e o
adoram, porque, quando Deus introduziu seu Unigênito na terra, disse: "Que
todos os Anjos o adorem". É o que a Igreja canta no prefácio: "Os
Anjos louvam a vossa Majestade, as Dominações a adoram, as Potestades a veneram
tremendo; os céus, as Virtudes dos céus, e os bem-aventurados Serafins celebram
a vossa glória com transporte de alegria".
Em
união com estes espíritos celestes, agradeçamos a Nosso Senhor que, ao renovar
o mistério de seu nascimento, deseja distribuir-nos também os frutos.
O
espírito humano é impotente para conceber e explicar o grau de alegria que o
céu experimenta na renovação do nascimento de Cristo. A própria ciência dos
Anjos não basta, embora essas bem-aventuradas inteligências participem das
delícias que proporciona ao céu o santo Sacrifício da Missa.
Quanto
ao gozo da Santíssima Trindade, a fé nos ensina que tira de Si própria toda a
beatitude. A Sagrada Escritura diz da sabedoria incriada, isto é, do Filho de
Deus: "É o esplendor da luz eterna, o espelho sem mancha da Majestade
divina, a imagem da sua bondade" (Sab. 7, 26).
Este
espelho está desde toda a eternidade, diante dos olhos do Pai celeste que se
contempla nele com infinita satisfação. Nele, vê-se eternamente o Senhor
poderosíssimo, gloriosíssimo, sapientíssimo, riquíssimo, infinito de bondade e
beleza.
Este
conhecimento e esta contemplação incessante de sua própria pessoa são, para
Ele, um gozo essencial, perfeito, bastando para manter o Pai celeste em uma
beatitude infinita.
Este
espelho puríssimo, pois, foi colocado, em nova forma, diante de seus olhos no
nascimento do Salvador, onde o Cristo é revestido da mais nobre natureza
humana, enriquecida das mais preciosas virtudes e ornada de todas as
perfeições. O Pai eterno experimentou novas delícias, das quais fez participar
toda a corte celeste. Palpitantes de júbilo estes espíritos bem-aventurados
cantaram então um cântico melodioso, ao qual nada do que na terra se tinha
ouvido era comparável, e derramou sobre os piedosos pastores as ondas de uma
alegria inigualável e desconhecida.
Ao
canto do "Glória in excelsis", os Anjos voaram para Belém,
prostraram-se ante o recém-nascido e adoraram-lhe a Divindade.
Todas
estas cenas da noite de Natal se renovam cada dia na santa Missa, onde o Filho
de Deus nasce da palavra do sacerdote. Não que um novo Cristo seja criado, nem
sua pessoa multiplicada. O que se multiplica é sua presença, de modo que, onde
sua Humanidade não estava dantes, acha-se agora de modo real, e fica debaixo
das santas espécies, por tanto tempo quanto estas aparências subsistirem
intactas. Se as espécies se corrompem, cessa a presença real.
O Filho
unigênito de Deus nasce de novo dos lábios do sacerdote, e, por suas mãos, esse
espelho imaculado ornado de tantas perfeições, é elevado para ser oferecido a
Deus; que alegria, que delícias, que infinitas felicidades para o Pai celeste!
Não podem ser menores que as da noite de Natal, porque, em Belém e sobre o
altar, tem, diante dos olhos, aquele do qual disse: "Este é o meu Filho
muito amado, em quem tenho posto toda a minha complacência" (Mt. 3, 17).
A única
diferença é que no presépio, o Verbo estava oculto sobre a carne mortal,
enquanto, na Missa, seu Corpo glorioso, ornado de suas chagas sagradas, como
cinco pedras preciosas, está oculto sob as espécies sacramentais. Em Belém,
nasceu corporalmente, no altar, nasce de forma mística, ainda que muito real.
Porém,
Deus Padre não fica somente cheio de alegria, contemplando este espelho divino;
aquele a quem contempla, seu Filho unigênito, lhe corresponde a ternura por um
amor infinito, aumentando-lhe, assim a felicidade.
As
delícias que a Divindade recebe da santíssima Humanidade de Cristo, excedem
todas as que lhe vêm dos louvores dos Anjos, adorações dos Santos, e fidelidade
dos homens, porquanto a Humanidade sagrada de Nosso Senhor, unida
hipostaticamente à Divindade é a única capaz de honrar, de regozijar, de amar a
Divindade conforme sua infinita grandeza. Ora, tudo isto o Salvador Jesus faz
com tanta suavidade que nem os Querubins nem os Serafins o compreendem
inteiramente. O céu olha cheio de assombro, de coração arrebatado, sem poder
medir a extensão do divino júbilo.
Como
isto se reproduz em milhares de Missas, quem poderia descrever o grau de
felicidade que reverte à Santíssima Trindade?
Ó Deus
de glória, regozijo-me por vossa infinita felicidade, quereria mesmo aumentá-la
por minha piedade, durante o santo Sacrifício. Suplico-Vos, meu Senhor Jesus
Cristo, que Vos digneis, em cada Missa, de regozijar a bem-aventurada Trindade,
em meu nome, e suprir, superabundantemente, o amor que tenho negligenciado de
lhe manifestar, e a alegria que deveria causar-lhe.
"Um
pequenino nos nasceu, e um filho nos foi dado" (Is. 9, 6). Esta profecia
de Isaias que anunciava o nascimento de Jesus Cristo, deve-se aplicar também à
santa Missa. Nela uma criancinha nos é nascida, e um filho nos é dado. Ó rico e
piedoso dom! Este menino é o Filho de Deus. Chega de um país longínquo, do
paraíso celeste; traz-nos incomparáveis riquezas, a graça, a divina
misericórdia, o perdão de nossos pecados, a remissão das penas, a emenda de
vida, o benefício de uma morte, o acréscimo da glória futura, bênçãos temporais,
um preservativo eficaz contra o pecado.
O texto
de Isaías encerra um outro assunto de consolação. O profeta diz, expressamente,
que "nasceu-nos um menino, e nos foi dado um filho". Isto significa
que, nascendo de novo na consagração Jesus se torna nossa propriedade com tudo
o que é, tudo o que tem, tudo o que opera sobre o altar. Portanto, a honra, as
ações de graças, as satisfações que oferece à Santíssima Trindade são para nós.
Que maior consolação para os que ouvem a santa Missa do que este pensamento:
Jesus está para mim!?
Se
tivesses estado durante a noite de Natal na gruta de Belém, tomado o doce
Menino Jesus em teus braços, e o tivesses oferecido a seu Pai celeste,
elevando-o para Ele e suplicando-Lhe que tivesse piedade de ti por amor desse
pequenino, pensas que Deus pudesse repelir-te e ficar surdo a tua voz? Não,
certamente. Faze, pois, o mesmo durante a Missa, sobretudo no tempo do Advento
e do Natal, encaminha-te em espírito para o altar, toma o Menino Jesus,
oferece-o a Deus Padre.
Outro
ponto importantíssimo é este: O Cristo não somente nasce sobre o altar de
maneira mística, mas também toma uma forma tão humilde, que causa admiração ao
céu e à terra. Em seu primeiro nascimento, humilhara-se infinitamente, tomando
a forma de servo, entretanto, ainda era uma forma humana. Em seu nascimento
místico, escolheu humilhação ainda maior, aniquilou-se debaixo das aparências
do pão!
Que
humilhação inaudita! Que há de mais insignificante que uma espécie sacramental,
acidente sem substância? Olhai bem a suprema modéstia de Jesus! Onde lhe está a
glória? Onde lhe está a Majestade soberana que faz tremer o céu? Renunciou a
tudo isto! Aquele que ocupa um trono à direita do Pai eterno, repousa sobre o
altar, ligado como o Cordeiro de sacrifício. Ó abismo insondável de humildade!
Ó amor incomparável do mais fiel, do mais amante dos homens.
Para
que este excesso de humildade? Uma das razões principais é desarmar a cólera de
seu Pai celeste, e desviar dos pecadores um justo castigo.
Não há
melhor meio de aplacar o inimigo do que se humilhar em sua presença e pedir-lhe
perdão. O proceder de Acab fornece-nos uma prova. Quando o profeta Elias
anunciou a este rei ímpio que o Senhor o puniria de morte súbita assim como a
sua mulher e a seus filhos, e que seus corpos, privados de sepultura, seriam
devorados pelos cães e corvos, "humilhou-se Acab ante o Senhor, rasgou as
vestes, cobriu a carne com um cilício, jejuou, dormiu num saco e caminhou
cabisbaixo".
Então o
Senhor dirigiu a palavra a Elias e disse: "Não viste Acab humilhado diante
de mim? Já que se humilhou por minha causa, não farei cair sobre ele os males
de que o ameacei" (III Reis, 21, 27-29).
Se
Acab, "ao qual nunca houve igual em impiedade", segundo a Sagrada
Escritura, por sua humilhação, levou Deus Todo-Poderoso a suspender a sentença
pronunciada contra ele, o que não obterá junto a Deus a humilhação de Jesus
Cristo sobre o altar? Não é mais tocante neste estado de aniquilamento em que o
colocou seu amor pelos homens? Vede-o, despojado de suas vestes de gala, oculto
sob a aparência da Santa Hóstia não somente curva a cabeça, está atado como
holocausto e, do fundo do coração, pede para nós perdão e misericórdia!
A este
espetáculo, Deus diz a seus Anjos, como outrora dissera a Elias: "Vistes
como meu Filho se humilhou diante de mim?". Os Anjos respondem: "Sim,
Senhor, vimo-lo, e ficamos admirados". E o Pai celeste continua:
"Pois que meu Filho aniquilou-se deste modo, não me vingarei dos
pecadores, nem os punirei conforme suas iniqüidades".
Meditemos
estas palavras e estejamos persuadidos de que, se Deus não abrevia a vida do
culpado, se não o castiga segundo a medida de suas iniqüidades, o pecador
deve-o à santa Missa, onde participou da reparação de Jesus Cristo. O Salvador
clementíssimo advogou-lhe a causa, humilhou-se em seu lugar e deteve o braço
vingador da divina justiça.
Capítulo, 6. NA SANTA
MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SUA VIDA
Entre
as coisas que encantam os sentidos, o teatro deve ser colocado em primeiro
lugar.
Os
homens acham-lhe tal prazer que gastam, para assistir às representações
teatrais, muito tempo e muito dinheiro.
Se
quiséssemos considerar, atentamente, os grandes mistérios da Missa e persuadir-nos
que Jesus Cristo se aproxima do altar como ornado de suas vestes de festa, para
aí reproduzir, à nossa vista, as cenas de sua vida maravilhosa, correríamos
para a igreja ao primeiro toque do sino.
Mas,
oh! loucura do mundo, quantos preferem jogar os bens aos comediantes a assistir
à santa Missa, onde riquíssima recompensa é concedida a todo e qualquer
espectador piedoso!
Responder-me-ás,
talvez, caro leitor: "Não é de admirar que as pessoas frívolas prefiram
assistir à comédia; querem distrair-se, e, na santa Missa, nada lhes encanta os
olhos e os ouvidos".
Oh
triste cegueira! Se essas pessoas superficiais tivessem os olhos da fé,
gozariam da santa Missa profundamente, porque é o resumo da vida do Salvador e
a reprodução de todos os seus mistérios. Não é somente uma representação
poética de fatos passados, como seria um drama; é uma repetição verídica do que
Jesus Cristo fez e sofreu sobre a terra.
Com
efeito, na santa Missa, temos diante de nós o divino Menino, envolto em panos,
como o acharam os pastores, qual os Magos vieram adorar, e qual Maria
Santíssima colocou nos braços do velho Simeão. O mesmo divino Infante repousa
sobre o altar e espera nossas homenagens e nosso amor. Ao Evangelho, esse mesmo
Jesus repete-nos sua doutrina pela boca do sacerdote, com o mesmo proveito para
a alma crente, que se lhe viesse dos próprios lábios.
Vemo-lo
fazer um milagre maior que o de Caná, porque é mais admirável mudar o vinho em
sangue, do que a água em vinho. É a renovação da última Ceia e de sua morte na
Cruz. As mãos dos algozes não o atingem, porém as do sacerdote oferecem-no,
como vítima expiatória, ao eterno Pai.
Aquele
que sabe tirar proveito da santa Missa, pode receber dela o perdão dos seus
pecados e a abundância das graças celestes.
"Toda
a vida de Cristo, diz São Dionísio, o Cartucho, não foi mais do que uma Missa
solene, em que foi Ele o templo, o altar, o sacerdote e a vítima" (Vida
sacerdotum, Antwerpiae, Vostermann, 1751).
Na
verdade, Jesus Cristo revestiu-se das vestes sacerdotais no santuário do seio
materno, onde nos tomou a carne e com ela a vestimenta da nossa mortalidade.
Saiu desse santuário na noite sagrada do Natal e começou o
"Introito", entrando no mundo. Entoou o "Kyrie eleison",
lançando os primeiros vagidos no presépio; o "Glória in excelsis" foi
entoado pelos Anjos, quando apareceram aos pastores, e, convidando-os a
misturar seus louvores com os deles, conduziram-nos ao berço do recém-nascido.
Jesus
disse a "Coleta" em suas vigílias noturnas, onde implorava a
misericórdia divina para nós. Leu a "Epístola", quando explicava
Moisés e os profetas, demonstrando que os tempos eram findos. Anunciou o
"Evangelho", quando percorria a Judéia a pregar a boa nova. Fez o
"Ofertório", quando, no mistério da apresentação, ofereceu-se a seu
Pai pela salvação do mundo. Cantou o "Prefácio", louvando, por nós, a
Deus sem cessar e agradecendo-lhe os benefícios.
O
"Sanctus" foi entoado pelos hebreus, no dia de Ramos, quando, na
entrada de Jesus em Jerusalém, clamavam: "Bendito seja aquele que vem em
nome do Senhor! Hosana ao Filho de David!"
A
"Consagração", o Salvador efetuou-a na última Ceia, pela
transformação do pão e do vinho em seu Corpo e em seu Sangue. A "Elevação"
realizou-se, quando foi pregado na Cruz, elevado nos ares e exposto em
espetáculo aos olhos do mundo. O "Pater Noster", Jesus o disse na
Cruz, pronunciando as sete palavras. A "fração da Hóstia" cumpriu-se,
quando sua alma santíssima separou-se de seu corpo adorável. O "Agnus
Dei", o centurião o disse no momento em que exclamou:
"Verdadeiramente, este homem é o Filho de Deus!". A santa
"Comunhão" foi o embalsamamento e a sepultura.
A
"bênção" no fim, Jesus a deu no monte das oliveiras, estendendo as
mãos sobre os discípulos na ocasião da ascensão.
Eis a
Missa solene celebrada por Jesus Cristo sobre a terra!
Ordenou
que seus apóstolos e, depois deles, todos os sacerdotes, dissessem esta Missa,
cada dia, ainda que mais resumida.
Somos,
pois, tão favorecidos, e talvez mais do que os que viveram no tempo de Jesus.
Eles ouviram uma única Missa, cujas partes foram celebradas em longos
intervalos, enquanto nós podemos, cada dia, assistir a muitas e recolher, em
pouco tempo, os frutos de toda a vida do Salvador.
Caro
leitor, repassa, muitas vezes em teu espírito, a utilidade do santo Sacrifício
da Missa, onde Jesus Cristo te faz participar dos méritos infinitos de sua
santíssima vida e de sua paixão. Se fosse tão fácil adquirir bens temporais,
não perderíamos um instante e não pouparíamos trabalho. Como, pois, somos tão
pouco diligentes, quando se trata das riquezas eternas e dos tesouros que nem a
ferrugem nem os ladrões podem nos arrebatar?
Capítulo, 7. NA SANTA
MISSA, JESUS CRISTO RENOVA A SUA ORAÇÃO
"Temos,
por advogado, junto ao Pai, Jesus Cristo, que é justo e santo; porque é a
vítima de propalação por nossos pecados" (I Jo., 2, 1).
De
certo é consoladora garantia de nossa Salvação, termos por advogado o próprio
Filho de Deus, o Juiz dos vivos e dos mortos! Mas onde e quando Jesus Cristo
desempenhou este ofício?
A
Igreja ensina ser Ele nosso advogado não somente no céu, mas também na terra.
Eis a
doutrina de Suarez: "Cada vez que o santo Sacrifício da Missa é oferecido,
Jesus Cristo intercede por quem o oferece e também pelas pessoas em cuja
intenção é oferecido".
São
Lourenço Justiniano descreve assim a maneira de orar de Nosso Senhor:
"Enquanto o Cristo é imolado sobre o altar, clama a seu Pai e mostra-lhe
suas chagas para preservar os homens da condenação eterna".
Este
zelo do Sagrado Coração pela nossa salvação foi indicado por Lucas: "Jesus
subiu ao monte para fazer oração, onde passou a noite, orando a Deus".
E
noutro lugar: "De dia, ensinava no templo, e de noite, retirava-se à
montanha, chamada das Oliveiras". Ou então: "Foi segundo seu costume,
ao monte das Oliveiras, para nele orar".
Isto
diz, claramente, que Jesus tinha o costume de passar a noite em oração. Durante
sua peregrinação, cada um de seus atos era acompanhado da oração; no término
desta santa vida, o adeus aos discípulos foi a oração suprema do Sumo Sacerdote
por excelência; suspenso na Cruz, orava por seus inimigos e, quando chegou o
momento de voltar ao Pai celeste, levantou a mão sobre os discípulos, em uma
última bênção, e subiu ao céu, onde seu Coração continua a interceder pelo
gênero humano.
Ora, na
santa Missa, Jesus dirige a seu Pai todas estas orações reunidas; mostra-Lhe as
lágrimas, os gemidos que as acompanharam; enumera as noites passadas em jejum e
oração; oferece todos esses méritos pela salvação do mundo, particularmente por
cada um dos que assistem à Missa. Ó Deus, que eficaz oração! Como o perfume do
incenso, eleva-se para o Pai celeste, para o trono da Santíssima Trindade!
Jesus Cristo não ora somente, imola-se também pela salvação do mundo.
Santa
Gertrudes explica este mistério do seguinte modo: "Vi, na elevação, Nosso
Senhor erguer, com as próprias mãos e sob a forma de um cálice, o dulcíssimo
Coração que apresentou a seu Pai. Imolou-se então em favor de sua Igreja, de
maneira incompreensível à criatura". Jesus isto confirmou, quando disse a
Santa Matilde: "Eu somente sei e compreendo, perfeitamente, como me
ofereço cada dia a meu Pai pela salvação dos fiéis; nem os Querubins nem os
Serafins nem as Potestades podem concebe-lo inteiramente".
Notai
que Nosso Senhor não se oferece na santa Missa com a majestade que tem no céu,
porém em uma incomparável humilhação. Do abismo de sua humildade, a voz
eleva-se-lhe tão poderosa para o céu que traspassa as nuvens e atinge o trono
da misericórdia.
Quando
o rei de Nínive teve conhecimento dos castigos que ameaçavam a cidade no prazo
de quarenta dias, levantou-se do trono, despiu as vestes reais, cobriu-se de
roupas de luto, deitou cinza sobre a cabeça e pediu a todo o povo que
implorasse a misericórdia divina.
Por
esta humildade e esta penitência, o rei pagão obteve perdão para si e para a
cidade culpada.
Que não
obterá Jesus Cristo, que se humilha muito mais na santa Missa, em que, deixando
o trono de sua glória, reveste as pobres aparências do pão e do vinho e clama
ao Deus de misericórdia: "Graça e perdão para meu povo! Meu Pai, considera
minha abjeção; eis-me aqui diante de Vós, não como um homem, mas semelhante a
um verme da terra. Os pecadores levantam-se contra Vós cheios de orgulho. Eu me
humilho em Vossa presença. Eles Vos irritam, eu, por meu aniquilamento, quero
aplacar-Vos. Eles clamam sobre si Vossa justa vingança, eu quero desvia-La por
minhas instantes súplicas.
Tende
piedade deles por amor de mim, meu Pai, e não os castigueis à medida de suas
iniqüidades. Não os entregueis a Satanás, porque são meus, resgatei-os com o
preço de meu Sangue. E, Pai Santíssimo, imploro, sobretudo, a Vossa
misericórdia em favor dos pecadores aqui presentes, pelos quais renovo, durante
esta Missa, minha vida e minha morte. Dignai-Vos, em virtude de meu Sangue e de
minha morte, preservá-los da morte eterna".
Oh
Jesus, até onde vos arrasta o amor para conosco e por que meio poderíamos
melhor corresponde-lo senão assistindo, cheios de piedade, à santa Missa?
Quando
o divino Salvador se achou suspenso na Cruz, recomendou a seu Pai os fiéis que
estavam no pé da árvore da Salvação e lhes aplicou, mui especialmente, os
preciosos frutos. Do mesmo modo, ora pelos assistentes, principalmente pelos
que recorrem à sua mediação. Ora por eles tão ardentemente, como o fez no
momento de sua morte, pelos seus inimigos.
Oh
poderosa oração! Quanto não fortifica a esperança da vida eterna, vermos o
mesmo Filho de Deus tomar nas mãos os interesses de nossa salvação!
Se a
Santíssima Virgem te aparecesse e dissesse: "Não temas, meu filho,
prometo-te encarregar-me de teus interesses; pedirei, instantemente, a meu
Filho, Jesus Cristo, e não cessarei de pedir até que Ele me assegure tua
felicidade eterna", a tua alma não ficaria transportada de júbilo e não
exclamaria: "Agora estou consolado, não tenho que duvidar, minha salvação
está segura"?
Se
temos, pois, uma tão grande confiança na intercessão de Maria Santíssima, por
quê esta confiança não será absoluta, quando se trata da intercessão de seu
divino Filho, que não promete somente o socorro, mas ora por nós em cada Missa
que ouvimos, e faz, por assim dizer, violência à Justiça de Deus, para nos
poupar o castigo merecido?
E não
era somente. Com ele intercedem, como outras tantas vozes, suas lágrimas, suas
chagas, seu sangue, todos os seus suspiros de amor. Quem poderá medir o efeito
dessas súplicas sobre o coração do Pai celeste?
Muitas
vezes te lastimas da falta de fervor em tuas orações. Na santa Missa, Jesus
Cristo orará contigo e suprirá a imperfeição de tua oração. Escuta como convida
a todos afetuosamente:
"Vinde
a mim vós que sofreis e vos achais em tribulações" (Mt. 11, 28); isto é:
vós todos que não podeis orar com ardor, vinde a mim e orarei por vós. Por quê,
alma aflita e atribulada, não te rendes a este tão terno convite? Por que não
corres à santa Missa?
Em tuas
tribulações recorres a amigos para pedir-lhes uma oração. Que é, todavia, a
oração dos homens comparada com a oração e intercessão de Jesus Cristo? Tua
miséria é extrema, o perigo de tua condenação, iminente. Dize, pois, a Jesus:
"Senhor, quem poderá salvar-se?" e Ele responder-te-á: "O que é
impossível aos homens é fácil a Deus".
Recorre,
pois, a este Deus Salvador que quer te assegurar uma morada na casa de seu Pai.
"Como?,
talvez digas, um pobre indigente como eu, pode reclamar as orações do Filho de
Deus? Sou indigno disso, e não o ousarei". - oh, não fales deste modo!
Convence-te que um só de teus suspiros te dá todo o poder sobre seu Coração.
São Paulo o afirma: "O pontífice que temos, não é tal que não possa
compadecer-se de nossas fraquezas, porque todo o pontífice é tomado dentre os
homens e é estabelecido para os homens no que diz respeito ao culto de Deus, para
que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados".
Jesus
Cristo é pontífice, exerce o sacerdócio na santa Missa, sua missão é, portanto,
orar pelo povo e oferecer o sacrifício por ele; e não se desobriga desta missão
por todos em geral, mas por cada um em particular; assim como sofreu por todos
e por cada um, assim se interessa por cada alma de tal sorte, como se fosse a
única a salvar.
Eis o
zelo, o poder da oração de Jesus no santo altar. Juntemos-lhe nossas pobres
súplicas e elas se tornarão excelentes. "As orações feitas em união com o
Santo Sacrifício da Missa, disse o bispo Fornero de Hebron, são mais poderosas
que todas as outras, mesmo do que as que duram longas horas, e até as orações
extáticas, por causa da paixão e morte do Senhor que lhe manifestam a eficácia
na santa Missa, por uma admirável efusão de graças.
Porque,
como a cabeça ultrapassa, em dignidade, todas as outras partes do corpo, assim
a oração de Jesus Cristo, que é nossa cabeça, ultrapassa as orações de todos os
cristãos, que são os membros de seu corpo místico.
Uma
moeda de cobre torna-se preciosa, se é lançada no ouro em fusão; a pobre oração
do homem, unida à de seu Salvador, adquire um caráter de alta nobreza e pode
ser ofertada como um dom agradável à divina Majestade. Deste modo, uma oração
menos fervorosa, oferecida na Missa, vale mais que uma oração fervorosa feita
em casa.
Muitos
se prejudicam os que, podendo assistir à santa Missa e, durante esta, ocupar-se
com os exercícios de piedade que costumam fazer em casa, se afastam do santo
Sacrifício. Porque, se fizessem as orações durante a santa Missa com a intenção
de assisti-la e somente durante os momentos da consagração interrompessem as
orações, a fim de adorar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, ganhariam graças e
méritos muito maiores do que se rezam em seu oratório particular.
Capítulo, 8. NA SANTA
MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SUA PAIXÃO
Entre
todos os mistérios do Senhor, a meditação que nos é mais útil e merece de nossa
parte mais reconhecimento e veneração, é a Paixão dolorosa, pela qual fomos
resgatados. Os santos Padres dizem, a este respeito, coisas sublimes e
garantem, da parte de Deus, grande recompensa às almas que nela meditam com
fervor. Há muitos modos para bem honrar a Paixão: contudo, nenhum parece mais
perfeito do que a piedosa assistência à santa Missa, visto que a Paixão e a
Morte do Salvador se renovam no altar.
Com
efeito, na Missa, tudo recorda, tudo simboliza a Paixão. A Cruz encima o altar.
Por toda a parte, vê-se o sinal da Cruz; é marcado cinco vezes sobre a pedra
sagrada. Impresso sobre a Hóstia. Desenhado no missal, na página que precede o
cânon. Bordado sobre o amicto, o manípulo, a estola, a casula. Gravado na
patena, no pé do cálice. O sacerdote o faz dezesseis vezes sobre si mesmo, e
vinte e nove vezes, sobre a oferenda. Quantos indícios do renovamento do
Sacrifício da Cruz!
De que maneira Jesus Cristo renova sua Paixão?)*
Embora
Nosso Senhor tenha dito na última Ceia: "Fazei isto em memória de
mim", contudo o Sacrifício da Missa não é uma simples memória, porém a
renovação da Paixão. A Igreja ensina: "Se alguém disser que o Sacrifício
da Missa é apenas a lembrança do Sacrifício consumado na Cruz, seja
anatematizado". E noutra parte: "No divino Sacrifício está presente e
imolado, de modo incruento, o mesmo Cristo que se ofereceu uma vez, de modo
cruento, sobre o altar da Cruz".
Este
testemunho, por si, deveria bastar, pois que somos obrigados a crer tudo o que
a Santa Igreja nos ensina. Entretanto, a Igreja explica-se da forma seguinte:
"A vítima que se oferece pelo ministério do sacerdote, é a mesma que foi
oferecida na Cruz; somente difere a forma de oferece-la".
Sobre a
Cruz, Jesus Cristo foi imolado, de modo cruento, pelas mãos sacrílegas dos
carrascos; no altar, imola-se pelo ministério dos sacerdotes, de modo místico.
A
Igreja emprega muitas vezes, no missal, a palavra "imolar". Santo
Agostinho serve-se dela igualmente: "Jesus Cristo foi imolado, uma vez, de
maneira cruenta, sobre a Cruz; é agora imolado cada dia, sacramentalmente, pela
salvação do povo" (Epist. Ad Bonifac). Esta expressão é notável e acha-se,
mais de cem vezes, na Escritura Sagrada para designar a oblação dos animais.
Se a
Igreja se serve dela a respeito da santa Missa, é para indicar que o Santo
Sacrifício não consiste somente na pronunciação das palavras da consagração nem
na elevação das espécies sacramentais, mas na imolação verdadeira, embora
mística, do divino Cordeiro.
"A
Paixão de Cristo é o próprio sacrifício que oferecemos" diz São Cipriano
(Epist. Ad Caeciliam). Em outros termos: "Quando celebramos a santa Missa,
renovamos todas as cenas da Paixão de Cristo". São Gregório é ainda mais
explícito: "Aquele que ressuscitou dentre os mortos, diz ele, não morre
mais; entretanto, sofre ainda por nós, de maneira misteriosa, no santo
Sancrifício da Missa" (Homilia 137). Teodoreto não é menos claro:
"Não oferecemos outro sacrifício senão o que foi oferecido sobre a
Cruz" (In cap. 8 Hebr.).
Poderíamos
citar muitos outros testemunhos, mas para abreviar, contentamo-nos com o da
Igreja infalível que reza assim na "Secreta" 9ª dominga depois de
Pentecostes: "Concedei-nos, Senhor, nós vos pedimos, celebrar dignamente
este mistério porque, todas as vezes que é celebrado, cumpre-se a obra de nossa
redenção".
Bem que
Jesus Cristo não se imole fisicamente na santa Missa, todavia mostra-se toda a
corte celeste sob a forma lastimosa que tinha durante a flagelação, o
coroamento de espinhos, a crucifixão e isto tão ao vivo, como se
verdadeiramente sofresse todas estas torturas. "A santa Missa, escreve
Marchant, não é unicamente uma representação da Paixão, porém sua repetição
mística, não cruenta. Se o Cordeiro de Deus tomou, uma vez, sobre Si os pecados
do mundo para apagá-los com o seu Sangue, assume, todos os dias, nossas faltas
para expiá-las sobre o altar.
Acabamos
de mostrar como Jesus Cristo renova sua Paixão na santa Missa; expliquemos
agora os motivos que o guiam.
O
piedoso Padre Segneri exprime-se deste modo: "Durante sua vida terrestre,
o Cristo, em virtude de sua presciência divina, previa que milhões de homens se
condenariam, apesar de sua Paixão.
Mas,
como verdadeiro irmão, desejava salvar as almas, e encheu-se de uma
incomensurável compaixão à vista de sua perdição eterna, a tal ponto que propôs
a seu Pai vicar suspenso na Cruz, não três horas, mas até o fim do mundo, para
poder, por esse longo tormento, por suas lágrimas contínuas, pela efusão de seu
Sangue, por suas ardentes orações, por seus suspiros, aplacar a divina justiça,
excitar a misericórdia e assim achar o meio de impedir a perda de tão grande
multidão de almas" (Hom. christ. disc. 12).
São
Boaventura, o bem-aventurado Ávila e outros atribuem também esta vontade de
Jesus misericordiosíssimo.
O Pai
eterno não se rendeu ao desejo de seu Filho e respondeu-lhe que três horas de
semelhantes torturas eram mais que suficientes e o que não quisesse aproveitar
os méritos da Paixão não poderia acusar senão a si mesmo de sua eterna
condenação.
Esta
recusa não extinguiu o amor do Salvador, pelo contrário, mais o inflamou e
levou a um desejo mais vivo de vir em socorro dos pobres pecadores. Foi então
que encontrou na infinita sabedoria outro meio de permanecer sobre a terra
depois da morte e continuar sua Paixão, orando a Deus pela nossa salvação como
fez pregado na Cruz. Este meio foi o santo Sacrifício da Missa.
São
Lourenço Justiniano fala assim da constante oração de Jesus: "Enquanto o
Cristo é oferecido sobre o altar, clama para seu Pai e mostra-lhe as chagas a
fim de que se digne preservar os homens das penas eternas" (Sermo de
Corpo. Christ).
Quem
poderia medir a eficácia desta oração sublime, indo direta do altar ao coração
do Pai celeste? Quantas vezes os povos e as nações não teriam perecido, se
Nosso Senhor não tivesse orado sobre eles? Quantos milhares de bem aventurados
se retorceriam nas chamas do inferno, se Jesus Cristo não os tivesse guardado
pela sua intercessão poderosíssima! Pois bem, pecadores, ide pressurosos à
santa Missa, a fim de participardes dos efeitos desta oração, de serdes
preservados de todo o mal e obterdes, por Jesus Cristo, o que não podereis
obter por vós mesmos.
Vedes
que o principal motivo pelo qual Jesus Cristo renova sua Paixão na santa Missa,
é o de orar por nós e inclinar seu Pai à misericórdia, tão eficazmente como o
fez sobre a Cruz. Mas Jesus Cristo quer também, pela santa Missa, aplicar-nos
os méritos do Sacrifício da Cruz.
Lembrai-vos
que o Salvador, durante toda sua vida e, principalmente, na Cruz, adquiriu um
tesouro infinito de méritos que, naquela ocasião, apenas derramou sobre um
número limitado de fiéis, que agora derrama em profusão por diferentes vias,
principalmente na santa Missa. "O que na Cruz foi um sacrifício de
redenção, disse um mestre da vida espiritual, na Missa torna-se um sacrifício
de apropriação, em que cada qual participa dos méritos e da virtude do
Sacrifício da Cruz".
Em
outros termos: se assistirmos piedosamente à Missa, a virtude, os méritos da
Paixão serão apropriados a cada um de nós, segundo nossas disposições.
E para
que Jesus Cristo põe em nosso poder um tesouro tão precioso? Ele o disse a
Santa Matilde: "Vê, dou-te todas as amarguras de minha Paixão para que as
consideres como teu próprio bem e, depois, tornes a mas oferecer".
Portanto, se dizes: "Ó Jesus, ofereço-Vos Vossa dolorosa Paixão", ele
vos responderá: "Meu filho, dou-te duas vezes o seu preço". E se
continuas: "Ó Jesus, ofereço-Vos Vosso Sangue precioso", o Salvador
responder-te-á ainda: "Meu filho, lavo-te nele duas vezes". Em uma
palavra, quantas vezes ofereceres ao Senhor qualquer de seus sofrimentos,
tantas vezes eles hão de reverte com duplo valor.
Que
meio fácil de se enriquecer com as melhores graças!
Outra
razão do renovamento da Paixão parece-nos esta:
Todos
os fiéis não puderam assistir ao Sacrifício da Cruz; o Salvador, entretanto,
não quis privá-los de tão grande vantagem; por isso liga à audição da Missa os
mesmos frutos que teriam adquirido ao pé da Cruz.
Vede
quanto é grande o nosso Sacrifício. Não é somente um memorial do grande, do
perfeito, do único Sacrifício da Cruz, mas é este mesmo Sacrifício produzindo
todos os seus efeitos. Jesus Cristo ordenou que a Igreja oferecesse sempre o
mesmo Sacrifício que ele ofereceu sobre a Cruz, o mesmo em sua essência,
diferente embora pela forma, pois não há efusão de sangue; o mesmo quanto à
abundância de graças, porque, sendo idêntico ao Sacrifício da Cruz, tem a mesma
virtude e aparece ao Pai celeste tão agradável como o Sacrifício cruento da
Cruz.
A santa
Igreja, ainda uma vez afirma-o expressamente, dizendo: "O Sacrifício da
Missa e o da Cruz são o mesmo sacrifício".
Não há,
por conseguinte, mais dúvida: pela nossa assistência à santa Missa, tornamo-nos
tão agradáveis a Nosso Senhor e lucramos tantas vantagens, como se tivéssemos
assistido à sua crucifixão. Que imenso favor podermos, quotidianamente, ser
testemunhas da Paixão do Salvador e recolher-lhe os frutos; podermos cercar a
Cruz do Salvador moribundo, considerá-lo, falar-lhe, lastimá-lo, confiar-lhe
nossas penas, receber-lhe socorros e consolações, como o fizeram a Mãe das
Dores, o discípulo predileto e Maria Madalena!
Cristãos,
aproveitem o santo Sacrifício do Altar, todos os dias, e rendei graças a Jesus,
divino zelador de nossas almas!
Capítulo, 9. NA SANTA
MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SUA MORTE
"Não
há maior prova de amor de que dar a própria vida por seus amigos" (Jo.,
15, 13). Estas palavras Nosso Senhor as pronunciou algumas horas antes de
cumprí-las.
Com
efeito, dar a vida, que é o mais precioso bem do homem, por uma pessoa, é o
maior ato de generosidade possível.
O amor
de Jesus Cristo foi, incomparavelmente, mais longe ainda, visto que deu a vida,
a mais nobre, a mais santa que jamais houve, não somente por seus amigos, como
também pelos próprios inimigos! E acrescenta: "Dou minha vida por minhas
ovelhas" (Jo. 10, 15). Não disse: Darei minha vida, nem dei-a, mas
"Eu a dou", o que significa que continua a dá-la sempre. Esta
imolação se realiza, cada dia, na Santa Missa da maneira seguinte:
Era
uso, antigamente, representar a Paixão por um drama. Em certos lugares,
notadamente em Oberammergau, este costume manteve-se até hoje e atrai milhares
de espectadores de todas as partes do mundo. Prega-se na cruz um homem que nela
fica suspenso até que pareça exalar o último suspiro em sofrimentos extremos, e
isto tão ao natural, que os assistentes fundem-se em lágrimas. Na santa Missa,
porém, ninguém faz o papel de Jesus Cristo moribundo, mas é o próprio Senhor
que se imola.
Não
quis Ele confiar o cumprimento deste Sacrifício nem a um Anjo nem a um Santo,
porque os julgava incapazes de executa-lo inteiramente, e sabia que sua
presença não enterneceria o coração do Pai no mesmo grau. Eis porque renova, em
cada Missa, sua morte dolorosíssima tal como se realizou sobre o Calvário.
Quando,
na última Ceia, instituiu o Santíssimo Sacramento, não quis faze-lo nem de uma
só vez nem de uma só espécie, porém quis consagrar duas vezes e sob duas
espécies, e isto para nos lembrar, mais vivamente, sua morte.
Ainda
que, debaixo da espécie de pão, o Sangue esteja também presente, e ainda que o
Corpo se ache sob a espécie do vinho, contudo, pela consagração feita sob as
duas espécies e pela força das palavras sacramentais, o Corpo é chamado sob
apenas as espécies de pão e o Sangue sob as do vinho, de modo a representar,
claramente, a separação de um do outro, o que é a própria morte, embora
repetimos, por concomitância, o Corpo esteja também sob a espécie de vinho, e o
Sangue, sob a do pão.
Lancício
escreve sobre este assunto: "Como a morte é motivada pela separação do
sangue do corpo, e como Jesus Cristo morreu sobre a Cruz por esta separação
natural, na Missa também, sua morte nos é representada pela separação do seu
Sangue" (De Missa, tom. 2, c. 5).
Morrendo
sob os olhos de seu Pai, Jesus testemunha-lhe a mesma obediência perfeitíssima
que lhe testemunhou, morrendo sobre a Cruz. Foi submisso em tudo, mas nada
custou tanto à sua natureza humana como fazer-se "obediente até a morte e
a morte de Cruz" (Fil., 2, 8). Também esta obediência foi tão agradável a
Deus que, para recompensa-la, "Deus elevou-o soberanamente e deu-lhe o
nome que está acima de todo o nome".
Como
dissemos, esta obediência perfeita o Salvador oferece-a a seu Pai durante a
Missa e, com ela, as magníficas virtudes que praticou na perfeita inocência, na
profunda humildade, na inalterável paciência, na ardente caridade, não somente
para seu Pai celeste, como também para os seus carrascos, seus inimigos e todos
os pecadores.
Jesus
mostra também a seu Pai as amargas dores sofridas na Cruz: sua agonia
inexprimível, os terrores que o oprimiram, os membros deslocados, a lança que
lhe traspassou o coração. Tudo isto representado tão ao vivo como se ainda
estivesse sobre o Calvário. E como então aplacara a cólera de seu Pai e havia
reconciliado o mundo, comove ainda este coração paterno em nosso favor em cada
Missa, prosseguindo assim a obra de nossa redenção.
Vejamos
também, segundo os doutores, o grande proveito que nos garante esta morte
mística.
São
Gregório diz: "Este Sacrifício preserva a alma da perdição eterna,
renovando a morte do Filho de Deus". Consoladoras palavras para os que, à
vista de seus pecados, temem o inferno, pois o santo Papa afirma,
expressamente, que a imolação do Salvador se efetua, misticamente, na santa
Missa, e proclama-lhe a virtude para nos preservar da morte eterna. Quereis
escapar ao inferno? Ouvi bem a santa Missa, honrai a morte de Jesus Cristo e
oferecei-a a Deus Padre.
Segundo
o sábio Mansi, a santa Missa é um simples memorial do Sacrifício cruento da
cruz, visto que a mesma vítima que foi oferecida no Calvário é também nela
ofertada; portanto, este sacrifício místico não tem menos valor que o
sacrifício cruento.
O que
escreve o cardeal Hosius a respeito não é menos consolador. "Bem que, na
santa Missa, diz ele, não imolemos Jesus Cristo fisicamente, pela segunda vez,
contudo os méritos de sua morte nos são aplicados de modo tão eficaz como se
ela fosse atual" (De Euchar. c. 41). E, para nos penetrar bem desta
verdade, o cardeal acrescenta: "Sim, neste mistério, a Morte de Cristo e
os frutos desta morte nos são apropriados como se Jesus morresse
realmente".
Ruperto,
abade de Deutz, diz: "Tanto é verdade que Jesus Cristo, suspenso na Cruz,
obteve o perdão dos pecados a todos os que tinham esperado sua vinda, desde o
começo do mundo, como é verdade que, sob as espécies do pão e do vinho, nos
alcança a mesma graça" (In Joann). O padre Segneri trata deste assunto
igualmente: "O Sacrifício da cruz foi a causa geral da remissão dos
pecados: o Sacrifício do Altar é a causa particular que apropria a este ou
àquele os efeitos do precioso Sangue. A Paixão e a Morte do Salvador acumularam
este tesouro; a santa Missa o distribui.
A Morte
de Cristo é a tesouraria, e a santa Missa, a chave para abri-la" (In
Homine Christ. disc. 12. c. 9).
Possam
essas palavras animar os que são pobres de méritos e tirá-los do Coração de
Jesus, pela assistência à santa Missa.
A
Santíssima Virgem disse, um dia, ao seu fiel servo Alano: "Meu Filho ama
tanto aos que assistem ao Sacrifício que, se fosse possível, morreria por eles
tantas vezes quantas ouvissem a santa Missa" (B Alan. rediviv. p. 2; c. 7,
n. 26). Palavras apenas críveis, e, entretanto, exprimem somente o amor infinito
que leva Nosso Senhor a morrer, diariamente, não uma vez, mas milhares de
vezes, pelos pobres pecadores.
Vai,
pois, cada dia à Missa, assiste-a com toda a devoção possível; lembra-te que
acompanhas a Jesus Cristo ao Gólgota e à morte, "porque, diz o autor da
"Imitação de Cristo", quando celebrares, ou assistires a Missa, este
divino Sacrifício deve parecer-te tão grande, tão novo, tão digno de amor, como
se nesse mesmo dia, Jesus Cristo, suspenso na Cruz, sofresse e morresse pela
salvação dos homens".
Capítulo, 10. NA SANTA
MISSA, JESUS CRISTO RENOVA A EFUSÃO DE SEU SANGUE
"Moisés",
diz o Apóstolo São Paulo na Epístola aos Hebreus, "depois de haver
proclamado, diante de todo o povo, os mandamentos segundo o teor da lei, tomou
o sangue dos touros e dos bodes e, com água, lã tinta de escarlate e hissopo,
aspergiu o livro e todo o povo, dizendo: É este o sangue do testamento que Deus
fez em vosso favor. Aspergiu ainda, com sangue, o tabernáculo e todos os vasos
que serviam ao culto. E, conforme a lei, quase tudo se purifica com o sangue, e
os pecados não são remidos sem efusão de sangue" (Heb. 9, 19).
Essa
efusão e aspersão do sangue das vítimas eram o símbolo do precioso Sangue de
Nosso Senhor, em que devíamos ser purificados inteiramente como em um banho,
como nos diz ainda São Paulo:
"Se
o sangue dos bodes e dos touros e a aspersão d’água, misturada com a cinza de
uma novilha, santificarem os que foram manchados, dando-lhes uma pureza
exterior e carnal, quanto mais o Sangue do Cristo que, pelo Espírito Santo, se
ofereceu a Deus como vítima sem mancha, purificará nossa consciência das obras
mortas e das manchas que temos contraído por nossos pecados, para nos fazer
render um culto mais perfeito ao Deus vivo!" (Heb. 9, 13).
Alguém
poderia entristecer-se e dizer: "Jesus Cristo derramou o Sangue em sua
paixão e aspergiu os fiéis que então viviam; nós, porém, que não éramos
nascidos, fomos privados desta graça imensa".
Não te
aflijas, leitor, o Sangue do Salvador correu para ti tão abundante, como para
os fiéis de então. São Paulo assim diz expressamente. O Cristo resgatou
"todos". Morreu por "todos": pelos justos de sua época, por
ti, por mim, por aqueles que virão depois de nós. Além disso, achou um meio de
derramar o Sangue todos os dias, de aspergi-lo sobre nossas almas,
purificando-as. Este meio é a santa Missa.
Demonstramo-lo,
principalmente, pelas palavras de Santo Agostinho: "Na Missa, o Sangue de
Cristo é derramado pelos pecadores". Está dito assas claramente, de forma
que não há necessidade de comentários. São João Crisóstomo ensina também:
"O Cordeiro de Deus é imolado por nós; o Sangue corre, misticamente, sobre
o altar, para nos purificar; foi tirado do lado traspassado do Salvador e
derrama-se no cálice".
Na
Missa, as mãos do Salvador são invisivelmente feridas, os pés, traspassados, o
lado, aberto, e o Sangue corre-lhe em borbotões. Podemos, pela contrição,
apropriar-nos de seus méritos; podemos também consegui-lo por nossos desejos
ardentes, pela santa Comunhão, mas, especialmente, pela piedosa assistência à
Missa, porque, na Missa, pelas palavras da consagração, o sacerdote tira, do
lado de Cristo, o Sangue divino, a fim de que corra para a remissão de nossos
pecados, nossa purificação e nossa santificação.
O
Sangue que brotou do lado do Senhor acha-se no cálice, onde está para a
remissão dos pecados, como o indicam as palavras da consagração: "Este é o
cálice de meu sangue, derramado por vós e por muitos, em remissão dos
pecados". Estas palavras, proferidas por Jesus na primeira consagração, o
sacerdote as repete, seguindo a ordem do próprio Salvador, não como se quisesse
simplesmente recordar o que disse Jesus Cristo sobre o cálice - neste caso não
consagraria, - mas para realizar e afirmar a mudança do vinho no precioso
Sangue.
O
sacerdote não diz somente: "Este é o cálice de meu Sangue"; acrescenta:
"derramado por vós e por muitos, em remissão dos pecados". Ora, tendo
sido infalivelmente cumpridas as primeiras palavras, as últimas devem sê-lo
também. Há, pois, efusão de sangue, "por vós e por muitos", isto é,
por vós que assistis à santa Missa; pelos ausentes. Pelos que a mandam
celebrar; pelos que assistiriam se pudessem; também pelos que são impedidos por
moléstias, ou negócios importantes, contanto que se unam ao santo Sacrifício,
ou se lhe recomendem.
Oh
sublime mistério! O doce Jesus, depois de ter derramado o Sangue até a última
gota, quer ainda derramá-lo por nós, cada dia e a cada hora, a fim de que
sejamos limpos de pecados, e para nos assegurar a salvação eterna. Que
incomparável benefício é, pois, a santa Missa para os que a ouvem devotamente,
pois que Santo Ambrósio nos repete: "Para a remissão dos pecados, o Sangue
de Cristo é derramado!" (Dal. Mirac. vol. 2: dist. 9, cap. 22, p. 181).
Dentre
os muitos fatos miraculosos que apóiam esse artigo de fé, escolhemos o que
sucedeu ao padre Pedro Cavanelas, da Ordem dos Jerônimos.
Este
religioso vivia, desde muito tempo, oprimido pela dúvida de que o precioso
Sangue se achasse também na santa Hóstia. Chegando, um dia, na Missa, às
palavras que seguem a elevação: "Supplices te rogamus, - nós vos
suplicamos, Deus onipotente, ordeneis que estes dons sejam levados ao vosso
altar sublime, em presença de vosso santo Anjo, etc., como se inclinasse
profundamente, viu-se inteiramente cercado de uma espessa nuvem que lhe ocultou
a santa Hóstia e o cálice". Ficou perturbado, não sabendo o que aquilo
significava nem o que ia acontecer. Um instante depois, mão invisível suspendia
as santas espécies.
O
assombro chegou-lhe ao cúmulo, pareceu-lhe ter sido julgado indigno de celebrar
a santa Missa. Exercitou, no coração, um profundo sentimento de arrependimento
e suplicou a Deus que lhe viesse em auxílio. Afinal, os suspiros lhe foram
ouvidos, o cálice voltou a seu lugar, a santa Hóstia pairando-lhe em cima.
Ora,
enquanto o pranto de dor se lhe transformava em lágrimas de prazer,
considerando, piedosamente, a sagrada Hóstia, o religioso notou que dela
corriam gotas de sangue. Imediatamente, compreendeu a significação deste
mistério; as dúvidas se lhe desvaneceram, dando lugar à fé inconcussa na
presença do precioso Sangue sob as espécies do pão.
Por
conseguinte, a santa Humanidade do Senhor acha-se toda em cada espécie, embora,
em virtude das palavras da consagração, o Corpo esteja principalmente na santa
Hóstia, e o Sangue, no cálice.
Refleti
aqui sobre a imensidade da graça que nos é concedida por termos, sobre o altar,
o precioso Sangue de Jesus Cristo. Não há bem mais augusto do que esse Sangue
divino, do qual uma gotazinha excede, em valor, todos os tesouros da terra e do
céu. Este sangue adorável não o temos somente diante de nós; pertence-nos como
um dom que recebemos.
O
Sangue de Jesus Cristo derrama-se, verdadeiramente, na santa Missa. Procuremos
compreender aqui como é derramado sobre todos os assistentes e sobre as almas
do purgatório.
O
antigo Testamento fornece-nos um símbolo deste mistério, símbolo alegado por
São Paulo: "Moisés tomou o sangue dos vitelos e dos bodes, e lançou-o
sobre o povo, dizendo: Este é o sangue do testamento que Deus fez em vosso
favor" (Heb. 9, 20).
Na
Ceia, Jesus pronunciou quase as mesmas palavras sobre o cálice: "Este é
meu Sangue, o Sangue da nova Aliança" (Lc. 22, 20). São Paulo diz:
"Era necessário, visto que as imagens das coisas que estão nos céus foram
purificadas desta maneira (pelo sangue dos animais), que as coisas celestes
fossem inauguradas por sacrifícios superiores àqueles".
O
Apóstolo quer dizer: A sinagoga, que era a imagem da Igreja, foi purificada
pelo sangue dos animais, mas a Igreja é purificada pelo sangue do Cordeiro de
Deus. Cousa alguma pode ser purificada com sangue e água sem ser deles
inundada; por conseguinte, sendo nossas almas purificadas na Missa pelo Sangue
de Cristo, este Sangue é, necessariamente, derramado sobre elas.
São
João Crisóstomo diz: "Quando vedes o Senhor imolado e estendido sobre o
altar, o sacerdote inclinado sobre a vítima, orando, e todos os assistentes
aspergidos do precioso Sangue, ainda vos parece estar neste mundo e entre os
homens? Não vos julgais no céu, livres dos apetites da carne, contemplando as
maravilhas celestes?" (Bibliothek der Kirchenvaeter, Kempten.
Chrysostomus). Considerai a expressão do santo doutor: o povo é aspergido de
sangue, por conseguinte, o Sangue de Jesus não é só derramado, mas é aspergido
sobre nós.
Marchant
afirma: "O precioso Sangue é derramado em sacrifício, na Missa, e os
assistentes são aspergidos com ele de modo espiritual". Também escreve São
João muito claramente: "Jesus Cristo nos amou e nos lavou de nossos
pecados em seu Sangue" (Apoc. 1, 5). É ainda doutrina de São Paulo:
"Sois aproximados de Jesus, o mediador da nossa Aliança, e do sangue da aspersão,
que fala melhor que o de Abel" (Heb. 12, 24).
Quando
nos aproximamos de Jesus, nosso mediador, senão na santa Comunhão?Sim,
verdadeiramente, na santa Comunhão nos aproximamos muito perto de Jesus, visto
que o recebemos em nosso coração; contudo, na Comunhão, vamos a ele antes como
ao alimento de nossas almas do que como ao nosso mediador, enquanto na santa
Missa é o verdadeiro mediador que nos dirigimos, porque Jesus Cristo nela
exerce as funções do grande sacerdote e ora, oficialmente, pelo povo.
Aproximando-nos
de nosso mediador, aproximamo-nos também do "sangue da aspersão", que
inunda, espiritualmente, nossas almas. Em sua Paixão, o salvador derramou o
Sangue, porém esta preciosa onda só purpureou as mãos e a roupa dos carrascos,
as pedras e a terra. Na Missa, este mesmo Sangue corre novamente, porém sobre
as almas dos fiéis. Moisés aspergia o povo com o sangue dos animais; o
sacerdote o asperge com água benta; o Salvador asperge as almas com seu Sangue
precioso.
Esta
aspersão espiritual é, infinitamente, mais eficaz do que a material. Os
carrascos e os judeus que cercavam a Jesus Cristo, tiveram o corpo tinto do
precioso Sangue e não se converteram: pelo contrário, tornaram-se mais
endurecidos. Se o Salvador lhes tivesse aspergido as almas, teriam sido
convertidos e purificados. Do mesmo modo, de pouco nos serviria sermos,
materialmente, regados com Sangue divino, na santa Missa, sem a aspersão
espiritual deste sangue adorável que purifica, santifica e adorna nossas almas.
Santa
Maria Madalena de Pazzi diz: "A alma que recebe o Sangue divino torna-se
bela como se a vestissem preciosamente, e tão brilhante e fulgurante que, se
pudéssemos vê-la, seríamos tentados a adorá-la" (In monitis vitae suae
annexis, c. 1, n. 44).
Bem-aventurada,
pois, a alma ornada de semelhante beleza! Bem-aventurados, também, os olhos
dignos de contemplá-la.
Caro
leitor, vai à Missa a fim de que o Sangue rubro do divino Salvador comunique a
tua alma este vestido de glória que te tornará digno de ser introduzido na sala
do festim, para regozijar-te, eternamente, com os Anjos e os Santos.
Este
precioso Sangue purifica e enfeita os piedosos fiéis, torna-os férteis em boas
obras, alivia-os nas fraquezas e produz efeitos proporcionados às disposições
de cada um; esforça-se por tornar bons os maus, tocar os corações endurecidos,
reconduzir os desviados; a todos os inimigos de Deus oferece o perdão e a
graça; e, se o pecador é bastante obstinado para persistir no mal, clama por
ele ao céu e retém o braço vingador da Justiça divina.
Reconhece,
leitor, por estes efeitos do precioso Sangue, quanto é útil a todos, aos justos
e aos pecadores, irem, assiduamente, à santa Missa, porque, ainda uma vez, é
onde "o Sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado" (Jo. I.
Ep. 1, 7); onde os maus são preparados para a justificação.
Se te
fosse dado assistir à crucifixão e ser purpureado do Sangue que correu da Cruz,
não te julgarias infinitamente favorecido?
É certo
que, se ouvires a santa Missa com as disposições que terias levado ao Calvário,
a aspersão mística do Sangue de Nosso Senhor te será tão salutar como a
primeira.
Uma das
principais graças que recebem os assistentes na santa Missa, é o brado do
Sangue divino para o céu, a fim de obter misericórdia. Oh! como é útil aos
pecadores este apelo. Com que força aplaca a ira divina! A Escritura Sagrada
diz, expressamente, que os crimes dos homens clamam pela vingança do céu:
"A voz do Sangue de teu irmão clama da terra para mim" (Gen. 4, 10),
disse Deus a Caim. E, em outro lugar, "o grito de Sodoma e Gomorra aumenta
cada vez mais, e seu pecado chegou ao cúmulo. Descerei e verei se suas obras
correspondem a este grito que subiu até mim" (Gn 18, 20).
Aos
opressores das viúvas e órfãos, o Espírito Santo diz: "As lágrimas da
viúva não correm ao longo de suas faces, chamando vingança contra quem as
provoca? Do seu rosto, sobem até mim" (Ex. 22). E São Tiago designa outro
pecado deste gênero: "Eis que clama para o céu o salário de que tendes
privado os obreiros que ceifaram vossos campos, e os gritos dos segadores
subiram até os ouvidos do Senhor dos exércitos!" (São Tiago, 5, 4).
Em
Isaías, o Senhor clama o pecado em geral um brado: "A vinha do Senhor é a
casa d’Israel, e os homens de Judá eram o ramo no qual achava minhas delícias.
Esperei ações justas e vejo apenas iniqüidades e ouço somente clamores dos
pecados" (Isaías, 5, 7).
Quem,
pois, desarmará a ira do Senhor? Quem desviará sua terrível vingança? Quem? - O
precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O
clamor de nossos crimes sobe até as alturas do céu, porém muito mais alto ainda
sobe a voz súplice do Sangue de Jesus que, infinita e onipotente, não traspassa
somente os ares, mas enche o céu e penetra até no coração do Pai celeste. Ante
a doçura desta voz, se desvanece o pensamento da vingança que a multidão de
nossos crimes havia inspirado ao Altíssimo.
Perguntar-nos-ás:
Como é que o precioso Sangue clama ao céu, pois nada se ouve? Perguntamos
também: Como o sangue de Abel podia clamar, estando ele morto? Não obstante,
Deus disse a Caim: "A voz do sangue de Abel chega até mim".
Este
clamor não era material, e, sim, espiritual, mas tão poderoso, que penetrou no
Coração do Pai e obteve vingança contra o crime de Caim. Assim também a voz do
Sangue de Jesus Cristo, toda espiritual, é de tal poder, que obriga a Deus a
nos fazer misericórdia. O mesmo afirma São Paulo, dizendo:
"Aproximaste-vos de Jesus, o mediador da nossa Aliança, e deste Sangue do
qual se fez a aspersão e que fala mais vantajosamente do que o de Abel".
Enquanto
o Sangue de Jesus estava em seu corpo, não se fez ouvir; mas, derramado em sua
dolorosa Paixão, sua voz elevou-se poderosíssima, para implorar o perdão em
favor do gênero humano.
Na
Missa, esta mesma voz se dirige com acentos irresistíveis ao Pai celeste:
"Considerai, oh! Deus, com que humilhações, com que dor e em que
ignomínia, com que crueldade fui insultado, escarnecido, amaldiçoado e calcado
aos pés. Tudo isto suportei com a maior paciência, a fim de salvar os pecadores
e abrir-lhes o céu. Mas, Vós, oh Juiz severo, quereis condená-los e
precipitá-los no fundo do inferno. Quem me compensará tantos suplícios? Não
serão os réprobos, que, no inferno, odiar-me-ão, em vez de agradecer-me.
Oh!
Deus de misericórdia, escutai minha prece, e, por meu amor, concedei aos
pecadores a graça da conversão, e aos justos, a de crescer em vossa graça e em
vosso amor".
Como
Deus não responderia a tais clamores, pois que, à voz de Abel, amaldiçoou logo
o fratricida Caim! O Sangue de Abel bradava vingança, o de Jesus Cristo clama
misericórdia, para a qual Deus é muito mais inclinado, como diz a Igreja:
"Deus, a quem é próprio perdoar e poupar sempre o castigo". E São
Pedro escreve: "Deus nos espera com paciência, não querendo que ninguém
pereça, porém que todos voltem a ele pela penitência" (II Ep. São Pedro,
3, 9).
O
precioso Sangue clamou em nosso favor na circuncisão, no jardim das oliveiras,
na flagelação, na coração de espinhos, na crucifixão de Nosso Senhor, e obteve
"a reconciliação do mundo com Deus" (II Cor. 5, 9). Na santa Missa,
este Sangue não fala apenas com uma voz, com tantas vozes quantas foram as
gotas derramadas. Clama com voz penetrante, com toda a virtude divina e humana,
e com ele clamam as inumeráveis chagas do Salvador, seu Coração com todas as
palpitações, sua sagrada boca com todos os suspiros que dela se escaparam.
Seria
possível que este clamor, vindo do Sangue, do Coração, de todas as chagas de
Cristo, não traspassasse o Coração do Pai celeste?
Na
verdade, ainda quando Deus quisesse esquecer a misericórdia para satisfazer a
justiça, este clamor comovente do Sangue de Jesus lhe faria esquecer a
resolução.
O
precioso Sangue, porém, sobe a Deus não somente como ração poderosíssima, mas
também é um incenso de cheiro agradável. É isto o que o sacerdote pede, quando
diz no oferecimento do cálice: "Nós vos oferecemos, Senhor, o cálice da
salvação, suplicando a vossa clemência que suba ao trono de vossa divina
Majestade qual suave perfume para a nossa salvação e a de todo o mundo".
No
antigo Testamento, Deus tinha por agradável o odor dos holocaustos. Que, pois,
não obterá o perfume do Sangue de Jesus Cristo, derramado sobre o altar e
oferecido na santa Missa?
Quando
Jesus, como preciosa vítima, foi imolado na Cruz e seu divino Sangue corria
sobre a terra, dimanou dele um perfume tão suave, que afastou a fedentina que
exalavam os abomináveis sacrifícios dos idólatras e vícios do mundo. É o
Apóstolo São Paulo que no-lo afirma: "Jesus Cristo nos amou e entregou-se
a Deus por nós, como vítima e oblação de cheiro agradável" (Ep. Efésios,
5, 2).
Capítulo, 11. A SANTA
MISSA É O HOLOCAUSTO MAIS EXCELENTE
Havia,
na antiga lei, quatro espécies de sacrifícios: o holocausto ou sacrifício
latréutico, pelo qual se reconhecia o soberano domínio de Deus; o sacrifício de
louvor e de reconhecimento; o sacrifício pacífico, quer fosse eucarístico, quer
impetratório, pelo qual se atraíam os benefícios de Deus; e o sacrifício
expiatório, em que Deus era honrado como Juiz; era oferecido pela remissão dos
pecados e pela expiação das culpas. Cada um destes sacrifícios tinha um rito
particular.
Desde a
criação do mundo até a vinda do Messias, inumeráveis holocaustos foram
oferecidos ao Senhor, e a Sagrada Escritura afirma que agradavam a Deus. A lei
de Moisés ordenava aos judeus o sacrifício perpétuo ou sacrifício da manhã e da
tarde, que consistia na imolação de um cordeiro. Nos sábados, o número era
dobrado. Em cada lua nova, imolavam sete cordeiros, duas cabras e um carneiro.
O mesmo número devia ser oferecido durante oito dias, na Páscoa e no
Pentecostes.
Na
festa dos Tabernáculos, o número das vítimas aumentava, eram quatorze
cordeiros, treze cabras, dois carneiros e um bode que se imolavam cada dia
durante todo o oitavário. Além destas oblações obrigatórias, cada um
apresentava ainda, segundo sua piedade, ou suas posses, bois, cabras, ovelhas,
carneiros, pombas, vinho, incenso, pão, sal e óleo.
Citamos
tudo isto para mostrar como eram custosos os sacrifícios impostos aos
patriarcas e aos sacerdotes judeus, bem que não trouxessem a Deus senão uma
exígua honra, e não merecessem senão pequena recompensa, como disse São Paulo
em sua Epístola aos Hebreus. Não obstante, agradavam a Deus, porque eram
símbolos do Sacrifício incruento de Jesus Cristo. Comparai com tudo isto o
nosso holocausto que é pouco custoso, fácil de oferecer, sendo, entretanto, o
sacrifício mais agradável a Deus, o mais precioso para o céu, o mais útil para
o mundo, e o mais consolador para o purgatório.
Se um
homem tivesse imolado todas as vítimas que foram sacrificadas desde o começo do
mundo até Jesus Cristo, sem dúvida, teria rendido uma grande homenagem a Deus.
Mas que seria este culto comparado ao que rendemos à divina Majestade por uma
só Missa?
Eis
como São Tomás de Aquino expõe a essência e o fim do nosso holocausto:
"Confessamos, pelo santo Sacrifício, que Deus é o autor de toda a
criatura, o fim supremo de toda a beatitude, o Senhor absoluto de todas as
coisas, a quem oferecemos, como testemunho de nossa submissão e adoração, um
sacrifício visível, que figura a oferenda invisível, pela qual a alma se dá
inteiramente a Deus como a seu princípio e a seu fim". O holocausto somente
pode ser oferecido a Deus, que o reservou para si: "Eu sou o Senhor, é
este o nome que me é próprio.
Não
darei a outrem a minha glória, nem consentirei que se tribute aos ídolos o
louvor que só a mim pertence" (Is. 42, 8).
Esta
proibição do Senhor de oferecer sacrifícios a outros, diz, claramente, que o
santo Sacrifício da Missa não poderia ser oferecido a nenhuma criatura, nem a
Santa Virgem, nem aos Santos; jamais poderíamos oferecer-lhes a santa Missa.
Eis neste sentido a doutrina do Concílio de Trento: "Embora a Igreja tenha
costume de celebrar a Missa em honra e memória dos Santos, não ensina que lhes
seja oferecido o sacrifício, porém, a Deus, que os coroou" (Sess. 22, c.
3).
Também
o sacerdote não diz: "São Pedro, São Paulo, ofereço-vos este
Sacrifício", mas, agradecendo a Deus de lhes haver concedido a vitória,
implora-lhes o socorro, a fim de que se dignem interceder por nós, no céu,
enquanto lhe celebramos a memória na terra.
Sendo a
vida de Jesus Cristo mais nobre do que a de todos os homens, sua morte foi mais
meritória e preciosa aos olhos de Deus. E, visto que o Salvador renova sua
morte em cada Missa, segue-se que Deus Pai recebe do santo Sacrifício maior
honra e glória do que se todo o gênero humano lhe fosse imolado em holocausto.
Que é a
santa Missa senão uma embaixada à Santíssima Trindade, para oferecer-lhe uma
oferta de valor inestimável, pela qual reconhecemos-lhe a soberania e lhe
testemunhamos nossa inteira submissão?
Esta
oferta quotidiana é Jesus Cristo, o próprio Filho de Deus, o único que conhece
a infinita Majestade do Senhor e a honra que lhe é devida. Ele somente pode,
com efeito, render esta honra e lha rende dignamente, imolando-se sobre o
altar. E Jesus Cristo, a adorável vítima, dá-se-nos tão inteiramente, que nos é
possível oferece-lo ao Deus três vezes santo, como nosso próprio bem.
Pobres
pecadores, prestamos-lhe, deste modo, o culto e a honra que lhe é devida. Sem a
santa Missa, ficaríamos eternamente devedores de Deus.
Caro
leitor, não desejais oferecer cada manhã o mais precioso dos dons a teu Senhor
e Deus? Que desculpa terás, no dia do juízo, de tua negligência?
Capítulo, 12. A SANTA
MISSA É O MAIS SUBLIME SACRIFÍCIO DE LOUVOR
Deus é
inefável. Não há criatura que possa exprimir-lhe a santidade e a glória. É a
mais rigorosa justiça, a mais doce misericórdia, a beleza personificada, em uma
palavra, é o conjunto de todas as perfeições.
Bem que
os Anjos e os Santos o amem de todo o coração, tremem em presença de sua
sublime Majestade e adoram-no prostrados com o mais profundo respeito. Louvam,
exaltam e bendizem-lhe as infinitas perfeições sem jamais poderem saciar-se.
O sol,
a lua, as estrelas imitam-nos. Todas as outras criaturas: os animais, as árvores
das florestas, os metais e as pedras, bendizem ao Senhor, conforme a espécie e
os meios, e contribuem assim para sua maior glória.
Se,
pois, todos os seres devem louvar ao Senhor, quanto mais o homem, que foi
criado para este fim com uma alma racional.
David,
rei e profeta, cumpriu, excelentemente, este dever. Convidou a terra e o céu,
os seres animados e inanimados, para com ele bendizerem ao Senhor, a fim de que
as gerações futuras continuassem a celebrar a glória de seu nome.
Mais
estritamente que o povo judeu, somos obrigados para com Deus, a quem
"predestinou sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo, segundo o
propósito de sua vontade, para louvor e glória da sua graça" (Ef. 1, 5-8).
Em
outros termos, Deus adotou os cristãos para que louvassem e bendizessem a
magnificência de sua graça. Eis o dever sagrado ao qual não nos poderemos
subtrair sem pecado grave. Para cumprir este dever, imperadores, reis,
príncipes piedosos edificaram magníficos templos e fundaram mosteiros, onde os
louvores ao Senhor deviam seguir-se noite e dia, pelo canto das horas
canônicas. É por essa razão que a Igreja obriga seus clérigos, desde que
recebem o subdiaconato, à recitação quotidiana do breviário, obrigação que
estende sobre a maior parte das Ordens religiosas de um e de outro sexo.
Todos
se conformam com isto alegremente e "elevam a glória do Senhor tão alto
quanto podem, e elevam sua grandeza quanto possível, porque ele está acima de
todo louvor".
Para
que, porém, o nosso louvor seja um tributo digno de ser recebido pela imensa
Majestade de Deus, Jesus Cristo, conhecendo a fraqueza humana, instituiu a
santa Missa, o "sacrifício de louvor" por excelência, oferecido ao
Senhor todos os dias e a toda hora.
Recordai,
sob este ponto de vista, as diferentes partes da santa Missa. Que hino
magnífico o "Glória in excelsis; ‘laudamus te’, nós Vos louvarmos;
‘benedicimus te’, nós Vos benzemos; ‘adoramus te’, nós Vos adoramos;
‘gloricamus te’, nós Vos glorificamos!"
Que
cântico ardente o "Sanctus": "Santo, Santo, Santo, é o Senhor
Deus dos exércitos; Vossa glória enche os céus e a terra. Hosana nas alturas,
bendito seja quem vem em nome do Senhor!"
O
profeta Isaías, em um êxtasis, ouviu os coros dos Anjos que cantavam,
alternadamente, este cântico, e o hosana de alegria partia do coração dos
judeus, quando Jesus entrou em Jerusalém, seis dias antes de sua Paixão.
Unindo, na santa Missa, nossas fracas vozes e essas melodias celestes, rendemos
a mais pura glória que possa ser rendida a Deus no céu e na terra.
"A
Santa Igreja, pela Carne e pelo Sangue de Jesus Cristo, oferece um sacrifício
de louvor", diz Santo Agostinho. E São Lourenço Justiniano escreve:
"É certo que Deus não poderia ser mais louvado do que pelo Sacrifício da
Missa, instituído para esse fim pelo Salvador".
Na
Missa, o Filho de Deus oferece-se a seu Pai e rende-lhe toda a honra, toda a
glória que lhe rendia sobre a terra. Desta sorte e assim unicamente, o Pai é
glorificado de maneira digna dele: eis porque Deus recebe, de uma só Missa, mais
honra e glória do que poderiam proporcionar-lhe todos os Anjos e Santos.
Se, em
honra da Santíssima Trindade, o céu inteiro organizasse uma procissão, à frente
da qual marchasse a Mãe de Deus, seguida dos nove coros dos Anjos e do exército
inumerável dos Santos e bem-aventurados, Deus seria certamente muito honrado
por ela.
Mas, se
enviasse a Igreja militante um só de seus sacerdotes para rematar esta augusta
procissão pelo santo Sacrifício da Missa, verdadeiramente, este pobre
sacerdote, pela única Missa que celebrasse, renderia a Deus uma homenagem
infinitamente maior do que a que resultaria de uma tão tocante cerimônia;
homenagem tão elevada acima da primeira, como o Filho de Deus está elevado
sobre todas as criaturas.
"Quando,
um dia, assistia à Missa, conta-nos Santa Brígida, pareceu-me, no momento da
consagração, o sol, a lua, as estrelas, todo o firmamento e suas evoluções
cantarem as mais doces e penetrantes harmonias. Unia-se-lhes uma multidão de
cantores celestes, cujos acentos eram tão melodiosos que nem se pode imaginar.
Os coros angélicos contemplavam o sacerdote e inclinavam-se diante dele com o
mais profundo respeito, enquanto os demônios fugiam, tremendo de espanto.
Logo
que as palavras sacramentais foram pronunciadas sobre o pão, percebi um
cordeirinho em lugar da hóstia; tinha a figura de Jesus; os Anjos o adoravam e
o serviam. Uma infinidade de almas santas louvavam também, com os Anjos, o
Altíssimo e o Cordeiro imaculado" (Lib. 8, c. 56).
Caro
leitor, estás no meio desta assembléia celeste, quando assistes à santa Missa e
ajudas a louvar ao Senhor. Ele repara as blasfêmias, os insultos que os homens
insensatos proferem diariamente. Sem este augusto sacrifício de louvor, o mundo
não subsistiria. A santa Missa retém o braço de Deus; opõe aos ultrajes dos
ímpios as homenagens dignas de sua divina Majestade.
Agradece,
pois, sem cessar, a nosso bom Mestre a instituição da santa Missa e aproveita,
cada vez mais, deste meio eficacíssimo de louvar ao Senhor.
Capítulo, 13. A SANTA
MISSA É O MELHOR SACRIFÍCIO DE AÇÃO DE GRAÇAS
Os
benefícios de Deus para conosco estão acima de todo o número e de todo o
alcance. Criou-nos, concedeu-nos os sentidos e todos os membros do corpo;
deu-nos uma alma feita à sua imagem e semelhança; santificou-a pelo batismo,
escolheu-a para ser-lhe esposa; confiou-a à guarda de um Anjo. Cuida de nós,
noite e dia, perdoa-nos os pecados pelo Sacramento da Penitência, e
sustenta-nos com sua Carne no Sacramento da Eucaristia. Suporta, pacientemente,
nossas ofensas, dá-nos boas inspirações, aguardando nossa conversão.
Instrui-nos pela boca de seus sacerdotes, atende as nossas fracas orações e
preserva-nos de mil perigos.
É nossa
consolação nas penas, nosso escudo nas tentações, a recompensa em qualquer
circunstância. Como se tantas graças não fossem suficientes, acrescentou mais
uma, excelente entre todas: adotou-nos por seus filhos.
"Considerai
que amor o Pai nos testemunhou, fazendo que nos chamássemos filhos de Deus e
que efetivamente o fôssemos", escreve o Apóstolo São João (I Epístola, 3,
1). "Se somos filhos", diz, por sua vez, São Paulo, "somos
também herdeiros de Cristo" (Romanos, 8, 17). Não é excesso de bondade que
pobres mendigos sejam admitidos à adoção e à herança do Rei dos reis?
Depois
deste dom incomparável, sua mão paterna não se fechou; tendo o pecado nos
colocado sob o poder de Satanás, Deus libertou-nos por seu Filho Jesus.
"Deus amou tanto ao mundo que lhe deu seu Filho único" (Jo. III, 16),
não só revestindo-o de nossa natureza, porém entregando-o por nós à morte mais
dolorosa.
Se Deus
não nos tivesse concedido outra coisa além de um olhar favorável, quem poderia
agradecer-lhe bastante? Não é Ele a Majestade infinita, e nós, pobres
criaturas? Como então agradecer a Jesus Cristo sua encarnação, vida, paixão e
morte? Não devemos dizer com o rei David: "Que renderei ao Senhor por
todos os bens de que me tem cumulado?" (Sl. 115) ou com o profeta
Miquéias: "Que posso oferecer ao Altíssimo que seja digno dele?" (5,
6). E eis a resposta inspirada do santo rei: "Oferecerei um sacrifício em
ação de graças e cumprirei meus votos ao Senhor" (Sl. 115).
Este
sacrifício de ação de graças é a santa Missa, e assistí-la com esta intenção é,
por conseguinte, uma maneira perfeita de agradecer a nosso soberano Benfeitor.
"Este santo Sacrifício, diz Santo Irineu, foi instituído a fim de que não
fôssemos ingratos para Deus" (Lib. 4, contra haer. C. 22). Fora deste
Sacrifício, nada acharíamos para oferecer à Santíssima Trindade, na proporção
de seus benefícios.
Também
as palavras do missal indicam, claramente, o caráter de ação de graças da santa
Missa. Além dos versículos já citados do "Glória", se diz no
"Prefácio": "Agradeçamos ao Senhor, nosso Deus. É
verdadeiramente justo e razoável, é proveitoso e salutar agradecer-Vos, sempre
e em todo o lugar, Senhor santo, Pai poderosíssimo, Deus eterno, por Jesus
Cristo, nosso Senhor".
Imediatamente
antes da consagração, o sacerdote diz: "Ele tomou o pão em suas mãos
santas e veneráveis, e, levantando os olhos para o céu, rendeu graças".
Oh!
amável elevação dos olhos de meu Jesus! Oh! poderoso testemunho de gratidão,
substituindo nossos agradecimentos incompletos! O que Jesus fez depois da
última Ceia, renova-o em cada Missa. E nesta ação de graças duma pessoa divina,
sendo infinita, Deus encontra uma satisfação incomparável.
Pesai
agora o valor desta ação de graças. Se, desde a infância até agora, tivésseis
agradecido a Deus os inumeráveis benefícios, teríeis feito menos do que
assistindo apenas a uma Missa em ação de graças. Se tivésseis convidado todas
as almas piedosas a unir os cânticos de agradecimento aos vossos, e, durante
toda a vida, todos juntos, tivésseis unido vossas vozes e vossos corações, o
resultado jamais atingiria ao da celebração da santa Missa.
Dizemos
mais, se o próprio exército celeste tivesse assumido esta tarefa, não se
aproximaria da perfeição do reconhecimento testemunhado a Deus por Jesus Cristo
sobre o altar.
Oh!
Deus, faça-nos compreender o tesouro, oculto na santa Missa. Tal conhecimento
nos tornaria felizes e ávidos de assistirmos ao divino Sacrifício!
"As
graças, diz São Tomás de Aquino, devem ser referidas ao seu autor pela
gratidão, e isto pelo mesmo canal com que no-las transmitiu".
Jesus,
porém, é o caminho pelo qual nos chega todo o bem. Logo, por Jesus Cristo,
imolado sobre o altar, nossas ações de graças devem subir ao céu.
Também
São Paulo, escrevendo aos Coríntios, diz: "Rendo ao meu Deus continuadas
ações de graças, por vós, pela graça que vos foi feita em Jesus Cristo. Porque
nele fostes cumulados de riquezas, de maneira que não ficais inferiores a
ninguém em toda a sorte de graças" (I Cor. 1, 4)
Considerai,
pois, piedoso leitor, quanto és devedor pela instituição da santa Missa, visto
que, sem ela, não terias o meio de agradecer, dignamente, a Deus. Praza a Deus
que possas apreciar bastante nossa felicidade. No santo Sacrifício, Jesus
torna-se nossa propriedade; com ele possuímos-lhe os méritos, de maneira que,
em união com a Vítima divina, podemos oferecê-los ao Rei celeste e apagar a
dívida que nos acabrunha.
Capítulo, 14. A SANTA
MISSA É O SACRIFÍCIO MAIS EFICAZ DE IMPETRAÇÃO
Na lei
de Moisés, Deus não somente prescreveu ao povo de Israel sacrifícios em
testemunho de sua soberania e poder divino, mas também sacrifícios de paz e de
impetração. E estes eram de uma eficácia maravilhosa, porque faziam descer
sobre Israel graças e bênçãos de preservação.
Lê-se,
na Sagrada Escritura (I Reis 7,7), que os israelitas, ameaçados pelos filisteus,
pediram a Samuel que orasse por eles. Samuel imolou um cordeiro, implorou ao
Senhor, e, de repente, um pânico apoderou-se dos inimigos, que fugiram em
desordem.
Mais
tarde, quando Deus castigou seu povo com a peste, o rei David ofereceu igualmente
o sacrifício de paz, e o flagelo desapareceu. Exemplos semelhantes
encontram-se, freqüentemente, no antigo Testamento.
Se Deus
prodigalizou ao povo hebreu um tal meio de apaziguá-los, os cristãos receberam
outro incomparavelmente mais eficaz. Com efeito, que não obterá o Cordeiro
divino, imolado sobre o altar, quando os cordeiros dos judeus aclamaram tão
favoravelmente o Altíssimo! Os sacrifícios da sinagoga só podiam ser oferecidos
em uma intenção e com um rito particular: a santa Igreja, bem que tenha um
sacrifício, pode oferece-lo em diversas intenções e obtém muito mais graças do
que os múltiplos sacrifícios dos judeus.
Assim
posso assistir à santa Missa ou celebrá-la para maior glória de Deus e alegria
de Maria Santíssima, em honra dos Anjos e dos Santos, para minha salvação, para
conservar ou recobrar minha saúde, para ser preservado de males temporais,
obter a remissão de meus pecados, a emenda de minha vida, a graça duma boa
morte. Tudo isto posso pedi-lo para meus parentes e amigos e para todos os
fiéis.
Os
doutores da santa Igreja são unânimes em proclamar o poder da santa Missa como
sacrifício impetratório. "Ela é soberanamente eficaz, diz assim deles, por
causa do preço da Vítima e da dignidade do grande Sacerdote sacrificador. Não
há graças nem dons que, por seu intermédio, não se possam obter. O número de
suplicantes não influi, todos receberão segundo seu pedido, porque, sendo Jesus
Cristo o principal sacrificador, sua oferta é, infinitamente, agradável a Deus
Pai; seus méritos apresentados, neste momento, são inesgotáveis, suas chagas
têm um valor ilimitado".
São
Lourenço Justiniano fala no mesmo sentido: "Nenhum sacrifício é maior,
mais agradável à divina Majestade, que o Sacrifício da Missa, onde as chagas de
nosso divino Salvador, sua flagelação e todos os suplícios e opróbrios que
sofreu por nós, são de novo oferecidos a seu Pai, e este, vendo de novo
imolar-se aquele que enviou ao mundo, concede o perdão aos pecadores, socorro,
aos fracos, a vida eterna, aos justos" (Sermo de Corp. Christi).
Pela
oblação do santo Sacrifício, damos mais do que podemos pedir. Por quê, pois,
temer que nossa prece seja rejeitada? Para obter qualquer coisa finita,
oferecemos uma Vítima de preço infinito. Como o Deus liberalíssimo, que
prometeu uma recompensa por um copo dágua dado em seu nome, deixaria nossas
súplicas sem resposta, quando lhe apresentamos o cálice cheio do Sangue de seu
Filho, deste Sangue que implora graças e misericórdia por nós?
Depois
da última Ceia, nosso bom Mestre disse: "Em verdade, em verdade vos digo,
tudo o que pedirdes a meu Pai, em meu nome, Ele vo-lo dará". Que momento
mais próprio para pedir em nome do Filho senão aquele em que Jesus, morrendo
novamente por nós, é apresentado aos olhos de seu Pai?
São
Boaventura dá uma outra razão da eficácia do santo Sacrifício: "Quando um
soberano está prisioneiro, dá-se-lhe a liberdade somente pelo preço dum forte
resgate. Não deixeis, pois, sair Jesus do altar, onde é nosso cativo, sem que
vos tenha concedido o perdão de vossos pecados e a entrada no céu" (Tom. 4
in Expositione Missae). Quando o sacerdote eleva a sagrada Hóstia, parece dizer
ao povo: "Vede, aquele que o mundo não pode conter, está em nossas mãos:
não o deixemos retirar-se sem ter-nos concedido o que pedimos".
Sim,
repitamos com Jacó, dirigindo-se ao Anjo: "Não vos deixarei ir sem que me
abençoeis".
Pela
rica e agradável oblação da santa Missa, podemos obter de Deus tudo o que é
necessário à nossa salvação.
Por quê
é então que Deus nem sempre atende aos que oferecem a santa Missa? A esta
pergunta de Santa Gertrudes, Nosso Senhor respondeu: "Se nem sempre atendo
a tuas orações e a teus votos, é para preparar-te qualquer coisa mais útil,
porque não és capaz, por causa da fragilidade humana, de conhecer o que te é
mais vantajoso". Outra vez a mesma Santa queixava-se humildemente,
dizendo: "De que servem minhas orações para aqueles em cujo favor as
ofereço? Não vejo frutos".
-
"Não te admires, disse-lhe o divino Salvador, de não veres o efeito de
tuas orações, visto que disponho das graças segundo minha sabedoria
impenetrável; entretanto, podes estar certa de que, quanto mais se rezar por
uma pessoa, mais feliz será, porque nenhuma oração sincera fica sem efeito,
ainda que esse efeito possa conservar-se oculto".
Se,
conforme a palavra de Jesus Cristo, cada oração sincera produz frutos, qual não
será o fruto de uma Missa?
Lê-se
na vida de São Severino, que uma nuvem de gafanhotos caiu nos arredores do
castelo Corul. Os frutos, as árvores, toda a vegetação foi devastada. O povo
dirigiu-se ao abade Severino, implorando-lhe a intercessão junto a Deus para
afastar o flagelo.
Cheio
de compaixão, o santo religioso convidou o povo a entrar na igreja e aí pregou
sobre a penitência e a oração, terminando com as seguintes palavras: "Não
conhecendo oração mais eficaz do que a santa Missa, vou oferecê-la em vossa
intenção; oferecei-a comigo, e ponde nela toda a vossa confiança".
Todos
se apressavam em obedecer, à exceção de um só que dizia: "Vã é a vossa
confiança. Embora ouçais todas as Missas que se celebram no mundo inteiro e
fiqueis o dia todo em oração, não afastareis um só gafanhoto". Dito isto,
dirigiu-se para a sua tenda de trabalho. O povo, porém, piedosamente unido ao
sacerdote celebrante, suplicou a Deus que o livrasse do terrível flagelo.
Terminada
a santa Missa, saíram todos para seus campos e pastos e verificaram, com
surpresa e reconhecimento, que os gafanhotos, apesar de serem tantos que
formavam uma nuvem espessa, se retiraram: a alegria reinava, por isso, em todos
os corações. Também o leviano que, pouco antes, zombava da santa Missa,
associou-se aos outros fiéis, admirado pelo que viu. Grande, porém, foi a sua
surpresa, quando a nuvem de gafanhotos, já bastante longe, de repente, como em
castigo, voltou para o seu campo e só se afastou, depois de haver destruído
completamente a sua colheita.
Este
caso histórico mostra-nos, mais uma vez, a eficácia da oração durante a santa
Missa, e o castigo reservado àqueles que a desprezam.
Tenhamos,
pois, à semelhança daquele povo, grande confiança no santo Sacrifício. O
Apóstolo São Paulo anima-nos a isso, dizendo: "Marchemos cheios de
confiança para o trono de graça, a fim de obtermos misericórdia e merecermos o
socorro oportuno".
Este
trono de graças não é o céu, pois não podemos ir até lá, mas, sim, o altar,
sobre o qual é imolado, todo dia, o Cordeiro, a fim de obter para nós graça e
misericórdia.
Vamos
cada manhã a este trono de graças, procurar os socorros necessários; vamos com
alegria e confiança, porque é o trono da graça e não da vingança, da
misericórdia e não da justiça.
Capítulo, 15. A SANTA
MISSA É O MAIS PODEROSO SACRIFÍCIO DE RECONCILIAÇÃO
Depois
de seus filhos se terem banqueteado, Jó, levantando-se de madrugada, ofereceu
um sacrifício por cada um deles, dizendo: "Talvez meus filhos tivessem
ofendido a Deus no coração" (Jó, 1, 5).
Este
proceder mostra que a razão natural basta para reconhecer a necessidade do
sacrifício expiatório. Já era usado entre os antigos Patriarcas, antes de
tornar-se uma lei no tempo de Moisés. "Se alguém pecou, tome do rebanho
uma ovelhinha ou uma cabra e a ofereça, e o sacerdote reze por ele e pelo seu
pecado. Se não tiver os meios para oferecer uma ovelhinha ou uma cabra, que
ofereça duas rolas ou dois pombinhos: um pelo pecado e outro pelo holocausto. O
sacerdote ore por este homem e por seu pecado, e este ser-lhe-á perdoado"
(Lev. 5, 6).
Possuindo
o Antigo Testamento tal sacrifício, a santa Igreja devia ter o seu; sacrifício
tanto mais elevado, acima do primeiro, quanto o cristianismo é superior ao
judaísmo. Este sacrifício expiatório é, evidentemente, o sacrifício
sanguinolento da Cruz, pelo qual o mundo foi reconciliado com a Justiça divina.
Diz,
pois, com muita razão, um grande mestre da vida espiritual, Marchant:
"Como Nosso Senhor Jesus Cristo, sofrendo, tomou sobre si os pecados do
mundo para lavá-los com o seu Sangue, assim colocamos, no altar, sobre ele, as
nossas faltas como sobre uma vítima conduzida à imolação, para que as expie em
nosso lugar" (Candel. myst. Tract. 4. 15, prop. d). É por isso que o
sacerdote se inclina profundamente, ao pé do altar, pois representa a vítima
carregada de nossas iniqüidades que se apresenta, humildemente, perante o
Senhor, para obter o perdão para todos.
Prostrado
assim, lembra ainda Jesus Cristo no jardim das oliveiras, onde o peso de nossos
crimes o prostrou, banhado em suor de sangue, e lhe arrancou o mais comovente
clamor de perdão. Como ele, em seu lugar, o sacerdote intercede pelos pecados
do mundo inteiro.
Belas e
consoladoras palavras para o coração arrependido, e muito próprias para nos
estimular o zelo em assistir à santa Missa, onde se opera o benefício de nossa
reconciliação!
Na
liturgia de São Tiago, lê-se: "Nós vos oferecemos, Senhor, este Sacrifício
incruento pelos pecados que cometemos por ignorância". É certo que
cometemos muitas faltas, das quais não nos apercebemos, que não confessamos, de
que, porém, havemos de dar contas a Deus. O rei David pensava nestas faltas
ignoradas, quando exclamou: "Senhor, não vos lembreis dos pecados de minha
juventude e de minhas ignorâncias" (Sl. 24) e "Quem conhece seus
desvios? perdoai-me os que ignoro" (Sl. 18).
Por
conseguinte, se não quisermos comparecer diante de Deus cobertos destes pecados
de ignorância e malícia, como de uma veste abominável, aproveitemo-nos da santa
Missa que serve de expiação por nossos pecados que não conhecemos, apesar de um
sincero exame de consciência.
"Pela
oblação do santo Sacrifício, diz o santo Papa Alexandre I, o Senhor
reconcilia-se conosco e perdoa a multidão de nossos pecados".
Deveríamos
muito alongar-nos, se quiséssemos lembrar todos os textos dos santos Padres
sobre este assunto. Citaremos somente a doutrina da Santa Igreja, declarada no
Concílio de Trento: "O Sacrifício da Missa é, verdadeiramente, o
sacrifício propiciatório, por meio do qual, se nos apresentarmos a Deus com
coração reto e fé sincera, com temor e respeito, com contrição e
arrependimento, obteremos misericórdia e receberemos os socorros de que temos
necessidade" (Sess. 22, c. 2).
Perguntará,
talvez, o piedoso leitor: Para que um sacrifício de reconciliação, visto que
podemos reconciliar-nos com Deus por sincera contrição? Certamente, a contrição
"perfeita" nos põe em graça, porém, onde o pecador achará esta
contrição? Sentí-la por si mesmo, lhe é tão impossível quanto ao morto
ressuscitar por própria vontade. Com efeito, se cada um pudesse, pelas próprias
forças, provocar, em si sentimentos de penitência e arrependimento, o inferno
não estaria tão povoado, porque cada um aplicar-se-ia a isto, na hora da morte,
e morreria no estado de graça.
E, se
alguma vez acontecer que se achem pecadores comovidos e penetrados de compunção,
durante um sermão ou uma leitura piedosa, ficai certos que tal efeito é de uma
graça particular da parte de Deus, e que não a concede, ordinariamente, sem ser
pelo menos solicitado. Ora, para abrir o tesouro das graças divinas, não há
chave mais segura do que o santo Sacrifício do Altar.
A
justiça severa do Pai celestial muda-se em amor, em compaixão, em misericórdia.
De que ternura para os pobres pecadores não se sente comovido, durante sua
imolação, Nosso Senhor Jesus Cristo, a divina Vítima! Suas palavras a Santa
Gertrudes, meditadas atentamente, serão para nós de grande consolação.
Foi,
numa quinta-feira santa, no momento em que se cantavam, no coro, as palavras:
"Foi oferecido porque quis", que Nosso Senhor disse à Santa: "Se
acreditas que ofereci a Deus, meu Pai, somente porque quis me oferecer, crê
também que desejo agora oferecer-me por cada pecador a Deus, meu Pai, tão
prontamente como me ofereci então pela salvação de todos os homens em geral.
Assim não há ninguém, por carregado de pecados que esteja, que não possa
esperar o perdão, oferecendo a minha Paixão e Morte, contanto que acredite
poder, efetivamente, obter o fruto e o dom da graça.
Deve
persuadir-se de que a memória de meus sofrimentos unida a uma fé viva e
verdadeira penitência é o mais poderoso remédio contra o pecado" (Livro 4,
c. 25).
Em
outra ocasião, disse o divino Mestre: "Minha filha, venho à Missa com tal
mansidão que não há, entre os assistentes, pecador tão pervertido que não
suporte, perdoando-lhe com alegria, se o desejar" (Lib. Revel. c. 18).
Oh!,
admirável Sacrifício do altar, quão grande é tua força! Quantos pecadores não
convertestes da morte eterna! Que gratidão não devemos a Jesus Cristo, que nos
torna tão fácil a reconciliação com Deus! Que loucura, pois, a de não
aproveitar este grande Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo!
"O
homem, diz ele, perdoa a injúria que recebeu, se o ofensor lhe oferece um
presente equivalente ou lhe presta um relevante serviço. Da mesma forma, Deus
nos perdoa pela honra que lhe rendemos, assistindo, piedosamente, à santa
Missa, e pelo dom sublime que lhe fazemos da oblação do Corpo e Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo".
Se, na
santa Missa, oferecermos a Deus tão justamente irritado contra nós, as
virtudes, os méritos, a Paixão e a Morte de seu dileto Filho, mudamos-lhe os
sentimentos a nosso respeito, mais depressa do que Jacó mudou o coração de
Esaú, visto que os nossos dons são mais preciosos aos olhos de nosso Deus.
"Toda a cólera e indignação de Deus, diz Alberto Magno, dissipa-se diante
desta oferta".
Convém
fazer aqui uma pergunta: Pela virtude da santa Missa um pecador
"impenitente" será reconciliado com Deus? Em outros termos, uma
pessoa em estado de pecado mortal que assistir à santa Missa, que a fizer
celebrar, ou pela qual alguém a mandasse celebrar, recobraria a graça por este
simples fato? Não, porque a graça somente se recupera por uma sincera
contrição.
Então,
perguntará alguém, que fruto tira o pecador do Sacrifício? É-lhe muito útil, respondemos,
tanto para o temporal como para o espiritual. Preserva-o de muitas desgraças e
atrai-lhe bênçãos, porque Deus nunca "deixa o menor bem sem recompensa.
Certamente a recompensa da santa Missa é, antes de tudo, espiritual, porém, não
sendo o pecador susceptível desta graça superior, Deus, na infinita bondade,
concedeu-lhe, em primeiro lugar, o bem inferior dos favores temporais. Não
obstante, na ordem espiritual, a vantagem fica ainda mais preciosa.
Ensinam
os Santos que a Santa Missa atrai, sobre a alma, a graça necessária, para
reconhecer e detestar os pecados mortais, dispondo-a para o arrependimento e a
confissão. Esta graça não opera, em todos, com a mesma eficácia. Este
converter-se-á logo, aquele não voltará senão lentamente, conforme a docilidade
do coração, para deixar agir as influências divinas".
A fim
de tornar ainda mais clara esta doutrina, dizemos: Na Missa, Nosso Senhor
derrama uma bálsamo salutar sobre o coração ulcerado do pecador. Este bálsamo
Jesus o compôs, sobre a Cruz, de seus sofrimentos, de suas lágrimas, de seu
Sangue. Se o pecador deixar agir este remédio precioso, a cura é certa; se em
sua malícia infernal, arrancá-lo da chaga, a morte eterna também é certa. A
malícia humana não tira ao santo Sacrifício o caráter de reconciliação, tem,
porém, o terrível poder de recusar esta reconciliação que Deus lhe oferece.
Entre
os pecadores que se achavam ao pé da Cruz, alguns somente se converteram
batendo no peito e dizendo: "Na verdade, este era Filho de Deus" (Mt.
27, 54). Os outros, obstinados na malícia, repeliram o raio de luz e
misericórdia que brotava do Coração traspassado de Jesus. Entretanto, no dia de
Pentecostes, a palavra de São Pedro achou o terreno preparado, e três mil
pessoas tornaram-se, pelo seu convite, discípulos do divino Mestre.
Diz
ainda Marchant: "A santa Missa excita-nos ao arrependimento ou faz-lhe
nascer o desejo. Isto acontece, às vezes, durante a celebração do santo
Sacrifício, outras vezes, mais tarde. Muitos pecadores converteram-se por graça
especial, sem pensar que a devem à virtude da santa Missa, outros permaneciam
impenitentes, porque rejeitam a graça ou abusam dela" (Candel. myst.
tract. lect. 15, prop. 4).
A alma,
porém, que suspira por ver-se livre de seus pecados, obterá, pela santa Missa,
a graça de reconciliar-se com Deus por uma sincera contrição e confissão,
porque a santa Igreja ensina: "Se assistirmos à santa Missa com
sentimentos ou desejos de contrição, Deus reconcilia-se conosco, concede-nos a
graça da penitência e perdoa-nos os crimes, por abomináveis que sejam"
(Concílio de Trento, Sess. 22).
Que
palavras consoladoras para todos os pecadores e almas desanimadas! Digam, pois,
todos, na santa Missa, a Deus: "Senhor, por este augusto Sacrifício,
deixai-Vos aplacar e atraí, para Vós, a minha vontade rebelde". Deus
escutará esta oração, e, pelo amor de seu Filho imolado sobre o altar, inundará
vossa pobre alma com uma chuva de graças.
Objetar-nos-á
alguém com a Sagrada Escritura: "A própria oração de quem não cumpre a lei
será execrável aos ouvidos de Deus" (Prov. 21, 14). A isto responde São
Tomás de Aquino: "Ainda que a Sagrada Escritura nos diga, em várias
passagens, que a oração de uma alma, em estado de pecado mortal, não agrada ao
Senhor, Deus não rejeita a que sai de um coração sincero".
Supondo
mesmo que Deus despreza a oração do pecador, quando este lhe oferece o
Sacrifício da Missa, não pode deixar de aceitá-lo com prazer. Repara bem: não
dizemos que a oração do pecador, durante a santa Missa, é agradável a Deus,
mas, sim, o próprio Sacrifício da Missa que o pecador oferece à divina
Majestade. Se te achasses em extrema necessidade, e se um inimigo te mandasse
dez mil reais por intermédio de seu servo, sem dúvida alguma, aceitarias este
presente, dizendo contigo: Apesar de vir de meu pior inimigo, muito me servirá.
- Da
mesma maneira Deus, em presença do Corpo e do Sangue de seu Filho, oferecido
por um pecador, estremecerá de emoção e dirá: Ainda que este presente me venha
de um inimigo de quem tenho horror, não posso deixar de estimá-lo e aceitá-lo.
E, como o pecador, por esta oferta, me dá grande honra, quero recompensá-lo com
a oferta de minha graça; se aceitá-la, esquecerei todas as suas injúrias e
dar-lhe-ei minha amizade.
Coragem,
pois, oh pecador desanimado! tua salvação não é impossível; vê Jesus quebrar as
cadeias de teus maus costumes enquanto assistes ao santo Sacrifício; segue-lhe
as divinas inspirações e tua alma tornar-se-á mais branca do que a neve.
Talvez
pergunte o benévolo leitor: Se uma pessoa piedosa assiste à Missa e a oferece
em louvor de um pecador, que fruto lucra este?
Santa
Gertrudes no-lo ensina. Um dia ela pediu a Deus, durante a santa Missa, que
comovesse os pecadores com sua divina graça, para que se convertessem mais
cedo, mas não ousou rezar pelos que morrem na impenitência. Nosso Senhor,
porém, repreendeu-a, dizendo: "A dignidade e a presença de meu Corpo
Imaculado e de meu Sangue precioso não merecem conduzir à vida melhor aqueles
que estão no caminho da perdição?". Animada por estas palavras, a Santa
pediu logo: "Suplico a Vossa divina Majestade, disse, conceder o estado de
graça também às pessoas que vivem em pecado e estão em perigo de perecer".
A estas
palavras Nosso Senhor, cheio de bondade, respondeu: "A confiança pode
facilmente obter tudo" e, em seguida, assegurou-lhe ter tirado diversas
almas do caminho da perdição (Lib. III, c. 9).
Pais
cristãos, não esmoreçais jamais, se vossas exortações, vossos bons exemplos
ficam, aparentemente, sem resultado para as almas que vos são confiadas;
recorrei à santa Missa e oferecei-a pelos que vos são caros, e a hora do
triunfo virá, tanto mais depressa quanto mais completa for a vossa confiança.
Outro
bem inestimável que recolhemos do santo Sacrifício da Missa é a expiação dos
pecados veniais, que ofendem a Deus muito mais do que se pensa.
São
Basílio torna saliente a malícia deste pecado em uma parábola: "Que se
diria, pergunta ele, de um filho que racionasse assim: Acautelar-me-ei para não
trair meu pai ou cometer contra ele um atentado qualquer que o obrigue a
deserdar-me; fora disso farei como me agradar, quer meu procedimento lhe agrade
quer não!"
Eis a
nossa atitude para Deus, quando cometemos o pecado venial de caso pensado. É
como se disséssemos: Sei perfeitamente, que dependo, inteiramente, de Deus, que
tudo lhe devo, que me cumula de benefícios todos os dias; também não quero
ofende-lo gravemente, porém, enquanto se trata de pequenas imperfeições, deve
suportá-las.
Minha
vaidade lhe desagrada, entretanto não estou disposto a renunciá-la; meus
movimentos de cólera lhe são desagradáveis, não quero, porém, aplicar-me a
domá-los; contrário à sua vontade, sei muito bem, é perder horas inteiras na
ociosidade, falar a torto e a direito, rezar com indolência, apegar tão
estreitamente meu coração às coisas mundanas, perder as ocasiões de fazer o
bem, contudo não tenho vontade de combater estes defeitos.
Oh
Deus, que terrível seria o nosso julgamento, se não tivéssemos para apaziguar
Vossa indignação, em face de um tal procedimento, um sacrifício de
reconciliação, "a fim de que, por sua virtude, nos obtenha a remissão das
faltas quotidianas" (Concílio de Trento, sess. 22. c. 1). Estas faltas
quotidianas são, evidentemente, os pecados veniais.
Diz um
escritor, eclesiástico muito explícito a respeito deste assunto: "O santo
Sacrifício se renova cada dia, porque pecamos cada dia e cometemos faltas
inerentes à fraqueza humana". Nosso Senhor, é verdade, deu-nos outros
meios para reparar essas faltas diárias, como a oração, o jejum, a esmola;
nenhuma, entretanto, é tão eficaz como a santa Missa.
Teologicamente
falando, também o pecado venial não obtém perdão sem a contrição. Mas é certo
que, assistindo à santa Missa, para obtermos a expiação de nossos pecados, aí
trazemos, pelo menos implicitamente, a contrição e o desejo de sermos
purificados. Segundo o padre Gobat, os que assistem à santa Missa obtêm o
perdão dos pecados veniais, mesmo quando a contrição é imperfeita.
Soares
é da mesma opinião: "Jesus Cristo instituiu, escreve ele, o santo
Sacrifício da Missa e lhe apropriou os méritos de sua morte, para que, em
virtude de seus merecimentos, os pecados quotidianos nos sejam perdoados"
(Tom. 3 dist. 79, sect. 5).
São
João Damasco escreve: "O Sacrifício imaculado da Missa é a reparação de
todo o dano, e a purificação de todas as manchas" (Lib. 4 c. 14). Isto
Nosso Senhor o prometera pelo profeta Ezequiel: "Derramarei sobre vós água
pura e sereis purificados de todas as vossas culpas" (Ez. 36, 25). Esta
água purificadora brotou do Sagrado Coração de Jesus, donde jorra, sob o golpe
da lança do soldado, segundo estas palavras proféticas: "Neste dia haverá
uma fonte aberta na cada de David, para lavar as manchas do pecador" (Ez.
12, 7).
Desta
fonte sagrada, irrompe, na santa Missa em borbotões, o precioso Sangue, a água
simbólica, da qual todos podem aproximar-se e purificar-se. Sua abundância é
inesgotável. Nunca a sua entrada está vedada.
Oh,
quantos pecadores já vieram e beberam, com alegria, das águas da salvação! A
todos convida São João, dizendo: "O que tem sede venha; e o que quiser
receba, gratuitamente, a água da vida" (Ap. 22, 17).
Poderias
ficar afastado de uma fonte tão maravilhosa, cujo movimento salutar se faz
sentir em cada Missa? De hora em diante, não te apressarás em chegar ao pé do
altar, animado dum ardente desejo de reaver, para tua alma, as vestes
brilhantes da pureza batismal?
Capítulo, 16. A SANTA
MISSA É O MAIS DIGNO SACRIFÍCIO DE SATISFAÇÃO
Bem que
o sacrifício de satisfação esteja compreendido no sacrifício de conciliação,
existe, entretanto, uma notável diferença entre os dois: o sacrifício de reconciliação
torna Deus favorável ao pecador, ao passo que, pelo sacrifício de satisfação,
resgatamos as penas temporais. Parece, pois, conveniente tratar de cada um em
capítulo particular.
O
pecado produz um duplo mal: o da "culpa" e o da "pena". A
"culpa" faz-nos perder o favor de Deus e é perdoada pelo sacramento
da Penitência. A "pena" poderia ser também remida, inteiramente, pela
Confissão, mas, em geral, por causa da imperfeição com a qual se recebe este
Sacramento e, talvez, devido a certas circunstâncias produzidas por nossos
pecados, é somente remida em parte.
Ora,
tudo o que fica da pena devida ao pecado, podemos expiar, neste mundo, pela
oração, por vigílias, jejuns, esmolas, peregrinações, recepção freqüente dos
santos Sacramentos, e sobretudo, ganhando indulgências. Se morremos sem ter,
completamente, satisfeito nossa dívida, iremos expiá-la no purgatório.
As
penitências da vida presente custam muito à pobre natureza, e a lembrança do
purgatório nos aterra com razão. Não haverá pois, um meio de satisfazer,
inteiramente, neste mundo, e não podemos evitar o purgatório, ou pelo menos,
abreviar-lhe a duração e diminuir a intensidade de suas chamas?
Sim,
existe um meio, - e esse meio de pagar toda a dívida é fácil: oferecendo o
santo Sacrifício da Missa, o divino Criador ficará satisfeito. Lembra-te,
porém, quando assistes ao santo Sacrifício da Missa, que é tua propriedade,
conforme a vontade de Deus. É o que afirma o sacerdote em cada santa Missa,
quando, voltando-se para os assistentes, lhes diz: "Orai, meus irmãos,
para que o meu e o vosso sacrifício seja agradável a Deus, o Pai
onipotente".
Compenetrado,
pois, do valor do tesouro que se acha em teu poder, dize ao teu Criador:
"Quanto vos devo, Senhor? cem? mil? dez mil talentos? Reconheço minha
grande dívida e estou pronto a satisfazê-la, não por mim, mas pelos ricos
méritos de vosso divino Filho, presente aqui sobre o altar. Ofereço-vos este
tesouro, tirai daí quanto for preciso para satisfazer minha dívida".
Que
todos se apliquem a fazer valer este tesouro, e os pobres pecadores se
apressem, logo que caírem, a assistir à santa Missa, a oferecer este santo
Sacrifício em expiação de sua falta! Deus lhes ajudará a fazer uma boa
Confissão, apagando-lhes as penas temporais e preservando-os das reincidências.
A
compreensão e meditação das verdades que acabamos de expor, despertará, sem
dúvida, em teu espírito, legítima curiosidade de saber em que medida as penas
temporais nos são perdoadas pela piedosa audição da santa Missa.
Não
podemos responder melhor a esta pergunta do que lembrando, novamente, o
infinito valor do Sacrifício de nossos altares. Escuta o que diz o Padre
Lancício: "O valor do santo Sacrifício da Missa é infinito pela própria
virtude. Apesar de ser agora oferecido pelas mãos dos sacerdotes, o preço lhe é
tão elevado como quando, a última ceia, Jesus Cristo em pessoa o oferecia a seu
Pai, visto que ele fica sendo Sacrificador e Vítima. Este primeiro Sacrifício,
como todas as obras que Jesus Cristo praticou sobre a terra, eram de um valor
infinito em virtude da dignidade de sua divina Pessoa.
Segue-se
daí que o santo Sacrifício da Missa é ainda e será sempre de um valor
infinito" (Lib. II de Missa, n. 294).
O Padre
Lancício demonstra, em seguida, como, apesar desse valor infinito da santa
Missa, seu mérito não se aplica aos fiéis de maneira infinita. Não fosse assim,
uma única Missa seria suficiente para obter-nos a remissão de tudo quanto
devemos à eterna justiça e toda penitência tornar-se-ia desnecessária. Concorda
isto com o ensino da santa Igreja afirmando que, pela virtude do santo
Sacrifício, muitas das penas podem ser remidas e até todas, se nossa devoção for
muito grande.
Entretanto,
não se deve interpretar falsamente estas explicações e dizer: Visto que a santa
Missa é de valor infinito e constitui o meio mais fácil de ficar quite com a
divina Justiça, ouvi-la-ei da melhor forma possível, dispensando-me de fazer
penitência: isto seria querer enganar-se a si próprio, visto que as penas
temporais não são remidas senão quando nos tornamos dignos da remissão, por um
coração contrito e humilhado; ora, a contrição, o arrependimento sincero do
pecado levar-te-á sempre às diversas práticas da penitência.
A santa
Missa não torna, pois, inúteis as outras boas obras, antes nos obriga a
fazê-las, para nos tornar mais dignos de obter, pelo santo Sacrifício do Altar,
a remissão de uma grande parte de nossas penas. Por isso, diz o venerável Luis
de Argentina: "As obras de penitência não são supérfluas. Pelo contrário,
são muito necessárias, pois contribuem para a correção dos defeitos e a emenda
da vida". Sim, as penitências afastam-nos do pecado, pondo um freio às nossas
paixões, tornam-nos mais prudentes e mais vigilantes, fazem desaparecer os maus
costumes pelos atos das virtudes contrárias.
Aqui te
ouvimos perguntar: "Qual é, pois, a eficácia da santa Missa pelo alívio
das almas do purgatório?". Caro leitor, Deus não julgou necessário
revelá-lo à sua Igreja, como também não revelou a extensão da pena aplicada a
este ou aquele pecado. Mas, quando consideramos que nada de impuro entra no céu
e que o purgatório é um cárcere donde ninguém sai sem ter pago até o último
ceitil, e se, de outro lado, rememoramos o caráter e a duração das penas
impostas outrora pela santa Igreja, devemos concluir que a demora das almas no
purgatório é prolongada.
A
incerteza neste ponto estabeleceu o uso dos aniversários, cerimônias que podem
ser mantidas durante séculos. O que sabemos infalivelmente é que podemos
socorrer às almas do purgatório pela oração e, sobretudo, pelo santo Sacrifício
da Missa. Logo, se amamos estas almas, - e quem não as amaria? - façamos
celebrar por elas a santa Missa, ou assistamo-la em sua intenção.
Os
teólogos acreditam, comumente, que as almas do purgatório tiram tanto mais
fruto do santo Sacrifício quanto maior lhe foi o zelo em assistí-lo sobre a
terra. Sê, pois, esperto, caro leitor, e diminui à tua alma, quanto for
possível, a duração das chamas do purgatório. Supõe que, tendo cometido um
grande crime, te condenassem a ficar estendido meia hora sobre uma grelha em
brasa, ou a ouvir uma santa Missa. Sem dúvida, precipitar-te-ias para a igreja,
para aí ouvir não uma, mas diversas missas, a fim de não incorreres no suplício
do fogo.
Ora,
não é provável que, na tua morte, tua alma vá diretamente para as alegrias do
céu; é quase certo que, antes de chegar ao gozo eterno, deverás purificar-te
pelas penas do purgatório. Que leviandade, pois, descuidares-te da santa Missa
que diminui, suaviza e apaga, tão eficazmente, as chamas do purgatório.
Se
insistires ainda para saber qual a eficácia de uma Missa que fazes celebrar por
tua alma, responderemos: Quem faz celebrar o santo Sacrifício obtém,
naturalmente, mais graça para expiação de suas penas temporais do que o que se
limita a assistí-lo, porque os frutos do santo Sacrifício lhe pertencem, em
grande parte, por direito, quer da parte de Deus, quer da parte do sacerdote. A
soma exata, porém, que se lhe concede, Deus não a revelou.
Quem,
não contente de mandar celebrar a santa Missa, também a vai assistir, receberá
lucro aumentado, porque, ainda que obtenha ausente, a parte de graças que o
sacerdote lhe aplica, ficará privado da vantagem que lhe seria atribuída se a
assistisse.
Segue-se
uma conseqüência geralmente ignorada. Quando mandares celebrar uma Missa, seja
para honrar um Santo, seja para obter uma graça, sem determinar a quem as
graças "satisfatórias" deverão ser aplicadas, estas voltarão ao
tesouro da Igreja, salvo se Deus, por compaixão pela ignorância, muitas vezes
involuntária, dispõe delas em teu favor.
Seja,
portanto, bem determinada tua intenção, e dize a Nosso Senhor: Desejo mandar
celebrar esta Missa em honra de tal Santo… para obter a graça … e vos peço que
apliqueis as graças satisfatórias do santo Sacrifício a mim ou a tal alma…
Desta maneira teu proveito será duplo, pois honras o Santo de tua devoção e
favoreces a própria alma, pagando as dívidas das penas temporais, como também
qualquer outra, em cujo favor aplicares a virtude satisfatória da santa Missa.
Estas
considerações são muito próprias para inflamar nosso amor pela santa Missa:
sendo possível, ouçamo-la todos os dias. Tenhamos, nos domingos e dias santos,
a devoção de, além da Missa de obrigação, assistir ainda a outras.
Deus
não esquece nenhuma das nossas faltas, portanto hás de escolher: "aut
poenitendum aut ardendum - ou expiar ou queimar". Não será melhor
satisfazer aqui, do que cair, carregado de dívidas, nas mãos da divina Justiça?
Se, pois, as mortificações das almas heróicas te espantam, procura supri-las
pelo meio agradável e fácil da piedosa assistência à Santa Missa.
Capítulo, 17. A SANTA
MISSA É A OBRA MAIS EXCELENTE DO ESPÍRITO SANTO
Quase
em cada página deste livro, entrevimos alguma relação da santa Missa com Deus
Pai e Deus Filho. Estudemos agora a parte que toma a terceira Pessoa divina no
santo Sacrifício.
Os dons
e graças, com que o Espírito Santo cumula a Igreja e a alma cristã, são
inumeráveis: não há língua que possa especificá-los. O Espírito Santo é amor e
misericórdia: aplica-se, continuadamente, em acalmar a Justiça divina e em
preservar os pecadores da condenação eterna. É quem começou e há de acabar a
obra de nossa santificação. Começou-a, quando, por sua operação, o Verbo divino
se fez carne no seio imaculado de Maria Santíssima, que a alma de Jesus Cristo
uniu a seu corpo, a divindade à humanidade.
Terminou-a,
comunicando-se, no dia de Pentecostes, aos apóstolos e discípulos, e pela
conversão das almas que ficaram insensíveis ao espetáculo de Cristo moribundo.
Hoje, este mesmo Espírito habita no coração dos verdadeiros fiéis. Não
abandona, inteiramente, aqueles que o ofendem, mas fica-lhes à porta do coração
e esforça-se para reconquistá-los.
Esta
operação à redenção, quem não chamará uma obra grande e magnífica? Não obstante
mantemos o título do presente capítulo e dizemos: a santa Missa é a obra mais
excelente do Espírito Santo.
Todos
os teólogos consideram o mistério da Encarnação, isto é, a união da divindade
com a humanidade em uma pessoa, como a maior das maravilhas. Esta maravilha,
como todas as obras exteriores de Deus, é comum às três Pessoas divinas. A
santa Igreja, porém, e o ensino dos santos Padres, atribuem-na, com especialidade,
ao divino Espírito Santo, a quem se deve atribuir, com maioria de razão, a obra
prima do amor.
Apesar
disso, o milagre que se efetua sobre o altar ultrapassa o primeiro, porque o
Homem-Deus aí se aniquila até ocultar-se na menor partícula da Hóstia sagrada.
Ora, na liturgia de São Tiago, lê-se, expressamente, antes da fórmula da
consagração: "Mandai, Senhor, sobre estes dons, o Verificador, o Divino, o
Eterno, que, um convosco, Deus Pai, e com o vosso Filho único, reina, a fim de
que, por sua santa, salutar e gloriosa presença, este pão seja santificado e
transubstanciado no Corpo, e este vinho, no Sangue precioso do vosso
Cristo".
Oração
semelhante encontra-se na liturgia de São João Crisóstomo: "Abençoai,
Senhor, este pão, mudai-o no Corpo adorável do vosso Cristo. Abençoai o santo
cálice e transformai, pelo Espírito Santo, o que contém, no precioso Sangue de
Cristo".
Nos
primeiros missais, a transubstanciação é sempre atribuída ao Espírito Santo,
que se invoca, que se chama para efetuar esta obra, como efetuou a obra da
Encarnação, segundo a palavra do Anjo Gabriel dirigida a Maria Santíssima:
"O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá de
sua sombra" (Lc. 1, 35). O sacerdote indica esta participação da terceira Pessoa
divina, quando, erguendo os braços, suplica-lhe que desça do céu, dizendo:
"Vinde, Santificador onipotente, Deus eterno, e abençoai este sacrifício
preparado em honra de vosso santo nome" (Missal Romano: Ofertório).
Santo
Ambrósio ora da mesma maneira antes da Missa: "Fazei, Senhor, que a
invisível Majestade de vosso Santo Espírito desça sobre ele, como desceu,
outrora, sobre as vítimas dos nossos antepassados". Esta descida do
Espírito Santo é claramente descrita por Santa Hildegardes: "Enquanto o
sacerdote, diz ela, ornado de vestes sacerdotais, caminhava para o altar, vi
descer do céu uma claridade deslumbrante que cercou o altar, durante a
celebração da Missa. Ao "Sanctus" uma chama muito forte caiu sobre o
pão e o vinho, penetrando-os como os raios do sol penetram o vidro.
Entretanto,
elevou as duas espécies ao céu para trazê-las em breve; não houve mais então
senão a Carne e o Sangue de Jesus Cristo, se bem que permanecessem,
aparentemente, o pão e o vinho. Enquanto considerava as santas espécies, vi
passar, diante de meus olhos, tais quais se cumpriram na terra, a Encarnação, o
Nascimento, a Paixão e Morte do Filho de Deus.
O
antigo Testamento possuía duas belas figuras deste mistério; uma, o sacrifício
de Arão: "A glória do Senhor, diz a Sagrada Escritura, apareceu a toda a
assembléia do povo e um fogo que saiu, devorou o holocausto e as gorduras que
estavam sobre o altar, e o povo, vendo-o, louvou ao Senhor, prostrando-se com o
rosto em terra" (Lev. 1, 23).
A outra
se realizou na consagração do templo: "Salomão, ao acabar a prece, viu o
fogo descer do céu e consumir os holocaustos e as vítimas, e a Majestade de
Deus encheu toda a casa. Os filhos de Israel, vendo descer o fogo e a glória do
Senhor, sobre esse Templo, prostravam-se, a face em terra, adorando e louvando
o Altíssimo, e diziam: "Quanto é bom o Senhor! sua misericórdia é
eterna" (II Paralip. 7, 1 e 3).
Compreendes
bem, agora, a infinita bondade do Espírito Santo? Não é uma prece que dirige
por nós a Deus Padre, são gemidos inenarráveis. Confia, pois, em um amigo tão
fiel, retribuindo-lhe, e visto que ora por ti, sobretudo na santa Missa,
assiste-a, algumas vezes, também em sua honra e em ação de graças por seus
benefícios.
Capítulo, 18. A SANTA
MISSA É A MAIS DOCE ALEGRIA DA MÃE DE DEUS E DOS SANTOS
Nosso
Senhor disse, uma vez, ao Bem-aventurado Alano: "Da mesma maneira que a
divina Sabedoria escolheu uma virgem, entre todas, para ser a Mãe do Salvador,
assim instituiu o sacerdócio para distribuir ao mundo, em todo o tempo, os
tesouros da redenção pelo santo Sacrifício da Missa e pelos santos Sacramentos.
Eis a maior alegria da minha Mãe, as delícias dos Bem-aventurados, o socorro
mais seguro dos vivos e a melhor consolação das almas do purgatório".
A Mãe
de Deus e todos os Santos gozam duma felicidade dupla: da bem-aventurança
essencial e da bem-aventurança acidental. A primeira consiste na vida e na
posse de Deus, conforme o grau de glória, em que foram confirmados, no momento
de sua entrada no céu. Esta bem-aventurança essencial não pode aumentar nem
diminuir. A bem-aventurança acidental consiste nas horas particulares que Deus,
os outros Santos ou os homens rendem aos felizes habitantes do céu.
Podemos
acreditar, por exemplo, que, quando lhes celebramos a festa aqui na terra, eles
recebam, no céu, honras particulares e todas as nossas orações e boas obras
feitas em sua honra lhes sejam apresentadas por nossos Anjos, como um ramalhete
de perfume delicioso.
O
Evangelho indica esta crença claramente, por estas palavras de Nosso Senhor:
"Assim vos digo que haverá júbilo entre os Anjos de Deus por um pecador
que faz penitência" (Lc. 15, 10). Esta alegria renova-se pelo bom Pastor,
pelos Anjos e pelos Santos a cada volta de uma ovelha desgarrada, porém, cessa
logo que o pecador deixa de novo o aprisco por uma recaída no pecado.
Este
curto esclarecimento fará compreender em que sentido a santa Missa é a maior
alegria de Maria Santíssima.: é a maior alegria acidental e ultrapassa todas as
outras felicidades desta ordem.
Se, em honra
da Rainha do Céu, recitasse o terço, o ofício, as ladainhas, ou entoasse
cânticos, enquanto um outro assistisse, piedosamente, à santa Missa, este
cumpriria um ato de religião muito superior e causaria um prazer, infinitamente
maior, à Santíssima Virgem.
O que
torna ainda a santa Missa muito cara à Mãe de Deus, é o zelo que tem pela
glória de Deus, que a divina Majestade faz consistir, sobretudo, na salvação
das almas. Pelo santo Sacrifício do Altar, prestamos à augusta Trindade a única
homenagem digna dela e lhe oferecemos, ao mesmo tempo, o preço da redenção do
gênero humano. Ainda uma vez, que prazer agradável, suave, perfeito para Maria
Santíssima ver-nos cercar o altar, onde seu amado Filho é adorado, onde
choramos os pecados, onde contemplamos a dolorosa Paixão e onde o precioso
Sangue é derramado sobre nossas almas!
Daí
ainda expor a vantagem da santa Missa para os outros Santos.
Devemos
homenagem aos Santos. São amigos de Deus que os honra; seguem a Cristo vestido
de branco, "porque disso são dignos" (Apoc. 3, 4) e é deles que Nosso
Senhor diz: "Quem vos glorifica, a mim glorifica" (II Reis, 2, 35).
Durante a vida fugiram das honras, desprezaram-se a si próprios, sofreram, com
paciência, as injúrias, os insultos, as perseguições dos maus. Por essa razão,
Deus manifesta-lhes a inocência e a virtude e quer que sejam reverenciados por
toda a cristandade.
Sob a
inspiração do Espírito Santo, a Igreja exprime a admiração pelos filhos
vitoriosos com os ofícios próprios do breviário, com cânticos, prédicas,
procissões, peregrinações, mas, principalmente, pelo Sacrifício da Missa. -
"Assim será honrado a quem o Rei dos Céus quiser honrar".
Na
verdade, a honra mais excelente é prestada aos Santos pelo santo Sacrifício do
Altar, se mandamos celebrá-lo, ou se o assistimos com a intenção de
aumentar-lhes a honra acidental. - Para honrar a um príncipe, dá-se, às vezes,
uma representação teatral, e, ainda que, na peça, não se faça menção dele, o
príncipe não deixa de experimentar prazer. Da mesma maneira, apesar de, na
santa Missa, representar-se apenas a vida e a paixão do divino Salvador, os
Santos sentem grande alegria e delícias singulares, quando este espetáculo se
realiza em sua honra, e todo o céu se regozija.
Quando
o sacerdote pronuncia o nome dos Santos, o coração se lhes enternece, porque,
observa São João Cirsóstomo, tendo o rei alcançado a vitória, o povo, querendo
exaltar-lhe os feitos, nomeará também os companheiros d’armas do herói que,
valentemente, destroçou o inimigo. Da mesma forma, é grande honra para os
Santos serem nomeados, em presença de seu divino Mestre, do qual se celebram,
como em triunfo, a paixão e morte, ouvindo louvar as vitórias alcançadas sobre
o inimigo infernal.
O
escritor Molina diz sobre este assunto: "Não podemos ser mais agradáveis
aos Santos do que oferecendo o santo Sacrifício em seu nome à Santíssima
Trindade, em reconhecimento das graças que receberam, em lembrança dos méritos
adquiridos" (Tract. 4, c. 10).
Observa
que não se oferece o santo Sacrifício a São Miguel nem aos outros Anjos, mas a
Deus Pai. Não encontrarás, em nenhum lugar, que o Santo Sacrifício possa ser
oferecido à Maria Santíssima, aos Anjos ou aos Bem-aventurados. É sempre
oferecido em honra da Santíssima Trindade; apenas se menciona o nome dos
felizes habitantes do céu, porque, diz Santo Agostinho, "não é aos
Mártires que erigimos altares, mas unicamente a sua memória". Qual o
sacerdote que disse jamais no altar em que se acham as relíquias dos Santos:
"A vós, São Paulo, a vós, São Pedro, oferecemos o Sacrifício?".
Nunca. Jamais.
O
Concílio de Trento usa quase dos mesmos termos: "Se bem que a Igreja tenha
o costume de celebrar a santa Missa em hora dos Santos, não pretende oferecê-la
aos Santos, porém a Deus, que os coroou". Também o sacerdote não diz:
"Ofereço-vos este sacrifício, oh! São Pedro, São Paulo", mas
agradecendo a Deus a vitória concedida a tal Santo pede àqueles de quem
celebramos a festa na terra que intercedam por nós no céu.
Aproveita,
pois, caro leitor, do excelente poder de aumentar a felicidade acidental dos
habitantes do céu, oferecendo o santo Sacrifício em honra da Santíssima
Trindade e, na elevação da Sagrada Hóstia, dize a Deus: "Ofereço-Vos Vosso
querido Filho para maior glória e alegria do Bem-aventurado N. …".
Para
este fim, antes de ir à igreja, tem cuidado de consultar o calendário sem
jamais esquecer teu padroeiro, e, na hora da morte, bendirás o dia em que
abraçaste esta prática.
Capítulo, 19. A SANTA
MISSA É O MAIOR BEM DOS FIÉIS
Os
Santos Padres e os autores de obras religiosas falam, tantas vezes e com tanta
abundância, sobre a utilidade da santa Missa, que é impossível resumi-los; não
citaremos, pois, senão alguns textos.
São
Lourenço Justiniano diz: "Nenhuma língua humana poderá exprimir os frutos
de graças e bênçãos que atrai o oferecimento do santo Sacrifício da Missa. O
pecador aí acha a reconciliação com Deus, o justo uma justificação mais ampla;
as virtudes aumentam, os pecados são perdoados, os vícios extirpados, os
méritos multiplicados, os embustes do demônio descobertos".
O Padre
Antônio Molina, religioso cartucho, deixou-nos em seus escritos expressões
muito próprias para inflamar o coração de um grande amor pela santa Missa.
"Nada, diz ele, é tão vantajoso ao homem nem tão útil às almas do
purgatório quanto o santo Sacrifício da Missa. Sua excelência é tal, que todas
as outras obras e a prática das melhores virtudes não têm o menor valor,
comparadamente" (Tratado sobre a dignidade do sacerdote).
O sábio
Fornero, Bispo de Hebron, exprime-se do modo seguinte: "Aquele que, com a
alma isenta do pecado mortal, assiste à santa Missa com devoção, adquire maior
número de méritos do que se cumprisse, pelo amor de Deus, as obras mais
peníveis, as peregrinações mais longínquas. Isto é evidente, visto que as obras
pias tiram todo o valor e dignidade de seu objeto; ora, que haverá de mais
nobre, mais precioso e mais divino do que o santo Sacrifício da Missa?"
(Sermão 23).
Marchand
assinala a dignidade de nosso Sacrifício nestes termos: "A Igreja católica
não possui homenagem mais perfeita para oferecer a Deus, nada tem de mais agradável
para apresentar a Maria Santíssima, aos Anjos e aos Santos; nada mais salutar
para os justos e para os pecadores do que o santo Sacrifício da Missa".
No
prefácio do missal, a Igreja exorta o sacerdote "a ter uma alta idéia da
excelência da santa Missa, e a ficar convencido de que, por uma única oblação,
rendemos a Deus onipotente uma homenagem mais agradável do que praticando toda
a sorte de virtudes e suportando todos os sofrimentos".
- Sabes
por quê, caro leitor? - É porque, na santa Missa, Jesus Cristo pratica todas as
virtudes e as oferece a seu Pai com a soma dos méritos da paixão, e estes atos
de louvor, de amor, de adoração, de reconhecimento que do Coração de Jesus se
elevam ao céu, durante sua imolação sobre o altar, ultrapassam, infinitamente,
o culto dos Anjos e dos Santos.
Enfim,
a prova mais evidente é o testemunho da Igreja que diz: "Reconhecemos que
os cristãos não podem fazer cousa mais santa e mais divina do que este
estupendo mistério, no qual a Vítima vivificadora, que nos reconcilia com Deus
Pai, é oferecida, diariamente, pelas mãos do sacerdote sobre o altar"
(Concílio de Trento, sess. 22).
A santa
Igreja quer dizer com isto que o ato mais divino que os sacerdotes possam
efetuar, é a celebração da santa Missa, e para os fiéis o ato mais santo é
ouví-la, ajudá-la, mandá-la celebrar e unir-se, intimamente, às intenções do
sacerdote.
Caro
leitor, abre os olhos e vê, abre os ouvidos e ouve, abre, sobretudo, o coração
e goza da consoladora doutrina de tua Mãe, a santa Igreja. Podes fazer grande
número de boas e excelentes obras, nenhuma, porém, será tão salutar, útil e
meritória para tua alma quanto a piedosa assistência à santa Missa. Como o sol
ultrapassa em brilho e em força, todos os planetas, e é mais útil à terra que
todos os outros astros, da mesma maneira, a audição da santa Missa sobrepuja,
em dignidade e em méritos, todas as outras ações do dia.
E
depois de tudo isto considerado, como terás ainda a coragem de assistir ao
santo Sacrifício com tantas distrações ou perdê-lo sob ligeiro pretexto?
Se, não
obstante, tua preferência fosse pela meditação da Paixão e Morte de Nosso
Senhor, exortar-te-íamos a fazê-la durante a santa Missa, pois, estes mistérios
aí são renovados. Desejas entreter-te com Jesus Cristo? Ei-lo presente sobre o
altar, Homem e Deus. Não julgues que as cerimônias da santa Missa possam
perturbar-te a oração; não é distração, mas antes verdadeira atenção, seguir os
movimentos do celebrante e lembrar-se da significação das cerimônias.
Capítulo, 20. A SANTA
MISSA AUMENTA EM NÓS A DIVINA GRAÇA E A GLÓRIA CELESTE
É uso,
nas cidades e nos arrabaldes, haver mercados e feiras, onde se vendem toda a
espécie de objetos úteis.
A
própria Igreja, e o céu também, têm, diariamente, um mercado. Que oferecem? A
graça divina e a glória celeste. Mas são cousas preciosas; onde achar bastantes
meios para comprá-las? Não tenhas nenhum receio pois podem-se adquirir
gratuitamente. O profeta Isaías no-lo afirma: "Vós que não tendes
dinheiro, vinde, aproximai-vos, comprai sem troca" (Is. 55, 1). Com
efeito, o Senhor as dá sempre gratuitamente, porém, raras vezes, com tanta
abundância como na santa Missa, o que provaremos neste capítulo.
Em
primeiro lugar, porém, devemos compreender bem o que é a graça.
A graça
é um dom, um socorro sobrenatural que Deus nos concede em virtude dos méritos
de Jesus Cristo. Distinguem-se duas espécies de graça: a
"santificante" e a "atual".
A graça
"santificante" é um estado de alma que nos torna justos aos olhos de
Deus e nos dá o direito de herdar os bens eternos. Esta graça, elevando-nos
acima da nossa própria natureza, nos torna participantes da natureza divina.
Segundo o Concílio de Trento, não é somente "a remissão de nossos pecados
com favor sensível da bondade de Deus", porém "um estado divino, uma
luz brilhante, que nos embeleza a alma", a qual permanece neste feliz
estado até que percamos a graça pelo pecado mortal.
A graça
"atual" é um socorro passageiro, pelo qual Deus ilumina-nos o
entendimento e comove-nos a vontade, para evitar o mal e fazer o bem. Se nossa
alma está morta, a graça atual ajuda a recuperar a graça santificante; se, pelo
contrário, está na amizade de Deus, a graça atual, ajudando-nos a fazer boas
obras, aumenta, de mais a mais, esta amizade divina.
São
Tomás de Aquino ensina que "a graça concedida a uma alma vale mais que o
mundo inteiro e tudo quanto encerra". O próprio céu com o seu esplendor
não lhe pode ser comparado.
Grandiosos
são os efeitos da graça de Deus: reveste, em primeiro lugar, a alma de uma
beleza sem igual. Comparando com este esplendor o sol, as estrelas, as flores,
parecem embaciadas, descoradas, sem encantos. Se te fosse dado vê uma alma em
estado de graça, tudo o que então tivesse algum brilho para ti, aparecer-te-ia,
depois, sem encanto, segundo a palavra do Bem-aventurado Blósio: "Se a
beleza de uma alma em estado de graça pudesse ser contemplada, ficaríamos
arrebatados".
Em
segundo lugar, a graça é o laço da caridade entre Deus e o homem. Por ela o
Criador e a criatura tornam-se, um para a outra, ternos e confiantes amigos,
segundo a palavra de Jesus Cristo: "Não vos chamarei mais servos, e, sim,
amigos" (Jo. 15, 15).
Ora,
que há de maior, de mais excelente do que ser chamado amigo de Jesus Cristo e
sê-lo realmente? Esta dignidade ultrapassa a natureza humana, porque tudo serve
ao Senhor e nada existe que não esteja sob seu domínio. É por isso que Deus
eleva os servos a uma dignidade sobrenatural, chamando-os seus amigos e
tratando-os como tais.
E
quando, por nossa infelicidade, pelo pecado, quebramos o laço desta terna
amizade, Deus não se afasta inteiramente, fica esperando à porta de nossa alma,
bate docemente e pede para entrar: "Eis que estou à porta e bato: se
alguém me ouvir a voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele
e ele comigo" (Apoc. 3, 20).
Enfim,
terceiro, a alma santificada é de tal modo enobrecida, que se torna a própria
filha de Deus. Que honra para o filho de um mendigo ser adotado por um
príncipe! Que honra infinitamente maior sê-lo pelo soberano Senhor!
A este
pensamento São João exclama como em êxtase: "Considerai, o amor que nos
mostrou o Pai foi tal que chegamos a ser chamados filhos de Deus e o
somos" (I Jo. 3, 1). E São Paulo acrescenta: "Se somos filhos, também
somos herdeiros, verdadeiramente, herdeiros de Deus, e coerdeiros de
Cristo" (Rom. 8, 17).
Ser
herdeiro de Deus! que sorte, que glória! Nada poderia fazer-nos melhor
compreender a excelência da graça desta adoção divina, que é, ao mesmo tempo, a
prova manifesta do amor infinito de Deus por suas pobres criaturas.
Ora,
esta graça santificante é, sem cessar, aumentada pela nossa correspondência à
graça atual, pela qual Deus orna a alma de virtudes, de piedade, cumula-a de
consolações, inspira-lhe santos desejos, concede-lhe a alegria espiritual,
protege-a, fortifica-a, governa-a, une-se-lhe, enfim estreitamente e lhe dá
tudo o que contribui para a vida e a piedade.
Estas
explicações ensinar-te-ão a conhecer o valor infinito da graça.
Agora
provaremos, até a evidência, primeiro, que a santa Missa aumenta poderosamente
a graça, depois, que nos aumenta a glória futura, e finalmente, insistiremos
sobre a Comunhão espiritual como sobre uma parte da santa Missa muito própria
para enriquecer-nos a alma de novas graças.
Um
piedoso autor dizia: "Não somente o sacerdote, mas também os que mandam
dizer a Missa ou a assistem, podem, conforme sua piedade, merecer um acréscimo
de graça ou de glória, e este benefício lhe é abonado em virtude de sua
cooperação ao santo Sacrifício.
O
sacerdote é o primeiro beneficiado; os que mandam dizer a Missa, por si ou por
outrem, tiram igualmente os preciosos frutos e um aumento de graças, se estão
na amizade de Deus. Finalmente, os assistentes têm parte, não somente pela
devoção para com o santo Sacrifício, como também em recompensa das virtudes
múltiplas que exercem; assistindo-a, renovam, no coração, a dor de haver
pecado, cada vez que batem no peito; exercem a fé, reconhecendo a presença real
de Jesus na santa Hóstia e sua imolação pelos pecados dos homens. Esta crença é
o fundamento de nossa salvação.
Além da
fé, produzem ainda atos de adoração interior e, se bem que estes sentimentos sejam
devidos a Nosso Senhor, contudo nosso bom Mestre não os julga menos agradáveis
e neles se compraz particularmente.
Se, na
elevação da Hóstia e do Cálice, ofereces este dom divino ao Pai eterno, fazes
um ato de grande merecimento e, se oras pelos vivos e pelos mortos, acrescentas
um ato de caridade; finalmente, se participas do Corpo e do Sangue de Jesus
Cristo, ao menos pela Comunhão espiritual, mereces graças particulares.
Além
disso, por causa do desprezo dos hereges pelo divino Sacrifício do Altar que
consideram idolatria, Deus olha, amorosamente, para os que reparam estes
insultos por sua piedosa assistência. Os Santos Padres falam, freqüentemente,
nas recompensas especiais, concedidas a este ato de reparação. São Cirilo diz:
"Os dons espirituais serão, abundantemente, distribuídos aos que
assistirem à santa Missa". São Cipriano nota por sua vez: "O pão
sobrenatural e o cálice consagrado contribuem para a vida e a salvação do
homem".
Também
o Papa Inocêncio III afirma: "Pela eficácia do santo Sacrifício, todas as
virtudes nos são aumentadas e os frutos da graça nos são profusamente
distribuídos". São Máximo, exorta aos cristãos "a não desprezarem a
santa Missa, porque as graças do Espírito Santo nela são comunicadas aos
assistentes".
Citamos
ainda o testemunho de Osório: "Deus Padre vos dá, na santa Missa, seu
Filho único, em quem reside, unida à humanidade, a plenitude da divindade e
onde se acham ocultos todos os tesouros da sabedoria. Dando-nos seu Filho,
dá-nos tudo".
Sim,
dá-nos Jesus com seus méritos, suas satisfações, seu corpo e sua alma. Que
poderia dar mais? E que meio mais cômodo poderia inventar, para permitir-nos
participar destes tesouros infinitos? Certamente, se tua alma está na
indigência, deves, unicamente, ao teu imperdoável torpor, à tua preguiça
espiritual.
Oh
delicioso e incompreensível dom da glória celeste para a qual fomos criados e
pela qual nosso coração suspira ardentemente! Como poderemos tratar de
aumentá-la, visto que o Apóstolo exclama: "Os olhos não viram, nem o
ouvido, nem jamais veio à mente do homem, o que Deus preparou para aqueles que
o amam!" (Cor. 2, 9). A santa Igreja ensina, é verdade, que as boas obras
aumentam a graça e a glória futura, porém não indica o grau desta glória.
Contentemo-nos,
pois, com as palavras de Nosso Senhor a Santa Gertrudes: "O cristão
aumenta os méritos para a vida eterna cada vez que assiste, devotamente, à
santa Missa". É desta recompensa eterna que o Evangelho diz:
"Derramar-vos-ão, no seio, uma boa medida, bem cheia e recalcada e
transbordante". (Lc. 6, 38).
Efetivamente,
na Missa merecemos um novo grau de glória. O santo Sacrifício é como uma escada
celeste: cada vez que o fiel assiste, sobe um degrau e torna-se mais belo, mais
resplandecente, mais glorioso, mais estimável aos olhos de Deus e dos Santos.
Cada vez que assistes à Missa, o céu o registra e te assegura um grau de glória
mais elevado. Esta glória pode ser roubada pelo pecado mortal, mas, pela
extrema bondade de Deus, ela te será restituída após uma humilde confissão. Que
glória, que riqueza, que felicidade te esperam lá em cima, se todos os dias
assistires ao santo Sacrifício!
"Aquilo
que de tribulação nos vem no presente, momentâneo e leve, produz em nós, de
modo incomparável e maravilhoso, um peso eterno de glória". Grava,
cristão, estas palavras no coração, e convence-te de que, se o Apóstolo promete
tão bela recompensa aos sofrimentos momentâneos, Deus reserva graças muito mais
insignes aos fiéis que assistem à santa Missa, porque a esta prática ligam-se
uma multidão de pequenas mortificações, e bem as conheces.
A
igreja acha-se afastada de tua casa; é necessário levantar-se mais cedo; o
caminho é mau e perigoso no inverno, o vento frio sopra-te no rosto; no verão,
o sol dardeja sobre ti os ardentes raios; depois, o ofício é, algumas vezes
longo, o fervor desaparece, um trabalho urgente te espera, um lucro te escapa.
Mas, coragem! Na santa Missa, há tantos títulos de glória, tantos tesouros para
o céu!
Depois
de haver declarado ser o desejo da santa Igreja que todos os fiéis fizessem a
santa Comunhão na Missa que assistem, o santo Concílio de Trento recomenda,
instantemente, aos que se reconhecem indignos da recepção da Eucaristia, fazer,
pelo menos, a Comunhão espiritual que consiste no ardente desejo de receber
Jesus Cristo. Esta prática não seria tão recomendada, se não fosse
proveitosíssima às nossas almas e um dos principais meios de aumentar-nos a
graça divina e a glória celeste.
Quando
Jesus Cristo estava na terra, fez muitas curas pela imposição das mãos; a
muitos, porém, restituiu a saúde de longe, sem estar presente, como, por
exemplo, à filha da Cananéia e ao servo do centurião. A infinita generosidade
de Nosso Senhor não se limita às almas que se aproximam dignamente de seu
Sacramento de amor, estende-se também as que não podem recebê-lo
sacramentalmente. Não diz ele: "Eu sou o pão da vida; o que vem a mim não
terá mais fome, e o que crê em mim, não terá mais sede"? Ir a Jesus é crer
nele e amá-lo. Quem for a ele deste modo será saciado.
Jesus
Cristo não ligou sua graça à santa Comunhão, de forma que não possa concedê-la
sem a recepção do Sacramento. Uma Comunhão espiritual, feita com ardentes desejos,
produz-nos mais graças que uma Comunhão sacramental feita sem fervor. A
intensidade de nossos desejos é a medida da graça que nos vem pela Comunhão
espiritual.
Mas,
como fazer para bem comungar espiritualmente? O sábio Fornero, bispo de Hebron,
no-lo ensina: "Todos os que ouvem a santa Missa com boas disposições, são
nutridos, de maneira mística, com o corpo de Jesus Cristo. A virtude da santa
Missa é tão grande que basta unir-se espiritualmente ao sacerdote, para
participar com ele do fruto do Sacrifício" (Sermão 83). - Esta doutrina é
muito consoladora, para os que desejam fazer a Comunhão espiritual e não sabem
fazê-la. Basta dizer: Uno minha intenção com a do sacerdote, e desejo,
comungando com ele, participar do santo Sacrifício.
"Assim
como os nossos membros que não comem, acrescenta o bispo de Hebron, nutrem-se
tão bem como a boca, da mesma maneira, os que assistem à santa Missa nutrem-se,
espiritualmente, por intermédio do sacerdote, sem comungar realmente. Também é
justo que o que está em espírito com o celebrante à mesa do Senhor, seja
nutrido em espírito com ele. Se os convidados de um rei não saem com fome da
sala do festim, como nosso divino Salvador deixaria ir embora, sem ficarem
saciados, os que vieram adorá-lo na santa Missa!"
A santa
Missa; a grande ceia do Senhor; aí, cada um recebe sua parte a não ser que
feche, obstinadamente, a boca de sua alma diante da mão de Jesus Cristo, que
lhe oferece o Corpo em alimento.
A
Comunhão espiritual é, portanto, santa e salutar. A santa Igreja diz
expressamente: "Aqueles que, pelo desejo, comem deste pão celeste,
sentem-lhe o fruto e a utilidade, em virtude da fé viva que a caridade torna
fecunda" (Conc. de Trento, sessão 13).
Capítulo, 21. A SANTA
MISSA É A ESPERANÇA SEGURA DOS MORIBUNDOS
Somente
quando se experimentam os horrores da morte, se pode saber quanto é amarga; não
obstante, aprendemos a conhecê-la um pouco, cada vez que assistimos a agonia de
um de nossos irmãos. Então sentimos quanto Aristóteles, grande sábio da antiga
Grécia, tinha razão em dizer: "Entre todas as coisas horrorosas, a mais
horrorosa é a morte".
Na
verdade é, não somente porque é a separação de nossa alma do nosso corpo, mas,
principalmente porque é a porta da eternidade e nos lança diante do justo
tribunal de Deus. A viva representação destas duas cousas terríveis inspira ao
moribundo um tal terror, que o coração lhe treme e um suor frio lhe orvalha a
fronte.
Que
fazer em semelhante agonia? Como consolar esta alma? Como encorajá-la em que
segurança a devemos pôr, a fim de que o demônio não a arraste ao desespero?
Ah!, que se lance no seio da infinita misericórdia de Deus, e sua esperança não
será baldada.
São
Gregório nos diz: "Aquele que fez tudo quanto pode, deve confiar na divina
Misericórdia, porque ela não o abandonará; o que, ao contrário, mostrou-se
negligente, não terá razão de confiar nela, pois enganar-se-ia". - Mas,
onde está a alma que foi sempre, perfeitamente, fiel? Haverá uma sobre mil?
Todos, tais como somos, não poderíamos viver melhor, se quiséssemos?
Com que
pode contar o moribundo na última hora? Afirmamos que não há para ele mais
legítimo motivo de esperar do que a santa Missa, se, durante a vida, amou-a e
ouviu-a devota e assiduamente. O profeta David confirma esta crença:
"Oferecei sacrifícios de justiça e esperai no Senhor" (Sal. 4, 6).
Este
sacrifício não é outro senão a santa Missa, pela qual nos desobrigamos com a
divina Justiça, vantagem que não tinham os sacrifícios da antiga Lei. Eis
porque não se podia, propriamente falando, chamá-los sacrifícios de justiça.
David não se dirige, com essa exortação, aos sacerdotes judeus, porém a todos
os cristãos e aos sacerdotes católicos, para que ponham todo o zelo na
celebração da santa Missa, a fim de aplacar a cólera de Deus e apagar a pena
ligada ao pecado.
Tudo
isto é tão justo que o salmo conclui dizendo: "O coração em paz, por causa
do sacrifício, dormirei meu último sono e repousarei para a eternidade porque
me tendes, Senhor, fortalecido nesta esperança".
Fala em
nome do cristão moribundo, indicando-nos com o que devemos contar, com mais
certeza, na hora da morte. A santa Igreja assim o compreende por estas palavras
do Ofício dos mortos: "Requiescant in pace - Senhor, concedei-lhes o
repouso" - Deste modo, aquele que, durante a vida, ofereceu, com o
sacerdote, o "sacrifício de justiça", pode esperar firmemente na
misericórdia divina e dizer com David, no momento da morte: Senhor, cheio de confiança
no santo Sacrifício, dormirei em paz e me deitarei no túmulo até que raia o
grande dia da eternidade.
Não
temo a morte eterna, porque em vós lancei a âncora da minha esperança. Não,
Senhor, não posso crer que me haveis de repelir, visto que Vos tenho oferecido,
freqüentemente, o "Sacrifício da Justiça", cuja virtude purificadora
e santificante há de ter apagado meus pecados e satisfeito as exigências de
vossa Justiça. Eis minha doce esperança: sossegado por ela, já não receio
comparecer ao vosso rigoroso tribunal.
É de fé
que os méritos da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo constituem as
bases mais legítimas das nossas esperanças. Ora, na santa Missa, estes méritos
são distribuídos a todos os assistentes em estado de graça. Apoiar-se, cheio de
confiança, sobre a santa Missa, é, pois, apoiar-se sobre os méritos do próprio
Salvador.
Poderia
alguém objetar: Todo o moribundo, qualquer que seja, pode contar com a Paixão e
Morte do divino Salvador, visto que sofreu por todos, a fim de satisfazer por
todos os pecados e preservar-nos da condenação eterna.
Respondemos:
De que servirão à nossa alma os frutos da Paixão e Morte de Jesus Cristo, se
não aplicados? E, como revestí-la, deles, mais seguramente, senão pela santa
Missa, visto que a santa Igreja ensina "que os frutos do Sacrifício
cruento da Cruz são distribuídos, da maneira mais abundante, pelo Sacrifício
não cruento da santa Missa, e esta foi instituída, para que a virtude salutar
do Sacrifício da Cruz fosse aplicada em remissão de nossos pecados
quotidianos" (Conc. Trento, Sess. 22).
O
cristão que espera desta maneira, não se firma, nem em si, nem nos próprios
méritos, porém em Jesus Cristo, nas orações, nos méritos do divino Salvador,
dos quais participa no santo Sacrifício do Altar; apóia-se sobre o dom
perfeitíssimo que, pelas mãos do sacerdote, ofereceu ao Pai celeste; apóia-se
sobre o precioso Sangue que jorra do altar sobre sua alma; confia na oração de
Jesus, em que pode e deve confiar.
Esta
confiança é tão infalível que Sanchez diz: "A santa Missa nos autoriza a
uma esperança da vida eterna tão segura que, para crer, nos é precisa a graça
da fé". - Isto compreenderam bem os Santos e, por isso, preparavam-se para
a morte pela devota celebração, ou audição da santa Missa.
Fortificada
pelo pensamento da santa Missa, a alma deixa este mundo e vai apresentar-se no
tribunal de Deus.
Achar-se
em presença do justo Juiz! Homem altivo, qual será a tua situação? Que postura
terás então?
Nossos
pecados se mostrarão sob formas horríveis; nossas boas ações ali também
estarão, para nos animar e, se tivermos ouvido muitas Missas, virão sob figuras
encantadoras que, pela agradável presença, nos dissiparão os terrores.
"Vamos acompanhar-te ao tribunal do justo Juiz, - dirão - nós, as missas
que, fielmente, assististe; lá te desculparemos; testemunharemos tua piedade
para o santo Sacrifício; diremos quantos pecados apagaste, quantas dívidas
saldaste. Tem coragem! Acalmaremos a cólera do justo Juiz e te obteremos o
perdão"
Que
consolação para tua alma opressa, achar amigos tão fiéis, e tão poderosos
advogados!
Capítulo, 22. A SANTA
MISSA É O MAIS EFICAZ ALÍVIO DAS ALMAS DO PURGATÓRIO
Não
podendo compreender, durante esta vida, o rigor das chamas do purgatório, virá,
porém, o dia em que o experimentaremos. Meditemos, enquanto podemos, a doutrina
dos Santos e Doutores da Igreja.
Santo
Agostinho diz: "O eleito e o condenado são atormentados pelo fogo, cuja
ação é mais violenta que tudo quanto, sobre a terra, se pode imaginar, ver e
sentir" (Sermão 41). Fosse este testemunho o único, e bastaria para
espantar-nos, porque os males de que a terra está cheia, são incalculáveis, e
nossa capacidade de sofrer é um abismo de que ninguém sondou a fundo.
Pensa
nas terríveis doenças que corrompem o corpo; lê, no martirológio, as torturas
espantosas, a que foram submetidos os confessores da fé, e persuadir-te-ás de
que tudo isto é apenas uma pálida imagem do que te espera, segundo a afirmação
de São Cirilo: "Todas as penas e torturas, diz ele, todos os tormentos
desta vida, comparados à menor pena do purgatório, parecem ainda uma
consolação". São Tomás de Aquino afirma também: "A menor faísca desse
fogo é mais cruel que todos os males desta vida" (In e. Sent. dist. 20,
qu. 1. c. 2).
Meu
Deus! Como minha alma suportará essas dores terríveis? Ora, é quase certo que
não chegará ao céu sem passar por essas chamas purificadoras, porque, longe de
ser bastante perfeita para evitá-las, está repleta de manchas e de más
inclinações.
Há
vários meios eficazes de aliviar as almas do purgatório; porém, o mais salutar,
declara o Concílio de Trento, é o santo Sacrifício da Missa: "As almas do
purgatório são aliviadas pelas orações e sufrágios dos fiéis, principalmente
pelo sacrifício do Altar" (Conc. Trento, Sess. 25). Dois séculos antes,
São Tomás de Aquino dizia: "Segundo o uso geral, a Igreja sacrifica e ora
pelos defuntos e, assim, liberta-os, prontamente, do purgatório".
A razão
é porque, na santa Missa, o sacerdote e os assistentes não somente pedem
misericórdia, mas oferecem também a Deus um resgate preciosíssimo. As almas do
purgatório não estão fora dos favores de Deus, visto que, por sua contrição e
confissão, reconciliaram-se com Ele, porém ficam prisioneiras, para se
purificarem das chamas. Por conseguinte, se cheio de compaixão, orares por
elas, cedendo-lhes teus méritos, contribuis para saldar uma parte desta dívida
de que o Juiz supremo diz: Toma cuidado "para que não sejas lançado na
prisão, donde não sairás sem ter pago o último ceitil" (Mt. 5, 25-26).
Entretanto,
se assistes, ou fazes celebrar a santa Missa por uma destas almas, satisfarás
grande parte de sua dívida.
Ignora-se
em que medida são remidas as penas do purgatório pelo santo Sacrifício. Em todo
o caso, fica certo que uma Missa celebrada, ou ouvida durante tua vida,
serve-te mais do que outra oferecida em tua intenção depois da morte, segundo a
palavra de Santo Anselmo: "Uma única Missa assistida por uma pessoa
durante a vida, lhe é mais vantajosa do que muitas oferecidas, em sua intenção,
depois da morte". Eis porque:
1º. -
Se estiveres em estado de graça, quando ouvires, ou mandares celebrar a santa Missa
por ti, obterás um aumento de glória para o paraíso; vantagem que, mesmo cem
missas, celebradas depois de teu falecimento, não poderiam merecer-te, visto
que o tempo de merecer acabou.
2º. -
Se estiveres em estado de pecado mortal, a santa Missa te atrairá, pela
infinita misericórdia de Deus, a luz necessária para reconhecer os pecados e a
dor de havê-los cometidos, dor que te põe em graça com ele, cousa impossível
depois da morte. Se, em vida, já estás marcado com o selo da reprovação, a
santa Missa pode ainda deter-te na beira do abismo infernal e conceder-te o
inestimável benefício de morreres na graça de Deus.
3º. -
Missas ouvidas, ou celebradas te esperam além do túmulo, onde, como outros
tantos advogados eloqüentes, solicitarão, para ti, o perdão no tribunal da
Justiça divina. Se não te preservam inteiramente do purgatório, abreviar-lhe-ão
a duração e diminuir-lhe-ão a intensidade. Apesar de Deus aplicar-te todo o
fruto de uma Missa após tua morte, seria ainda mister que fosse celebrada, e deverias
esperá-la.
Supõe
qeu morras à tarde e devas permanecer nas chamas do purgatório somente até a
hora da Missa do dia imediato, oh, como seria longa esta única noite! Supõe
mesmo o caso mais favorável em que tua pena duraria o tempo de uma Missa; caro
leitor, esta meia hora te pareceria ainda uma eternidade. Se te obrigassem a
ter a mão em fogo vivo durante o tempo em que se pode celebrar uma santa Missa,
quanto não darias para escapar a uma prova tão cruel? Entretanto, não atingiria
senão a um membro de teu corpo, e não se pode comparar à pena muito mais
intensa que tem sede na alma.
Poderíamos
ter menos compaixão de nossa alma que de nosso corpo? Em todo caso, é melhor
que as Missas nos esperem na outra vida do que termos que esperá-las. Amontoemos,
pois, tesouros no céu, pela piedosa assistência à santa Missa, porque a noite
virá, e quem trabalhará então por nós?
4º. - A
esmola que consagras para fazer celebrar a santa Missa, é um dom espontâneo,
voluntário, muito agradável a Deus, ao passo que, depois de tua morte, não será
mais dado por ti, mas por teus herdeiros. Não vemos, todos os dias, como
demoram a satisfazer os piedosos desejos dos moribundos?
Acredita-nos,
é mais conveniente assegurar o futuro, desde a vida presente, enquanto podes
dispor de teus bens.
5º. -
Enfim, não esqueçamos que o tempo presente é o tempo da misericórdia, e o tempo
futuro, o da justiça. São Boaventura diz: "Assim como uma palheta de ouro
é mais preciosa do que um pedaço de chumbo, também uma pequena penitência, a
que nos submetemos, voluntariamente, nesta vida, é mais agradável aos olhos de
Deus do que uma grande penitência feita na outra.
Ah, se
pudesses contemplar, com teus olhos mortais, os rios de graças que, do altar,
se derramam sobre o purgatório, com que pressa procurarias, para as almas
exiladas, este divino benefício! Não objetes tua pobreza. É verdade, a pobreza
pode privar-te do prazer de mandar celebrar os divinos Mistérios; porém, não te
explicamos que a simples audição da santa Missa é, por si, muito meritória?
Pede a teus amigos que ouçam também uma ou mais Missas, na intenção das almas
do purgatório.
Era o
conselho de um homem de Deus a uma pobre viúva que lamentava não poder mandar
celebrar Missas por seu defunto marido: "Assisti, freqüentemente, ao santo
Sacrifício por ele; deste modo será mais prontamente libertado do que por uma
ou duas Missas celebradas em sua intenção". Este excelente conselho o
damos, de bom grado, aos pobres; não que seja menos vantajoso fazer celebrar a
Missa, quando se pode, porém, é uma consolação para a alma do purgatório ver-te
oferecer, por ela, nosso Senhor a seu Pai. Então o precioso Sangue inunda-a
como orvalho celeste.
Jamais
um doente devorado pela febre foi tão aliviado por um copo d’água fresca, como
nossos caros defuntos, quando na santa Missa, derramamos, misticamente, sobre
eles algumas gotas deste Sangue divino.
Capítulo, 23. DA PRECE DO
SACERDOTE E DOS ANJOS PELOS QUE OUVEM A SANTA MISSA
É uma
queixa geral, entre as pessoas piedosas, de serem perseguidas pelas distrações
durante a oração. Para isso, não conhecemos remédio melhor que a freqüente
assistência à santa Missa, onde nossa pobre oração se une à de Jesus e a de seu
sacerdote. Do mesmo modo que uma moeda de cobre se torna bela e brilhante,
quando imersa no ouro em fusão, nossa oração, fraca e distraída, torna-se, por
esta maneira, atenta e fervorosa.
Por
isso disse o sábio e piedoso bispo Fornero: "A oração feita na Missa, em
união com o Sacrifício, é mais eficaz do que todas as outras, embora cheias de
fervor perfeito e longa duração".
Exporemos,
neste capítulo, a razão de tão consoladora doutrina.
O
sacerdote que celebra deve orar não somente pelos fiéis em geral e oferecer o
Sacrifício por sua salvação, mas é ainda obrigado a orar, particularmente,
pelos assistentes e apresentar-lhes as súplicas ao Altíssimo. Assim a oração do
começo, chamada "Coleta" e a "Secreta" que se segue ao
Ofertório, a "Post-Comunhão", e, em geral, todas as orações em que o
pedido é feito em nome de muitos, são ditas pelos assistentes, por ti,
portanto, se és do número deles, e te são proveitosas como se estivesses só na
igreja com o sacerdote.
A fim
de que saibas, minuciosamente, as orações em que tens parte oficial, vamos
enumerá-las umas após outras.
Ao
começar a santa Missa, o ministrante recita o "Confiteor", em nome do
povo, sobre o qual o sacerdote pronuncia a absolvição seguinte: "O Senhor
onipotente se compadeça de vós, e, perdoados os vossos pecados, vos conduza à
vida eterna! Assim seja". Em seguida, subindo ao altar, continua:
"Apagai, Senhor, Vos suplicamos, nossas iniqüidades, para que mereçamos,
com pureza, entrar no lugar santo. Por Cristo Senhor Nosso. Amém".
Ao
"Kyrie", que é um grito, um pedido de socorro à Santíssima Trindade;
ao "Glória in excelsis", como também à "Coleta", o
sacerdote fala em seu nome e no teu. Saúda a assembléia, reunida ao redor do
altar, com a santa saudação: "Dominus vosbiscum - o Senhor esteja
convosco!" Era a saudação do Anjo a Gedeão; de Booz aos ceifadores; do
Arcanjo Gabriel à Santíssima Virgem. Por estas palavras, oito vezes repetidas,
o sacerdote deseja salvação e bênção ao povo, porque, se Deus está conosco, que
pode nos faltar?
Ao
"Credo" pronuncia, em seu nome e em nome dos fiéis, a confissão da fé
católica, em que desejamos todos viver e morrer.
"A
oblação do pão" diz: "Recebei Pai Santo, onipotente e eterno Deus,
esta Hóstia imaculada que eu, indigno servo, vos ofereço, meu Deus vivo e
verdadeiro, por todos os meus inumeráveis pecados e ofensas e negligências, por
todos os presentes, e por todos os fiéis cristãos, vivos e defuntos, para que a
mim e a eles aproveite e seja a salvação na vida eterna. Amém".
Quando
deita a água e o vinho no cálice, diz: "Deus, que criaste,
maravilhosamente, a dignidade da humana natureza e, mais admiravelmente, a
reparaste, concede-nos, por este mistério da água e do vinho, que sejamos
consortes da divindade daquele que se dignou de fazer-se partícipe de nossa
humanidade, Jesus Cristo, teu Filho, Senhor nosso que contigo reina na unidade
do Espírito Santo, Deus por todos os séculos dos séculos. Amém".
A
"oblação do cálice", o sacerdote diz: "Oferecemos-te, Senhor, o
cálice da salvação, rogando-te a clemência, para que suba à presença da divina
Majestade o suave perfume, por nossa salvação e de todo o mundo".
Depois
do "Lavabo", diz o sacerdote, inclinando-se: "Recebei,
Santíssima Trindade, esta oblação que te oferecemos em memória da Paixão e
Ressurreição e Ascensão de Jesus Cristo, nosso Senhor, e em honra da
Bem-aventurada Virgem Maria, do Bem-aventurado São João Batista, dos Santos
Apóstolos São Pedro e São Paulo, e de todos os Santos; para que lhes seja em
honra e a nós em salvação, e estes, cuja memória celebramos na terra, se dignem
de interceder por nós no céu. Pelo mesmo Cristo, Senhor nosso. Amém".
Voltando-se
para o povo, continua: "Orai, irmãos, para que o sacrifício vosso e meu
seja aceito por Deus onipotente"; e o ministrante responde: "Receba o
Senhor o sacrifício de tua mão, para louvor e glória de seu nome e também para
proveito nosso e de toda a sua santa Igreja".
A
"Secreta", oração misteriosa, segue-se em voz baixa e, nela, o
sacerdote reza também por todo o povo. Ordinariamente são três, outras vezes
mais, nas grandes festas, uma apenas.
No
"Prefácio", o sacerdote excita a assembléia a unir os louvores aos
seus, dizendo: "O Senhor seja convosco. - Erguei os vossos corações! -
demos graças ao Senhor, nosso Deus! - verdadeiramente é justo, conveniente e
salutar que, sempre e em toda a parte, demos graças, Senhor santo, Pai
onipotente, Deus eterno, porque, pelo Mistério do Verbo encarnado,
resplandeceu, aos olhos de nossa mente, uma nova luz de tua claridade; de sorte
que, enquanto conhecemos a Deus visivelmente, sejamos por ele arrebatados ao
amor das cousas invisíveis.
E por
isso, com os Anjos e Arcanjos, com os Tronos e Dominações e com toda a milícia
do celestial exército, cantemos o hino de tua glória, dizendo sem cessar: -
Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos exércitos! Cheios estão o céu e a terra de
tua glória. Hosana nas alturas! Bendito seja o que vem em nome do Senhor!
Hosana nas alturas!"
Logo
depois começa o "Cânon", parte da santa Missa que se reza em voz
baixa, e da qual lembraremos somente o "Memento" pelos vivos:
"Lembrai-vos, Senhor, de vossos servos e servas N. N. ….. e de todos os
circunstantes, cuja fé e devoção vos são conhecidas, pelos quais vos oferecemos
este sacrifício de louvor, por eles e por todos os seus, pela redenção de suas
almas, pela esperança de sua salvação e incolumidade, e vos tributam os votos,
a vós, eterno Deus, vivo e verdadeiro".
Aprende,
por estas palavras, a não te afligir, se tua pobreza te priva de mandar
celebrar Missas. Aquela que ouves é oferecida em tua intenção pelo sacerdote
que aplica o mérito também a ti e aos teus, segundo tua piedade e teu desejo.
O
sacerdote continua: "Nós, que participamos duma mesma comunhão, honramos,
em primeiro lugar, a memória da gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe de Jesus
Cristo, nosso Senhor e Deus, e a dos Bem-aventurados Apóstolos e Mártires,
Pedro e Paulo… e todos os Santos; pedimos que nos concedais, pelos seus
merecimentos e rogos, que, em todas as cousas, sejamos defendidos pelo auxílio
de vossa proteção. Por Cristo, Nosso Senhor. Amém".
As mãos
estendidas sobre a oferta, o sacerdote prossegue ainda: "Por isso vos
pedimos, Senhor, que recebais, favoravelmente, esta nossa oferta, e de toda a
Igreja; e que, enquanto vivermos, gozemos de vossa paz e, depois, sejamos
livres da eterna condenação e contados entre o número de vossos escolhidos. Por
Jesus Cristo Nosso Senhor. Amém".
Depois
da "elevação", diz: "Portanto, Senhor, nós, teus servos e teu
povo santo, lembrando-nos da Paixão de Cristo, teu Filho e Senhor nosso, de sua
Ressurreição saindo vitorioso do sepulcro, e de sua gloriosa Ascensão aos céus;
oferecemos à tua gloriosa Majestade, de teus mesmos dons e dádivas, a Hóstia
pura, a Hóstia santa, a Hóstia imaculada, o Pão santo da vida eterna, e o
Cálice da salvação perpétua.
Sobre
estes dons te dignes lançar um olhar favorável e recebê-los benignamente, assim
como recebestes as ofertas do justo Abel, teu servo, e o sacrifício de nosso
patriarca Abraão, e o que te ofereceu o sumo sacerdote Melquisedec, santo
sacrifício, Hóstia imaculada".
O
sacerdote faz, depois, uma profunda reverência, humilhando-se diante de Deus, e
continua: "Ó Deus onipotente, nós te suplicamos, com humildade profunda,
que mandes levar estes dons pelas mãos de teu santo Anjo, a teu sublime altar,
na presença de tua divina Majestade, para que todos nós que, participando deste
altar, recebamos o sacrossanto Corpo e Sangue de teu Filho, fiquemos cheios de
toda a graça e bênção celestial. Pelo mesmo Cristo, Nosso Senhor. Amém".
Ao
"Memento" dos defuntos, o sacerdote ora, em primeiro lugar, por todos
os fiéis defuntos, depois por todos aqueles em cuja intenção celebra ou que lhe
foram recomendados, e acrescenta: "E também a nós pecadores, que esperamos
na multidão de tuas misericórdias, te dignes dar alguma parte e sociedade com
teus santos Apóstolos e Mártires: com João, Estevão, Matias, Barnabé, Inácio,
Alexandre, Marcelino, Pedro, Felicidade, Perpétua, Águeda, Lúcia, Cecília,
Anastácia, e com todos os santos, em cuja companhia te rogamos nos admitas
generoso, não considerando nossos méritos, mas a tua indulgência. Por Cristo,
Nosso Senhor. Amém".
Em
seguida, reza o "Padre-Nosso" por si, e acrescenta: "Livrai-nos,
te rogamos, Senhor, de todos os males passados, presentes e futuros e, pela
intercessão da gloriosa sempre Virgem Maria e de teus Bem-aventurados Apóstolos
Pedro e Paulo, de André e de todos os Santos, dá-nos benigno a paz em nossos
dias; para que, ajudados com o socorro de tua misericórdia, vivamos sempre
livres do pecado e seguros de toda a perturbação. Pelo mesmo Senhor nosso, teu
Filho Jesus Cristo, que contigo vive e reina em unidade com o Espírito Santo,
por todos os séculos dos séculos. Amém".
Depois
faz a fração da sagrada Hóstia, dizendo: "Esta mistura e consagração do
Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, aproveite-nos para a vida eterna.
Amém". - Inclinando-se então profundamente, diz três vezes: "Cordeiro
de Deus, que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós … dai-nos a
paz".
Depois
da "Comunhão", seguem-se algumas orações que o sacerdote reza por si,
mas, antes de abençoar os fiéis, diz ainda: "Agradável vos seja,
Santíssima Trindade, o obséquio de minha servidão, fazei que este Sacrifício,
que eu, indigno, Vos ofereci, aos olhos de vossa Majestade, seja aceito por
Vós, e por vossa misericórdia se torne propiciatório para mim e todos aqueles
por quem o ofereci. Por Cristo Nosso Senhor. Amém".
Enfim,
o sacerdote te abençoa em nome de Jesus Cristo e de sua Igreja para que estejas
preservado do mal durante o dia.
Eis as
orações que o ministro de Deus diz em teu favor. Simples na aparência, têm,
todavia, uma maravilhosa eficácia, pois são inspiradas pelo divino Espírito
Santo, compostas e sancionadas pela santa Igreja. O sacerdote não as diz em seu
nome, porém em nome de Jesus Cristo e de toda a cristandade, da qual é o
representante.
Com
efeito, a santa Igreja, isto é, todos os fiéis enviam o sacerdote como seu
representante ao altar e o encarregam de seus pedidos, para que os exponha a
Deus, durante a santa Missa, e trate da felicidade eterna e temporal de todos
os fiéis e, em particular também, da libertação das almas do purgatório.
As
palavras deste sublime entretenimento acham-se ditadas e encerradas no missal
pela própria Igreja; de maneira que, quando o sacerdote chega ao altar e se
apresenta diante da divina Majestade, Deus não o considera mais como pecador,
porém como embaixador da Igreja, como representante de seu Filho, do qual traz
as vestes e as insígnias, e em nome do qual pronuncia as palavras da
consagração: "Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue". Nestas
condições, sua oração vale junto a Deus tanto como a oração do próprio Jesus.
E não
somente ora o sacerdote, mas oferece também um dom, uma jóia de valor infinito:
o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. Este dom, Deus não o pode repelir, nem
recusar ao sacerdote os piedosos pedidos. Unamos, pois, nossa fraca oração à do
sacerdote e assim tornar-se-á mais eficaz, mais nobre e obterá o que nunca
obteríamos sozinhos.
Talvez
perguntes: Todas as santas Missas são igualmente boas? - Antes de responder,
dizemos que deves bem distinguir entre o sacrifício e a piedade de quem o
oferece. O sacrifício, sem dúvida, é igualmente santo e agradável a Deus, tanto
do bom como do mau sacerdote, pois quem é oferecido, em todas as Missas, é o
próprio Jesus Cristo. A celebração, isto é, a recitação das orações na santa
Missa, porém, não é igualmente agradável a Deus em todas as Missas. Neste
sentido, o maior ou menor agrado depende do fervor e da devoção do celebrante.
O
sacerdote bem o sabe e, por isso, pede em cada Missa, freqüentemente, a Deus as
suas graças, e aos assistentes, que o ajudem com as orações, a fim de que seu
sacrifício seja agradável a Deus onipotente. É o sentido do "Orate
fratres": "Orai, irmãos", diz o sacerdote voltando-se para o
povo, "para que o vosso sacrifício e o meu seja agradável a Deus
onipotente".
São
Boaventura escreve: "Todas as Missas são igualmente boas no que diz
respeito ao divino Salvador, com relação ao celebrante, porém, há Missas
melhores e menos boas".
O
cardeal Bona acentua este pensamento, quando diz: "Quanto mais santo e
agradável a Deus for o sacerdote, tanto mais agradável será o acolhimento
reservado à sua oração e ao seu sacrifício e mais útil a sua Missa, porque se
dá com a santa Missa o mesmo que se dá com as outras obras pias: os frutos
obtidos são proporcionais ao fervor".
É certo
que os Anjos estão presentes à santa Missa. A Igreja o afirma. O profeta real
assim cantou: "Ordenou a seus Anjos que te guardem em todos os teus
caminhos". Segue-se que os Anjos nos acompanham os passos. Quando, porém,
nos dirigimos para o altar do Senhor, é, com mais alegria e maior satisfação,
que desempenham o ofício, afugentando os maus espíritos que querem
perturbar-nos a devoção, impondo-lhes silêncio ao cochichar dissipado que
chamamos distrações.
Há,
pelo menos, o mesmo número de Anjos presentes à santa Missa quanto de pessoas,
visto que cada assistente tem seu Anjo da guarda, ajudando-o a orar e adorar a
Jesus Cristo sobre o altar. Pede, pois, ao teu que ouça a santa Missa por ti e
contigo, e sua oração inflamada suprirá as misérias da tua.
Além
dos Anjos da guarda, príncipes da milícia celeste estão, igualmente, presentes
no altar, porque ao Rei dos Anjos, descendo do céu, em pessoa, convém que seus
ministros rodeiem e lhe prestem homenagens.
Assistindo
à santa Missa, podemos, pois, dizer a Deus com o rei David:
"Adorar-vos-ei, em vosso santo tabernáculo, cantarei vossos louvores, na
presença dos espíritos celestes, e bendirei vosso santo nome" (Sal. 137).
Está, portanto, ajoelhado no meio destes espíritos puros que ouvem a santa
Missa contigo e oram, ardentemente, por tua salvação.
"Lembra-te,
ó homem, diz São João Crisóstomo, junto de quem te achas, durante este
misterioso Sacrifício. Estás entre Querubins e Serafins, entre as Potências
celestes. Comporta-te, pois, de modo a não entristecê-los com a tua impiedade,
pelo contrário, regozija-os com o teu fervor".
Quando
o sacerdote celebra o sublime e temível Sacrifício, os Anjos assistem-no e, com
coro, elevam a voz para cantar a glória daquele que se imola sobre o altar.
Neste momento, não oram somente os homens, mas os próprios Anjos dobram os
joelhos ante Deus e intercedem por nós, e esta oração dos Anjos, é mais
poderosa do que a nossa. É o tempo propício, pois o santo Sacrifício está ao
dispor destas potências celestes. Entretanto, unidos os nossos rogos aos dos
Anjos, os nossos pedidos atravessam as nuvens e são mais facilmente ouvidos do
que se tivéssemos orando em casa, sozinhos.
Os
Anjos não somente estão presentes à santa Missa, como também oferecem ao
Altíssimo o santo Sacrifício e as nossas orações. São João viu-os nesta sublime
função e no-lo refere assim: "Veio, então, o Anjo e pôs-se ante o altar,
trazendo um turíbulo de ouro; lhe foram dados muitos perfumes, a fim de que
fizesse a oferta das orações de todos os Santos sobre o altar de ouro, que está
diante do trono de Deus. E a fumaça dos perfumes, emanados das orações dos
Santos, subiu da mão do Anjo até a presença de Deus" (Apoc. 8, 3 e 4).
Assim
os Anjos apressam-se em recolher-te as orações durante a santa Missa, para
leva-las ao céu e espalhá-las como perfume, em presença de Deus. E, se estas
orações são unidas às de Jesus Cristo e às dos Anjos, seu perfume é
infinitamente agradável à divina Majestade e tem uma eficácia muito maior, que
todas as orações feitas fora da santa Missa. Novo motivo, pois, para
assistires, todos os dias, ao santo sacrifício, onde tão poderosos Anjos te
esperam e transmitem-te os votos a Deus, vivificando-os com os seus santos
ardores.
Capítulo, 24. A SANTA
MISSA NÃO PREJUDICA AO TRABALHO, ANTES O FAVORECE
Um dos
principais pretextos alegados pelos homens, para dispensar-se da santa Missa, é
o trabalho. Dia e noite a ele se entregam, lastimam a perda de tempo, se devem
consagrar uma hora ao serviço de Deus, e qualificam de preguiçosos os que
encaram, de modo sobrenatural, o emprego da vida. Que erro grosseiro é o destes
insensatos!
Se
encontram um amigo, quando vão para o trabalho, param de bom grado para ouvir
novidades, conversam sobre isto ou aquilo; tratando-se, porém, de ouvir a santa
Missa, a lembrança do trabalho os atormenta. Não vê que o inimigo é quem os
torna tão apressados para as cousas da terra e tem grande interesse em afastar
da santa Missa? Longe, porém, de prejudicar o trabalho, o santo Sacrifício o
adianta e o torna mais lucrativo.
Nosso
divino Mestre nos recomenda a procurar, antes de tudo, o reino de Deus e sua
justiça, porque tudo o mais nos será dado por acréscimo. Estas palavras podem
se interpretar assim: Não te inquietes do alimento corporal, porém, antes de
principiar o trabalho, procura ouvir a santa Missa, ou pelo menos que um membro
da família o assista em nome da família toda. Assim prestes a Deus, o culto que
lhe é devido, e Deus, em troca, te dará o pão de cada dia.
Se
prestares um serviço importante e agradável a um príncipe deste mundo, não
serás recompensado? Ora, assistindo à santa Missa, rendes a Deus uma homenagem
relevante, uma glória infinita, uma incomparável satisfação: ofereces um
presente mais precioso que o próprio céu. O Senhor, riquíssimo e bondosíssimo,
deixaria este ato sem recompensa? Jamais! Se todo e qualquer bem é recompensado
por Ele, quanto mais o maior de todos os bens!
Sim, a
santa Missa é o tesouro de que fala o livro da Sabedoria: "É um tesouro
inestimável para os homens; os que nele têm parte gozam da amizade de
Deus". É uma mina donde se extrai o ouro terrestre e o celeste.
O que
assiste a este Sacrifício, sai enriquecido dos méritos de Jesus Cristo, cumulado
de bênçãos do Pai celeste: a bênção da santa Missa é, ao mesmo tempo, temporal
e espiritual, assim como vemos pela oração que se segue à consagração: …
"para que todos, participando deste altar, recebendo o sacrossanto Corpo e
Sangue de teu Filho, fiquemos cheios de toda a graça e bênção celestial".
Em
virtude desta oração e do santo Sacrifício, és abençoado em teu corpo e tua
alma, em tuas empresas e teus trabalhos.
Todos
reconhecem a verdade do velho provérbio: "Tudo depende da bênção de Deus".
Por maiores que sejam o zelo e a habilidade do homem no trabalho, sem a mão de
Deus, não frutificará. Ora, não há meio mais eficaz neste mundo, de atrair os
favores celestes, do que a piedosa audição da santa Missa. Numa visão, Santa
Brígida viu o divino Salvador que, depois da elevação da sagrada Hóstia,
traçava com a mão direita o sinal da cruz sobre o povo, dizendo: "Eu vos
abençôo a vós todos que credes em mim".
-
Avalia, pois, o prejuízo, mesmo no teu trabalho, se, podendo assistir à santa Missa,
por descuido, lhe perderes as graças abundantes.
Não
digas, caro leitor, que a santa Missa de pouco serve, materialmente falando.
Pois, só a ignorância pode afirmar isto e não duvidamos de que a leitura deste
livro te iluminará a inteligência e te fará apreciar o valor e eficácia do
santo Sacrifício dos nossos altares. "No dia em que ouvires a santa Missa,
diz Fornero, bispo de Hebron, teu trabalho andará melhor, tuas penas serão mais
aliviadas, tua cruz menos pesada".
"O
Senhor te fortificará no corpo e na alma, acrescenta outro autor de vida
espiritual, os Anjos te cercarão mais afetuosamente e, se vieres, neste dia, a
morrer, Jesus te assistirá no último momento, como o assististe pela manhã na
santa Missa".
A
audição da santa Missa favorece o trabalho; nossa própria experiência no-lo
testemunha.
Lemos,
na vida de Santo Isidoro, que cultivava as terras de um rico senhor.
Entregava-se ao trabalho com todo o zelo possível, sem, todavia, faltar à santa
Missa um dia. Sua devoção agradou de tal modo ao bom Deus, que Ele mandou que
os Anjos ajudassem-no nos trabalhos campestres. Quando sua esposa lhe levava a
refeição, via, não raras vezes, dois Anjos trabalhando ao lado de Isidoro. Este
não os via e a piedosa mulher nada dizia, com receio de incitá-lo ao orgulho.
Capítulo, 25. DA MANEIRA
DE OFERECER A SANTA MISSA E DO VALOR DA OBLAÇÃO
Caro
leitor, lê neste capítulo com grande atenção; grava-o, profundamente, em tua
memória, segue os conselhos que encerra e tirarás, do santo Sacrifício, imenso
proveito.
Já
ficou dito que a santa Missa, único sacrifício do cristianismo, é um ato de
adoração, uma oferta divina. O grande Sacerdote, o verdadeiro Sacrificador, é
Nosso Senhor Jesus Cristo. Depois dele vem o celebrante, o instrumento que lhe
empresta as mãos e a boca. Em terceiro lugar, vêm os assistentes, que mandam
celebrar a santa Missa, os que oferecem os objetos necessários ao culto, enfim,
todos os que, impedidos por ocupações de assistir, se unem, espiritualmente,
aos assistentes. Todos oferecem, em certo sentido, a divina Vítima e participam
dos frutos desta preciosa oferta.
Sem a
oblação do divino Sacrifício nem mesmo ouvirias a santa Missa como deves:
porque ouvir a Missa não é somente assistí-la, é oferecer o Sacrifício em união
com o sacerdote e pelas mãos do sacerdote. Por conseguinte, os fiéis que, na
santa Missa, se entregam a toda sorte de devoções particulares, sem se ocuparem
da oblação do santo Sacrifício, privam-se de um número infinito de graças.
Não
acharás, certamente, inútil que te expliquemos, minuciosamente, a maneira de
oferecer a Deus o santo Sacrifício.
Supõe
que uma pessoa recite, devotamente, muitos terços, oferecendo-os a Jesus Cristo
e à sua Santíssima Mãe, enquanto outra pessoa assiste a uma só Missa,
oferecendo-a. Qual das duas, pensas, dará mais e será, mais profusamente,
recompensada? Sem dúvida, a segunda. Pois, que oferece a primeira? Uma prece,
muito santa, ensinada, na maior parte, por Jesus Cristo e por seu Anjo, mas que
tem todo o valor da piedade pessoal da pessoa que reza, e fica, por
conseguinte, muito imperfeita.
Que se
oferece, porém, na santa Missa? Um dom absolutamente sobrenatural,
perfeitíssimo, divino: o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, suas lágrimas, sua
morte, seus méritos.
Dir-me-ás,
talvez: A pessoa que oferece os terços oferece um dom que ela própria adquiriu,
ao passo que, na santa Missa, oferecem-se méritos que pertencem a Jesus Cristo.
Afirmamos, porém, de novo: Aquele que oferece a santa Missa, oferece um bem
próprio, porque, pelo Sacrifício não cruento da santa Missa, recebem os frutos
do Sacrifício cruento na Cruz.
Que
imenso favor, pois, é aquele com que o Senhor te enriquece, quando, na santa
Missa, te constitui, espiritualmente, sacerdote e te concede o poder de
oferecer a Deus, seu Pai, segundo a maneira dos sacerdotes, não só por ti, como
pelos outros. É neste sentido que o celebrante diz depois do
"Sanctus": "Lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas e de
todos os circunstantes, pelos quais vos oferecemos, e eles mesmos vos oferecem
este sacrifício de louvor por si e por todos os seus amigos, benfeitores, vivos
e mortos".
Para
esta cooperação, o sacerdote já convidou os fiéis no "Orate fratres",
dizendo: "Orai, meus irmãos, para que meu sacrifício, que é também o
vosso, seja agradável a Deus Padre todo poderoso".
Em
outras palavras: Este sacrifício vos pertence tanto quanto a mim, é tanto obra
vossa quanto minha; peço-vos que me ajudeis a oferecê-lo.
Depois
da "Elevação do cálice", o sacerdote diz: "Portanto, Senhor,
nós, teus servos e teu povo santo, oferecemos à tua gloriosa Majestade, de teus
mesmos dons e benefícios, esta Hóstia pura, Hóstia santa, Hóstia imaculada. Pão
santo da vida eterna, Cálice da salvação perpétua".
Tua
cooperação pela oblação é, pois, muito real, o celebrante conta com ela. Se não
lhe aceitares o convite e não unires a voz e o coração à sua ação, engana-lo-ás
em sua expectativa e a ti mesmo, privando-te do benefício da oblação.
"Aqueles, diz o bispo Fornero de Hebron, que deixam de oferecer a santa
Missa por si e pelos seus, privam-se dum imenso benefício". É, pois,
igualmente um ato de injustiça para contigo mesmo faltar à Missa ou não
oferecê-la quando a assistires.
O
oferecimento é a melhor das práticas; quanto mais o renovares, mais alegrarás o
céu, maior número de dívidas pagarás, maior glória futura adquirirás. Dizer a
Deus: Eu te ofereço, significa na Missa: Eu te pago, com o ouro dos
merecimentos de Jesus Cristo, o resgate de meus pecados, os bens celestes, o
livramento das almas do purgatório.
É
verdade que se pode dizer, fora da santa Missa, a qualquer hora e com muita
vantagem: "Senhor, eu te ofereço o caro Filho, te ofereço sua dolorosa
Paixão e Morte, seus méritos". Entretanto, esta oblação não é senão
espiritual, enquanto que, na santa Missa, é real. Aí Jesus Cristo está, realmente,
presente e com ele suas virtudes e seus méritos; aí se imola de novo e renova
sua Paixão e sua Morte, nos dá seus méritos, a fim de que os ofereçamos a seu
Pai celeste.
Santa
Mechtildes ouviu, uma vez, durante a santa Missa, Nosso Senhor lhe falar desta
forma: "Concedo-te meu amor divino, minha oração e minha Paixão, a fim de
que possas mas oferecer por tua vez. Dai-mas, eu tas restituirei multiplicadas,
e, toda vez que mas ofereceres, novamente as duplicarei. É assim que o homem
recebe o cêntuplo no tempo e uma glória infinita na eternidade" (Lib.
Revelation I, cap. 14).
Entre
todas as orações da santa Missa, diz Sanchez, nenhuma é mais consoladora do que
a que se segue à elevação do cálice, quando o sacerdote oferece ao Pai celeste
o "Cordeiro" imaculado, dizendo: "Senhor, nós, que somos vossos
servos e vosso povo santo, oferecemos à vossa sublime Majestade a Hóstia pura,
a Hóstia santa, a Hóstia imaculada, etc.". Chama o povo, isto é, os
assistentes, santos, porque são santificados pela santa Missa, conforme a
palavra de Jesus Cristo: "Eu me santifico por eles, a fim de que sejam
santificados na verdade" (Jo. 22, 19).
Ele os
santifica pela "aspersão do sangue divino", como diz o Apóstolo São
Paulo (Heb. 13, 12).
Quão
preciosa é a Hóstia pura, santa, sem mácula! É a carne puríssima, a alma
santíssima, o sangue imaculado de Jesus! A que pode se comparar esta oferta, se
a terra inteira não é senão um grão de poeira ao seu lado! Que dizemos? A
imensidade do céu nada contém de mais precioso. O que dás ao Deus onipotente,
oferecendo esta Hóstia, é o dom perfeitamente digno de sua Majestade infinita,
é seu Filho com sua humanidade santa, é o próprio Deus!
Se todos
os súditos de um monarca poderoso oferecessem a seu soberano, em testemunho de
seu amor e fidelidade, por embaixadores escolhidos, uma taça artística do ouro
mais puro, ornada de pedras preciosas de inestimável valor, a satisfação e o
reconhecimento do príncipe seria, sem dúvida, muito grande. Se porém, esta taça
contivesse uma jóia do valor de um reino, a admiração e alegria do rei seriam
ainda mais profundas. Na santa Missa, porém, oferecemos ao Altíssimo a
humanidade de Jesus Cristo, isto é, o que sua mão onipotente criou de mais
excelente e mais sublime.
Eis a
taça preciosa; a jóia de um valor incomparável que encerra, é a divindade do
Salvador; é nele que "reside a plenitude da divindade" (Col. 2, 9).
Propriamente
falando, não é a divindade, mas a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo que
oferecemos à adorável Trindade; as duas naturezas, porém, são estreitamente
unidas, e nunca realmente separadas, de sorte que as oferecemos juntas. Que
satisfação para o Pai eterno quando recebe de tuas mãos este dom incomparável,
aquele do qual disse: "É meu Filho predileto em quem pus todas as minhas
complacências!" (Mt. 3, 17). Avalia a recompensa que te espera em troca, e
a soma de dívidas que pagas por esta preciosa oferta.
Henrique
I, rei da Inglaterra, ouvia, todos os dias, três Missas, ajoelhado ao pé do
altar. Chegado o momento da consagração, aproximava-se do celebrante e
sustentava-lhe os braços durante a elevação do Corpo e Sangue de Nosso Senhor.
Era a maior consolação do piedoso monarca. Se houvesse ainda este piedoso
costume, qual não seria a tua pressa em tomar lugar junto ao sacerdote! Deus se
contenta, porém, com teu desejo, dize-lhe somente do íntimo do coração:
"Senhor, ofereço-vos vosso caro Filho pelas mãos do sacerdote". Deus
muito bem saberá interpretar-te a intenção.
A
oferta da santa Hóstia é preciso unir a do preciosíssimo Sangue. É um meio
excelente de salvar as almas. Lê-se, na vida de Santa Maria Madalena de Pazzi,
que o próprio Senhor a instruíra neste assunto, fazendo-lhe conhecer quanto a
oferta de seu precioso Sangue é própria para apaziguar a cólera de Deus. O
divino Salvador se queixava do pequeno número dos que trabalham para acalmar a
Justiça de seu Pai celeste, e exortava a santa a aplicar-se a isto.
Desde
então, ela oferecia o preciosíssimo Sangue até cinqüenta vezes por dia, pelos
vivos e pelos mortos; e seu celeste Esposo lhe mostrou, muitas vezes, as almas
que tirava do purgatório por este meio.
"Quando
ofereces o precioso Sangue ao Pai celeste, diz a mesma Santa, lhe ofereces um
dom tão agradável, que ele se reconhece teu devedor". Como efeito, que
haverá, no céu e sobre a terra, que iguale, em valor, o precioso Sangue, do que
diz São Tomás de Aquino, uma só gota vale mais que um mar de Sangue dos Mártires;
do qual uma só gota seria assas poderosa para purificar o mundo de todos os
pecados. Por conseguinte, se, em troca da oferta do precioso Sangue, Deus te
concede o céu, não te retribui um bem de igual valor.
Se
tivesses presenciado a crucificação do divino Salvador e recolhido o Sangue
adorável que lhe corria das chagas sagradas, e tivesses elevado este precioso
Sangue ao céu, implorando misericórdia para ti e para o gênero humano, o Pai
celeste ter-se-ia enternecido, sem dúvida; todos os teus pecados teriam sido
perdoados. Ora, é isto que fazes quando, durante a santa Missa, ofereces o
precioso Sangue ao Deus altíssimo.
Capítulo, 26. COMO PODEMOS
PARTICIPAR DOS FRUTOS DE VÁRIAS MISSAS QUE, AO MESMO TEMPO E NA MESMA IGREJA,
SE CELEBRAM
Já
explicamos como todos os sacerdotes oram e oferecem o santo Sacrifício na
intenção dos assistentes. É, pois, vantagem considerável achar-se numa igreja
onde se celebram grande número de Missas de uma vez. Se celebrar um só
sacerdote, terás uma única oração, havendo mais, teu proveito espiritual
aumentará.
Ora,
para tirar proveito de várias Missas celebradas no mesmo tempo, é preciso
cooperar para cada uma numa certa medida. Não dizemos seguir várias Missas ao
mesmo tempo, isto seria impossível; aconselhamos simplesmente seguir uma, com
toda a atenção possível, e recomendar-se às outras, dizendo: "Meu Deus,
oferece-vos também este Sacrifício que vai se cumprir". Quando vires,
porém, em outro altar, levantar-se a Hóstia consagrada e o Cálice, adora o
divino Salvador e oferece-o ao Pai celestial.
Dir-me-ás
talvez: Se me entregar a esta prática, ela me impedirá de seguir e satisfazer
minhas devoções quotidianas. - Escuta esta parábola: Um vinhateiro, trabalhando
na sua vinha, achou um tesouro. Levou-o para casa, muito escondidamente, e
voltou ao trabalho. Ao cabo de algumas horas, descobriu outro tesouro que levou
por sua vez para casa. Enfim, sua enxada encontrou um terceiro, levou-o,
correndo, e anunciou sua felicidade à sua mulher. "Como, lhe disse esta
muito admirada, tomas isto por felicidade? É uma verdadeira infelicidade,
porque, se continuares assim, nunca tua vinha será cultivada e não haverá
colheita".
O
marido sorriu a este raciocínio, e disse: "Queira Deus que continue a
achar tesouros semelhantes e pouco me importa que haja ou não uvas!"
Aplica
ao caso o sentido da parábola e verás que a oblação reiterada de Cristo, no
altar, é incomparavelmente, mais útil que outra.
Nota
ainda isto: Quando entras numa igreja e vês que a santa Missa se acha depois da
consagração, faze, todavia, a oblação de nosso Senhor até que o sacerdote
consuma as santas espécies. Desta maneira te tornarás participante de muitas e
grandes graças. Se no momento em que entras, vês dois sacerdotes consagrarem,
ao mesmo tempo, faze o teu ato de adoração na intenção de oferecer Jesus
presente sobre os dois altares. Não é preciso, para assistir à santa Missa, ver
o celebrante. Basta ser advertido pelo toque da campainha.
Não
deixes a igreja, imediatamente, antes da consagração, espera que Jesus apareça,
adora-o e pede-lhe a bênção.
Na vida
de Santa Isabel, rainha de Portugal, refere-se o seguinte: Um príncipe da corte
real, estando para morrer, disse ao filho: "Meu filho, deixo este mundo na
esperança da Misericórdia divina. És o único herdeiro de minhas posses; porém,
antes de tudo, deixo-te esta recomendação: ouve a santa Missa todos os dias e
sê fiel a teu rei".
Depois
da morte do pai, o jovem veio à corte real como pajem de honra da rainha
Isabel. Ela o estimava muito, por causa da sua piedade, dava-lhe sábias
instruções e empregava-o, muitas vezes, na distribuição de suas esmolas,
testemunhando-lhe um interesse materno. Havia, na corte, outro pajem de
costumes maus. Este, invejoso do favor de que gozava o colega, caluniou-o junto
ao rei da maneira mais odiosa. O rei, que levava uma vida desregrada, acreditou
facilmente no que lhe havia referido o pajem mau e jurou a morte do inocente.
Um dia
que passeava montado, nos arredores de sua capital, meditando sobre o modo de
vingança, avistou ao longe uma caeira em atividade. Seu plano foi, então,
determinado: vai diretamente ao dono da caeira e lhe dá ordem de lançar nela o
pajem da corte que havia de vir, no dia seguinte, pela manhã, perguntar se as
ordens do rei havia sido executadas.
Ao
voltar a seu palácio o rei, mandou vir o pajem, tão injustamente caluniado, e
ordenou-lhe que fosse, no dia seguinte, muito cedo, à caeira, informar-se da
execução das ordens reais. O jovem partiu, ao romper do dia, tristonho de não
poder ouvir Missa antes de sair e receando não poder assistí-la neste dia. No
caminho, encontrou uma igreja, onde se dava justamente o sinal da consagração.
Entrou, pois, adorou Cristo, Nosso Senhor, e ofereceu-o a Deus por sua salvação
eterna e temporal. Terminado a santa Missa, saiu contente por ter podido ouvir
uma parte importante da santa Missa.
Instantes
depois, achava-se diante de outra igreja, onde tocavam igualmente à
consagração, o que lhe causou nova alegria. Também nesta entrou e cumpriu a sua
devoção, recomendada por seu pai moribundo, mas demorou-se um só instante,
porque as ordens do rei eram apressadas. Aconteceu, entretanto, que o caminho o
conduzisse a terceira igreja. O sino tocava e o pajem entrou ainda esta vez,
para adorar Nosso Senhor. Sua devoção foi tão grande, que ficou até o fim da
santa Missa.
No
entanto, o rei ardia por saber se sua obra de vingança fora consumada. Por
isso, mandou o outro pajem à caeira informar-se da execução de suas ordens.
Este espreitava a ocasião de satisfazer a inveja, e, sabendo perfeitamente o
que isto significava, partiu alegre e ligeiro. Chegando, fez logo a pergunta ao
caeiro. Mas, oh terror, foi preso, e apesar de sua resistência e de seus
protestos, foi precipitado na fornalha ardente.
Pouco
depois, apareceu também o pajem inocente. Cumpriu a sua mensagem, recebeu a
resposta que tudo se fizera como o monarca havia mandado, e, voltou, sem
suspeitar a visível proteção que a divina Providência acabava de
testemunhar-lhe.
Ao ver
o mancebo e ouvir-lhe as palavras, o rei compreendeu que o acusador tinha
sofrido a pena de fogo, humilhando-se no coração perante Deus, protetor da
inocência.
Os que
se acham na impossibilidade de assistir à santa Missa, devem, pelo menos,
dizer: "Meu Deus, deixai-me compartilhar dos frutos preciosos de todas as
Missas que se celebram, hoje, em todo orbe católico. Oxalá, possa eu
aproximar-me do altar e oferecer com o sacerdote, o Cordeiro Imaculado!" -
Deus lhes abençoará a boa vontade e lhes concederá o que pedirem, segundo o
grau de sua caridade.
Não é
verdadeiramente consolador para os doentes e pessoas que moram muito longe da
igreja, poder, unindo-se espiritualmente ao santo Sacrifício, participar de
seus méritos? Aproveitemos, pois, todas as ocasiões para pedir aos sacerdotes
que se lembrem de nós no altar do Senhor. É a mais preciosa de todas as
lembranças. Eis como fala um piedoso autor: Tendes grande motivo de
felicitar-vos, quando um sacerdote vos promete seu "Memento" à santa
Missa. Deveríeis recomendar-vos a todos os sacerdotes conhecidos.
Deste
modo, teríeis, por assim dizer, outros tantos tesoureiros que vos abrissem a
tesouraria de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Capítulo, 27. INSTANTE
EXORTAÇÃO PARA OUVIR DIARIAMENTE A SANTA MISSA
Depois
de tudo quanto dissemos até aqui, pareceria desnecessário exortar-te a ouvir a
santa Missa todos os dias. Entretanto, acrescentaremos algumas reflexões
próprias, para afirmar, em ti, a esta resolução.
Não há
dúvida de que nenhuma hora do dia é tão preciosa como a da santa Missa. É verdadeiramente
uma hora de ouro, e, por sua influência, tudo o que fizeres no correr do dia
será, por assim dizer, transformado em ouro. Sem esta bênção que se recebe do
altar, não ganharíamos senão vil metal.
Objetar-nos-ás
talvez: "O trabalho me é mais necessário que a audição da santa Missa,
visto que, por ele, sustento minha família". - Mas, caro leitor, não
dizemos que não trabalhes, quereríamos apenas ver-te dar a Deus pequena meia
hora, cada manhã. Abençoado por sua mão paterna, teu trabalho terá melhor
êxito.
O
desejo de nosso coração, caro leitor, é levar-te a ouvir, quotidianamente, a
santa Missa. Por isso procuramos detalhar-te os numerosos e nobres motivos
sobre os quais esta excelente devoção é baseada.
Escuta
e considera: Foste criado por Deus, para serví-lo: a santa Missa é o culto
divino por excelência; tens a obrigação de agradecer-lhe os benefícios
espirituais e temporais: a santa Missa é o mais perfeito sacrifício de ação de
graças; estás no mundo, para louvar a divina Majestade do Deus onipotente: a
santa Missa é o mais perfeito sacrifício de louvor; tens contraído uma dívida
enorme: a santa Missa é o mais rico sacrifício de satisfação; o pecado, a
doença, a morte te ameaçam:
a santa
Missa é o mais eficaz sacrifício de impetração; o demônio te persegue, armando
ciladas, esforça-se para arrastar-te ao inferno: a santa Missa é o escudo
contra o qual se despedaça o poder infernal; a morte te espanta: a audição da
santa Missa será para ti a maior consolação na hora da morte.
Quando
não te seja possível assistir, cada dia, à santa Missa, faze, pelo menos, que
uma ou outra pessoa de tua família a assista na intenção de todos os teus.
A
prática de ouvir a santa Missa, uns em favor dos outros, é, extremamente,
vantajosa e perfeitamente possível. Há uma diferença notável entre a audição da
santa Missa e a sagrada Comunhão. Diz-se: Comungarei por ti, pelas almas do
purgatório, etc., o que, porém, não tem a mesma significação que dizer: Ouvirei
a santa Missa por ti. É tão impossível receber um sacramento por outra pessoa
como é impossível tomar alimento por ela.
Não
obstante, tua Comunhão será muito vantajosa ao próximo, porque todas as boas
obras apagam parte da pena devida a teus pecados, vantagem que podes ceder a
teu irmão: demais, a Comunhão, aumentando-nos a graça, torna a oração mais
ardente e mais eficaz.
Observa,
porém, que Jesus Cristo não instituiu a santa Missa somente pelo que a celebra,
ou a assiste, mas também quer tenham os ausentes sua parte, e lhes é feita ao
"Memento dos vivos": "Lembrai-vos Senhor", diz o sacerdote,
"daqueles pelos quais vos oferecemos ou que vos oferecem este Sacrifício
de louvor por si e por todos os seus".
Enfim,
cada um pode despojar-se, em favor do próximo, dos méritos que adquire, ou dos
tesouros satisfatórios que recebe no santo Sacrifício. Parece, pois, mais
vantajoso ouvir a santa Missa por uma pessoa do que comungar por ela.
As
palavras persuadem, os exemplos arrastam. Se nossas instantes exortações ainda
não te convenceram, citar-te-emos o exemplo dos Santos que, apesar dos
numerosos e importantes trabalhos, colocavam a Missa acima das ocupações.
Santo
Agostinho refere de sua mãe, santa Mônica, que não deixava passar um dia sem
assistir ao santo Sacrifício, tanto estimava o valor desta oblação, cuja
virtude salutar apaga os vestígios de nossas faltas. Sentindo-se morrer longe
da pátria, recomendava ao filho que não lhe fizesse exéquias pomposas, porém
que levasse cada dia, sua lembrança ao altar.
Santa
Hediviges, duquesa da Polônia, ouvia, todos os dias, várias Missas, e, quando
não se achavam bastantes sacerdotes na corte, mandava chamar os outros para
satisfazer a devoção.
São
Luis, rei de França, assistia a duas Missas, às vezes até a quatro. As pessoas
de sua comitiva o criticavam, achando que o rei devia antes ocupar-se dos
negócios do governo. O Santo, porém, respondia-lhes: "Admira-me tanta
inquietação. Se empregasse o duplo deste tempo no jogo, ou na caça, ninguém me
criticaria". Excelente resposta que, não somente serve aos cortesãos de
Luís IX, mas a nós todos.
Quando,
em dia útil, nos aconteceu assistir a muitas Missas, parecem prejudicados
nossos negócios?… entretanto, passamos, sem escrúpulo, horas inteiras a falar,
a jogar, a comer, a dormir, mesmo a enfeitar-nos! Que cegueira, pois!
Citamos
acima o rei da Inglaterra, Henrique I, a quem o peso dos negócios do Estado
nunca impedia de ouvir três Missas, cada dia. Numa entrevista com o rei de
França, os dois príncipes vieram a falar em questões religiosas. "Julgo,
observou o último, que a assiduidade ao sermão é preferível à da Missa" -
"Por mim, retorquiu Henrique, prefiro olhar para meu Amigo divino a ouvir
celebrar-lhe os louvores".
É
também nossa opinião, caro leitor, sem querermos menosprezar a utilidade das
instruções religiosas.
São
Venceslau, duque da Boêmia, dava os mesmos exemplos. Refere-se, na sua vida,
que durante a assembléia nacional dos Estados da Alemanha, em Worms, o
imperador Óton convocou, um dia, todos os príncipes para uma hora matutina.
Todos
aí se acham pontualmente, exceto Venceslau que fora à Missa, antes de ir à
assembléia. O soberano disse em tom de impaciência: "Comecemos os
trabalhos e, quando Venceslau vier, ninguém se levante para dar-lhe
lugar". Entretanto, terminada a santa Missa, o duque chegou ao palácio. O
imperador o viu entrar acompanhado de dois Anjos que lhe condecoravam o peito
com uma cruz de ouro. Imediatamente deixou o trono, foi-lhe ao encontro e
abraçou-o com ternura.
A
assembléia teve um movimento de surpresa ao ver Óton ser o primeiro a
contradizer as próprias ordens. Este, porém, desculpou-se, dizendo: "Vi
dois Anjos que acompanhavam o duque, como teria eu ousado não lhe render esta
honra?". Alguns dias depois, Venceslau era investido do poder real e
coroado rei da Boêmia.
O
célebre escritor Barônio relata que o imperador Lotário assistia, cada manhã, a
três Missas, mesmo no acampamento. E Súrio afirma que Carlos V não faltou a
santa Missa senão uma única vez, por ocasião de uma guerra na África.
O
Breviário Romano nos faz admirar a ardente devoção de São Casimiro durante o
Ofício solene, ao qual assistia todos os dias. Sua alma abrasava-se de tamanho
amor de Deus, que parecia não estar mais sobre a terra.
O
heróico confessor da fé, Tomás Mourus, que deu a vida por Jesus Cristo em 1535,
tinha em alta estima a santa Missa. Por urgentes que lhe fossem os negócios de
chanceler do império britânico, não deixava de assistí-la, cada manhã. Uma vez,
enquanto orava ao pé do altar, durante o santo Sacrifício, um mensageiro veio,
a toda a pressa, dizer-lhe que o rei o chamava: "Paciência, disse-lhe;
devo, em primeiro lugar, prestar minhas homenagens a um príncipe maior, e
assistir, até o fim, à audiência divina".
Meu
Deus, que diremos, que desculpas apresentaremos no dia do juízo, nós que
negligenciamos a santa Missa pelas ocupações, muitas vezes, insignificantes, ao
passo que personagens encarregados dos negócios de reinos inteiros, achavam o
tempo necessário para ouvir, cada dia, uma ou mais Missas?!
Não
digas: "Deus não me condenará por ter deixado de ouvir a santa Missa em
dias úteis, desde que é obrigatório somente aos domingos e dias de festa".
Sem dúvida, Deus não tratará esta omissão como transgressão positiva; porém,
far-te-á expiar este descuido, em seu santo serviço. O servo preguiçoso que foi
lançado nas trevas extremas, não havia desperdiçado nem perdido, no fogo, o
talento que o dono lhe havia confiado: tinha somente enterrado e foi condenado,
por se ter descuidado de utilizá-lo. Toma cuidado que Deus não proceda assim
contigo.
Viu-se
muitas vezes, com que rigor Deus pune a indiferença a respeito do santo
Sacrifício.
Quanto
aos pais que impedem os filhos de assistirem à santa Missa, em dia de domingo,
ou de festa, bem poderiam incorrer no castigo de Gerôncia, mãe de Santa
Genoveva. Um dia de festa que ela pretendia proibir à filha ir à Missa,
Genoveva lhe disse com firmeza: "Minha mãe, não posso, em consciência,
faltar à Missa, hoje: prefiro descontentar-vos a descontentar a meu Deus".
Irritada com esta resposta, Gerôncia esbofeteou-a, chamando-a desobediente. O
castigo de Deus, porém, não se fez esperar. Gerôncia cegou imediatamente e não
recuperou a vista senão dois anos depois, devido às orações da piedosa filha.
Os pais
e as mães de família têm obrigação de mandar à santa Missa não só os filhos,
como também os criados; devem cuidar deles na igreja e exortá-los a terem
grande respeito, para o santo Sacramento. O Apóstolo São Paulo prescreve-o
claramente: "Se alguém, diz ele, não toma cuidado dos seus e,
particularmente, dos de sua casa, renunciou à fé e é pior do que um
infiel" (Tim. 5, 3). A palavra "cuidado" significa, segundo São
João Crisóstomo, a conservação da alma assim como do corpo.
Ora, se
um pai de família deixasse de fornecer ao filho e às pessoas de sua casa
alimento e vestuário, seria, aos olhos de Deus, pior do que um infiel. E não
será mais desprezível ainda o que não se inquieta da salvação eterna dos seus?
Patrões
cristãos, prestai atenção à maneira pela qual cumpris os deferes a este
respeito. Deixai toda a liberdade a vossos empregados para ir à Missa, quando a
proximidade da Igreja e a hora matutina lhes fornecem a facilidade? Não
pareceis dizer com a vossa atitude: "Não é a Deus, mas a mim a quem deveis
servir, porque não é Deus, sou eu quem vos paga; trabalhareis, pois, toda a
semana para mim somente?" Na verdade, tais cristãos são piores que os
pagãos, mas saberão, à hora da morte, a enormidade de seu pecado.
Capítulo, 28. EXORTAÇÃO
PARA OUVIR PIEDOSAMENTE A SANTA MISSA
Quanto
não se aflige a Igreja, por ver tantos filhos assistirem, sem piedade, ao santo
Sacrifício! Ocupam-se os fiéis, não raras vezes, com o que se passa ao redor,
porém, não do que se realiza no altar; observam quem entra e quem sai; oram
somente com os lábios, sem que o coração tome parte. Eis seu proceder na
presença de Deus três vezes santo! Perguntamos se lhes existe ainda uma faísca
de fé na alma e se merecem o nome de católicos. Oh! quanto nos dói o coração à
vista de tão culpada irreverência, no momento em que tudo nos convida à mais
ardente piedade.
A
Igreja católica impõe o respeito para a santa Missa, por estas palavras:
"Reconhecer que os cristãos não podem cumprir obra mais santa, mais divina
que este assombroso mistério é também reconhecer que não se pode pôr cuidados e
diligência suficientes para desempenhá-lo com pureza de coração, com piedade e
edificação (Concílio de Trento). Não é necessário, para isso, experimentar uma
devoção sensível; basta a vontade firme de assistir atenta e respeitosamente.
A
verdadeira piedade, com efeito, não consiste na doçura interior, mas no fiel
serviço de Deus.
A
piedade ou devoção consiste, segundo todos os mestres da vida espiritual, numa
vontade pronta e generosa de fazer tudo quanto Deus quer, e sofrer
corajosamente tudo quanto quer que soframos. As doçuras e as consolações
sensíveis não são, pois, a devoção, mais um estímulo para a devoção que o
Senhor concede conforme nossas necessidades e sua sabedoria. O espírito de fé
está sempre ao nosso dispor e podemos, agindo segundo esta fé, servir a Deus
com inteira fidelidade e ser do número dos justos que vivem da fé.
Se não
tivesses desejo algum e não fizesses nenhum esforço para sair de tua
indiferença, então somente, haveria culpa e te privarias de muitos méritos. A
este respeito lembrar-te-emos das palavras de Nosso Senhor à Santa Gertrudes.
Esforçando-se,
uma vez, em unir alguma intenção particular a cada nota e cada palavra de seu
canto, e, sentindo que se achava, muitas vezes, impedida pela fraqueza de sua
natureza, dizia no interior, com muita tristeza: "Ah que fruto posso tirar
deste exercício visto que sou sujeita a tão grande mudança?".
Nosso
Senhor, porém, apresentou-lhe nas mãos o Sagrado Coração sob o emblema duma
lâmpada ardente, dizendo: "Eis que exponho, aos olhos de tua alma, meu
Coração caridoso que é o órgão da Santíssima Trindade, a fim de que lhe peças,
com confiança, que faça em ti tudo o que não serias capaz de operar, e desta
sorte, eu nada veja, aí, que não seja extremamente perfeito; pois, da mesma
maneira que um servo está sempre prestes a executar as ordens de seu amo, assim
meu Coração será sempre disposto, em qualquer hora, a reparar os efeitos de tua
negligência" (Líber III, c. 25).
Santa
Gertrudes admirava, tremendo, o excesso da bondade do divino Salvador, julgou,
porém, que seria inconveniente que o Coração adorável de seu Deus suprisse os
defeitos de sua criatura.
Mas o
Senhor animou-a com esta comparação: "Não é verdade que, se tivesses uma
bela voz e achasses extremo prazer em cantar, encontrando-te com uma pessoa que
tivesse a voz tão áspera, tão desagradável e desafinada que sentisse muita pena
em pronunciar e em formar os menores sons, acharias mal que, oferecendo-te para
cantar, ela não to quisesse permitir? Assim, meu Coração divino, reconhecendo a
inconstância e a fragilidade da natureza humana, deseja com ardor que o
convides, senão por palavras, pelo menos por outro sinal, a operar e cumprir em
ti o que não és capaz de operares e cumprires".
Oh que
palavras de animação e conforto! Estás distraído à santa Missa? Desprovido de
piedade? Vai a Jesus, dizendo-lhe: "Deploro amargamente estar tão
distraído e rogo a vosso divino Coração que se digne suprir a minha
negligência".
Para
ajudar a tua boa vontade, indicar-te-emos também a maneira de te comportares na
santa Missa. Primeiro, indo à igreja, considera aonde vais e o que vais fazer.
Não subas ao templo como o fariseu e o publicano para orar somente, mas entras
aí para "oferecer", segundo a palavra de David: "Senhor, sou
vosso servo, oferecer-vos-ei uma hóstia de louvor e invocarei vosso santo
nome" (Sl. 115).
Entras
aí para prestar a Deus o culto mais perfeito, para apresentar a oferta que lhe
é mais cara. "A audição da santa Missa, diz um escritor eclesiástico, não
é somente uma oração, é um ato de adoração, é uma oferta, um sacrifício divino,
visto que todos os assistentes bem dispostos unem-se à ação e às intenções do
sacerdote".
O mesmo
autor explica então o sentido da palavra "sacrificar" e diz que a
ação mais excelente, é praticar a mais alta virtude, porque, sacrificando,
atestamos a soberania de Deus, seu direito de ser, infinitamente, honrado e
glorificado; confessarmos, ao mesmo tempo, nossa dependência absoluta como
criaturas, das quais pode dispor à vontade. É por isso que o Sacrifício é o ato
de religião mais agradável ao Senhor, e o mais útil aos homens.
Penetrado
destas verdades, chega ao pé do altar; formula aí a intenção de ouvir a santa
Missa. Tens algumas orações particulares que fazer? Faze-as até a consagração.
A elevação, não te ocupes senão com Nosso Senhor: adora-o, oferece-o a seu Pai
eterno, expondo-lhe tuas necessidades. Há pessoas que têm escrúpulo de
renunciar a suas orações quotidianas pelas da santa Missa. É um erro. Tuas
orações quotidianas, comparadas com as da santa Missa, são tão inferiores como
o cobre é inferior ao ouro.
Além
disso, estas orações podem fazer-se em outro tempo que não seja à hora da
Missa, ao passo que não podes dizer as da Missa, tão utilmente, em outro tempo
como quando o santo Sacrifício se efetua; e, se te acontecesse não achar um
momento para desempenhar estas devoções particulares, esta omissão seria menos
prejudicial que a primeira.
Logo
que o sacerdote pronunciou, no momento solene, as palavras da consagração, o
pão tornou-se o Corpo de Nosso Senhor. "O homem deve tremer, diz São
Francisco de Sales, o mundo estremecer, o céu inteiro ficar arrebatado, quando,
sobre o altar, o Filho de Deus se entrega nas mãos do sacerdote". Oh!
admirável humildade, o Mestre de todas as coisas abaixa-se, para a salvação do
homem, até ocultar-se sob as aparências do pão.
Mas,
porque os nossos sentidos não percebem a presença do Senhor, não lhe prestamos
atenção, e, entretanto, os demônios fogem espavoridos e os Anjos tremem diante
de sua face. Assim disse Jesus Cristo a Santa Brígida: "Do mesmo modo que
à palavra ‘Sou eu!’ meus inimigos caíram por terra, às palavras da consagração
‘Isto é o meu Corpo!’ os demônios fogem".
A
semelhança dos Anjos e dos Santos, apliquemo-nos a glorificar o Senhor sobre o
altar, e a participar de seu adorável Sacrifício. É excusado dizer que, no
momento da elevação, devemos deixar toda outra oração, a fim de levantar os
nossos olhos para o altar e adorar, humildemente, o Cordeiro de Deus,
oferecendo-o ao Pai celestial. Estes exercícios de fé e caridade devem
ocupar-nos todo o tempo, até que Jesus seja consumido pela Comunhão do
sacerdote.
Infelizmente,
grande número de fiéis não se conforma a nenhuma destas práticas. Continuam a
receitar suas orações costumeiras, dedicando-se a uma espécie de devoção
rotineira, como se Nosso Senhor não estivesse presente e não fosse preciso
ocupar-se dEle. Caro leitor, não procedas mais assim; no momento da
consagração, cai de joelhos como o sacerdote e, repleto de fé e amor, adora
aquele que se mostra a teus olhos, sob as espécies de pão e de vinho.
Capítulo, 29. QUE DEVOÇÃO
SE DEVE PRATICAR DURANTE A ELEVAÇÃO
Imediatamente
depois da consagração, o sacerdote procede à elevação das santas espécies,
cerimônia sublime, prescrita pela santa Igreja, para que o povo possa gozar e
aproveitar, mais perfeitamente, da presença real do divino Salvador. É desta
elevação e da devoção que, durante ela, se deve praticar, que queremos tratar
neste capítulo.
Oh! que
júbilo pra o céu! Que fonte de salvação para a terra! Que refrigério para as
almas do purgatório! Que terror para o inferno! Nesta elevação, se oferece o
dom mais precioso que possa ser apresentado ao Altíssimo! Sabes sob que forma a
santa humanidade de Jesus é oferecida a seu Pai, pelas mãos do sacerdote? Esta
humanidade que é a imagem, muito perfeita, da Santíssima Trindade, jóia única
dos tesouros celestes e terrestres.
É
oferecida debaixo de várias formas, porque entre as mãos do sacerdote, o Verbo
encarna-se novamente, nasce de novo e sofre a Paixão; o suor de sangue, a
flagelação, a coroação de espinhos, a crucificação, a morte… oh, que emoção
para o coração do Pai eterno, durante esta elevação de seu Filho predileto!
Entretanto,
o sacerdote não é o único a expor Jesus Cristo aos olhos de seu Pai, o próprio
Salvador se expõe: "À elevação, vi Jesus Cristo apresentar-se a seu Pai e
oferecer-se de uma maneira que ultrapassa toda a compreensão", refere
Santa Gertrudes no seu "Livro das Revelações". Mas, se não podemos
fazer idéia deste encontro do Pai com o Filho, a fé deve nos levar a uma oração
muito mais fervorosa no momento em que se realiza".
São
Boaventura convida o sacerdote e os fiéis a dizerem então, ao Pai celeste:
"Vede, ó Pai eterno, vede vosso Filho, que o mundo inteiro não pode conter
e tornou-se nosso prisioneiro. Não o deixaremos ir sem que nos tenhais
concedido o que vos pedimos em seu nome: o perdão de nossos pecados, o aumento
da graça, a riqueza das virtudes e alegria da vida eterna".
O
sacerdote, ao mostrar a sagrada Hóstia, poderia ainda dizer ao povo: "Eis
cristãos, vosso divino Salvador, vosso Redentor. Olhai-o com fé viva e derramai
vossos corações diante dele em ardentes súplicas. Bem-aventurados os olhos que
vêem o que contemplais! Bem-aventurados os que crêem, firmemente, na presença
de Jesus Cristo, nesta santa Hóstia!" Se adoras assim, asseguras a
salvação de tua alma, e poderás repetir com o patriarca Jacó: "Vi a Deus
face a face, a minha alma foi salva" (Gen. 32, 30).
À
elevação, todo o povo deve levantar os olhos para o altar e olhar, com piedade,
o Santíssimo Sacramento. Jesus Cristo revelou a Santa Gertrudes quanto é útil à
alma esta prática. "Cada vez, escreve ela, que olharmos para o Corpo de
Nosso Senhor Jesus Cristo, oculto no Sacramento do Altar, aumentamos o grau de
nosso mérito para o céu, o prazer, o gozo da vida eterna". Não te
inclines, pois, tão profundamente à elevação que te seja impossível ver a
sagrada Hóstia.
A santa
Igreja também não o deseja; ela prescreve ao sacerdote levantar as santas
espécies, alguns instantes, acima da cabeça, a fim de que o povo possa vê-las e
adora-las. A eficácia deste olhar para o divino Salvador foi figurada no antigo
Testamento: "Ao povo de Israel, que tinha murmurado contra o Senhor e
contra Moisés, mandou o Senhor cobras, cujas mordedura queimavam como fogo.
Muitos, tendo sido feridos, foram ter com Moisés, dizendo: "Pecamos; roga
ao Senhor para que nos livre destas serpentes".
Moisés
fez uma serpente de bronze, colocou-a como sinal, e os que, sendo feridos,
olhavam para ela, ficaram curados" (Num. 21, 8).
O santo
Evangelho vê, neste fato, um símbolo tocante de Cristo, porque diz: "Como
Moisés levantou a serpente no deserto, assim o Filho do homem deve ser
levantado sobre a cruz" (Jo. 3, 14). Se a imagem da serpente de bronze
tinha a virtude de curar os israelitas e de preservá-los da morte, com maior de
razão, a piedosa contemplação do próprio Jesus curará as almas feridas, aflitas
e desanimadas.
A fim
de tornar muito eficaz este olhar para o divino Salvador, faze atos de fé em
sua presença real e no Sacrifício que ele oferece a seu Pai celeste, por nós,
pobres pecadores. Estes atos de fé valer-te-ão uma insigne recompensa.
"Bem-aventurados os que não viram e creram" (Jo. 20, 29). Estas
palavras podem bem se aplicar àqueles que têm uma fé viva na presença real de
Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento.
Tendo
adorado a Santa Hóstia, faze dela oferta ao Rei celeste. Já expusemos a virtude
deste ato; acrescentamos somente a seguinte palavra da Santa Gertrudes: "A
oblação da sagrada Hóstia é a mais eficaz satisfação por nossas culpas".
Com isso quer dizer que, pobres pecadores como somos, devemos concentrar todas
as forças de nossa alma, para oferecer a Deus a Hóstia santa, a fim de
obter-lhe o perdão e a misericórdia.
À
elevação da santa Hóstia, sucede a do Cálice sagrado, cerimônia igualmente
significativa. É então que o precioso Sangue corre, de maneira mística, sobre os
circunstantes, como se vê das palavras do missal: "Isto é o Cálice de meu
Sangue, do novo e eterno Testamento: mistério da fé que será derramado por vós
e por muitos, para o perdão dos pecados". Neste momento, recebes a mesma
graça como se estivesses, cheio de arrependimento, debaixo da Cruz no Calvário
e o precioso Sangue te inundasse.
Deus
disse, no Antigo Testamento, ao povo de Israel: "Imolai um cordeiro e
marcai, com seu sangue, as portas e os portais; e o Anjo exterminador passará a
porta de vossa casa, quando vir este sangue" (Ex. 12, 22). Se o sangue do
cordeiro pascoal preservou os israelitas dos golpes do Anjo exterminador, mais
poderosamente, o Sangue do Cordeiro sem mancha nos protegerá contra a raiva do
anjo das trevas que, como um leão rugidor, anda em redor de nós, procurando a
quem possa devorar.
Vejamos
ainda o que devemos fazer depois da elevação do Cálice. Muitas pessoas têm o
costume de rezar então cinco Padre-Nossos em honra das cinco chagas; excelente
prática, porém muito mal colocada. Outros que se sobrecarregam de orações,
continuam a fazê-las. Seria, infinitamente, melhor fazer o que faz o sacerdote;
pois, o Sacrifício nos pertence tanto quanto a ele. Apesar das ofertas
reiteradas antes da elevação, o sacerdote continua a oferecer depois. Nada
aliás poderíamos fazer mais agradável a Deus.
É por
isso que o sacerdote diz, depois de ter posto o Cálice sobre o altar: Por esta
razão, Senhor, nós, vossos servos, mas também vosso povo santo… oferecemos à
vossa augusta Majestade de vossos dons e dádivas, a Hóstia pura, a Hóstia
santa, a Hóstia imaculada, o Pão santo da vida eterna e o Cálice da salvação
perpétua".
Sanchez
diz destas palavras: "Em toda a Missa, o sacerdote não pronuncia palavras
mais consoladoras; pois, nem ele nem o povo poderiam fazer cousa melhor do que
oferecer a Deus o augusto Sacrifício". Compreende, portanto, como
prejudicas a teus interesses, substituindo esta preciosa oferta por tuas pobres
e tíbias orações.
Criaturas
indigentes que somos, desprovidos de méritos e virtudes, como não nos
apoderaríamos, avidamente, de imenso tesouro que podemos apresentar, como
sucesso, ao Pai celestial? E este tesouro, Deus no-lo dá em cada Missa, e, com
ele, nos entrega todas as suas riquezas, para que as empreguemos em saldar
nossas dívidas. Oferece, pois, a santa Missa, oferece-a ainda, oferece-a
sempre.
As
pessoas que não sabem ler os excelentes métodos de oferecer o santo Sacrifício,
contido nos formulários de orações, podem decorar a oração seguinte:
Meu
Deus, eu vos ofereço esta Santa Missa; ofereço-vos vosso caro Filho, sua
encarnação, seu nascimento, sua dolorosa paixão; ofereço-vos seu suor de
sangue, sua flagelação, sua coroação de espinhos, sua via sacra, sua
crucificação, sua morte, seu precioso Sangue. Ofereço-vos, para vossa maior
glória e a salvação de minha alma, tudo quanto vosso caro Filho fez, padeceu,
mereceu, e todos os Mistérios que ele renova nesta santa Missa. Amém.
Capítulo, 30. RESPEITO COM
QUE SE DEVE ASSISTIR À SANTA MISSA
Diz o
Concílio de Trento: "Se somos, forçosamente, obrigados a confessar que os
fiéis não podem exercer obra mais Santa nem mais divina do que este Mistério
terrível, no qual a Hóstia vivificadora, que nos reconciliou com Deus Pai, é,
todos os dias, imolada pelos sacerdotes, parece bastante claro que devemos ter
muito cuidado para fazer esta ação com grande pureza de coração e com a maior
devoção exterior possível". Estas palavras dizem respeito tanto aos fiéis
como ao celebrante.
O
historiador Flávio Josefo relata que, no templo de Salomão, setecentos
sacerdotes e levitas estavam ocupados, todos os dias, em imolar as vítimas, em
purificá-las, em queimá-las sobre o altar, e que isto se fazia com profundo silêncio
e perfeito respeito. Entretanto, estes sacrifícios eram somente símbolos do
Sacrifício da Santa Missa. Com que fervor, com que silêncio e atenção devemos
assistir, pois, ao sacrifício verdadeiro!
Os
primeiros cristãos nos deram admiráveis exemplos a este respeito. Segundo o
testemunho de São João Crisóstomo, ao entrar na Igreja, beijavam, humildemente,
o assoalho e guardavam, durante a Santa Missa, tal recolhimento que se julgava
estar em lugar deserto. Era de observar o preceito da liturgia de São Tiago:
"Todos devem se conservar no silêncio, no temor, no medo e no esquecimento
das coisas terrestres, quando o Rei dos reis, Nosso Senhor Jesus Cristo, vem
imolar-se e dar-se em alimento aos fiéis". São Martinho conformou-se,
exatamente, com esta recomendação.
Nunca
se sentava na igreja; de joelhos, ou em pé, orava com ar compenetrado de um
santo assombro. Quando lhe perguntavam pela razão desta atitude, costumava
dizer: "Como não temeria, visto que me acho em presença do Senhor?".
Como
outrora a Moisés, Deus poderia ainda dizer-nos hoje: "Tirai os sapatos de
vossos pés, porque o lugar onde estais é Santo". Mais santas ainda são as
nossas igrejas sagradas, com tanta profusão de unções e orações, e
santificações, cada dia, pela oblação do Santo Sacrifício.
Caro
leitor, David eleito de Deus, tremendo, aproximava-se da Arca da Aliança, e nós
não tremeríamos, ao entrar na igreja, onde se acha o Santíssimo Sacramento? Não
nos esqueçamos da severa advertência do Senhor: "Tremei diante de meu
santuário" e da exclamação de Jacó: "Quanto é terrível este lugar! É,
verdadeiramente, a casa de Deus e a porta dos céus" (Gen. 28, 17).
À vista
disto, que pensar dos cristãos que se comportam, na igreja e durante a Santa
Missa, como se estivessem na rua, ou em casa? Os Anjos adoram, tremendo e
prostrados, a divina Majestade, e entre os assistentes há cristãos que lançam,
aqui e acolá, olhares curiosos e provocadores; ocupam-se das pessoas presentes,
pensam nos negócios do mundo, nas suas vaidades, falam sem pudor em coisas
inúteis, talvez, más, semelhantes aos vendedores no templo que "faziam da
casa de oração uma casa de ladrões".
As
nossas igrejas são mais que uma casa de oração: são a casa de Deus, habitada
por Jesus Cristo, dia e noite.
Ora, se
o próprio Jesus expulsou, a chicote, os profanadores do templo, como tratará
estes cristãos audaciosos?
Dizes:
"É mister responder a quem interroga". - Não é proibido responder a
uma pergunta útil nem dizer uma palavra necessária; é proibido, conversar coisas
inúteis, fazer observações sobre o próximo, saudar-se mutuamente, como se
estivesse na rua, e outras coisas semelhantes que impedem seguir, atentamente,
a Santa Missa. Jesus Cristo nos preveniu: "Os homens darão conta, no dia
do Juízo, de toda palavra ociosa" (Mt. 12, 36). Ora, haverá palavras mais
inúteis do que as proferidas durante o tremendo Mistério do Altar?
São
Crisóstomo opina que os que falam e riem, durante a Santa Missa, merecem ser
fulminados na Igreja. Com esta ameaça, o santo Doutor aponta também os que, por
direito e dever, deveriam impedir as irreverências: os pais que não repreendem
nem corrigem os filhos dissipados; os mestres e amos que não vigiam a atitude
de seus alunos e criados.
Testemunhamos
ainda nosso respeito, assistindo à Santa Missa, de joelhos. São Paulo nos
convida, quando diz que, "ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu,
na terra e nos infernos" (Fl. 2, 10). Com mais razão ainda, devemos
guardar esta atitude durante a presença real do divino Salvador, isto é, desde
a elevação até a Comunhão. Muitas pessoas, homens sobretudo, têm o mau costume
de ficar em pé durante toda Missa; apenas inclinam-se à consagração para
levantar-se logo depois, como se Jesus não estivesse presente.
Quem
não puder permanecer de joelhos durante toda a Missa, poderia ficar em pé até o
momento da consagração e depois da Comunhão. A presença real de Nosso Senhor
torna também inconveniente o costume de muitas pessoas de sentarem-se, sem motivo
de força maior, imediatamente depois da elevação. Se estivessem na presença dos
grandes da terra, em alguma reunião mundana, a força não lhes faltaria, mesmo
para tomar atitudes muito mais penosas do que a de estar de joelhos!
A
piedosa imperatriz Leonor, esposa de Leopoldo I, assistia sempre, de joelhos, à
Santa Missa. Quando lhe aconselhavam poupar a saúde e servir-se duma cadeira de
braços, dizia: "Todos se inclinam diante de mim, pobre pecadora, ninguém
de minha corte ousaria sentar-se em minha presença, e teria eu a coragem de
faze-lo em presença de meu Deus e Criador?"
Aconselharíamos,
de boa vontade, às mães, que não trouxessem à Missa os pequenitos que, com os
choros, poderiam perturbar o silêncio e incomodar o sacerdote no altar: quanto
aos que estão bastante crescidos para aí ficarem quietos, é muito bom
conduzí-los.
Terminando,
reprovamos ainda outro deplorável abuso: o das senhoras e moças que vão à Missa
vestidas à última moda, às vezes bastante indecente para lugar tão santo. Estas
pessoas não medem a imensa dívida que contraem para com Deus. Jesus Cristo, do
alto da cruz, parece dizer-lhes: "Vê, minha filha, estou atado a este
lenho, inundado de sangue, coberto de chagas, para pagar o escândalo de teus
trajos inconvenientes. Tu, por ironia cruel, apareces aqui ostentando a
elegância; não te envergonhas de mostrar-te a meus fiéis? Toma cuidado para que
teu luxo e tua vaidade não te lancem ao fogo do inferno!"
A
garridice, o luxo é como um archote que acende desejos ilícitos até no coração
dos justos; que fogo não acenderá nos levianos e impuros! As pessoas adornadas
com tanto cuidado são sempre perigosas: desviam do altar a atenção dos homens e
são a causa de distrações e pensamentos criminosos. Quem prepara o veneno
comete um pecado mortal, mesmo que não o tome aquele a quem é destinado; o
mesmo acontece com estas pessoas: pecam pelo único fato de expor os outros à
tentação. Sua falta é ainda mais escandalosa, quando assim se apresentam na
Santa Missa.
Como
responderão por suas vítimas no dia do Juízo? Acrescenta a isso que são uma
ocasião de pecado para outras senhoras, a quem servem de figurinos de imitação.
Terminamos,
caro leitor, com uma súplica: […] lê e relê com atenção. Teu amor para o divino
Sacrifício e a Santa Comunhão crescerão, porque, de mais a mais, compreenderás
a excelência da Santa Missa, e o tesouro imenso que lucras, assistindo a ela
fielmente. Será, porém, na hora da morte, principalmente, que experimentarás
quanto o Senhor é bom para os que honram os sagrados Mistérios do Altar, ao
passo que os indiferentes e tíbios meditarão, num amargo, mas inútil
arrependimento, o prejuízo que fizeram a seus interesses eternos.
Rogamos
a Deus que, por Nosso Senhor Jesus Cristo, seu Filho único, e pela virtude do
Espírito Santo, esclareça a inteligência e fortifique a vontade dos que lerão
estas linhas, a fim de que aproveitem para sua alma e nos façam participar de
suas orações, no Santo Sacrifício.
BIOGRAFIA DO PADRE
MARTINHO DE COCHEM
Martinho
de Cochem nasceu em 1625 ou, como querem outros, em 1630, justamente na época
em que os terrores da célebre guerra dos Trinta Anos assolava a Alemanha.
Cochem é o nome duma pequena cidade, situada nas belas margens do Mosela onde,
pouco tempo antes do nascimento de Martinho, os padres capuchinhos haviam
construído um convento de sua Ordem.
Assim
foi que o jovem, desde criança, estimava e amava os bons religiosos, de sorte
que, tendo o consentimento de sua família, pediu-lhes o hábito de São
Francisco.
Feito
capuchinho, distinguiu-se pela extraordinária piedade e também pelo brilhante
resultado de seus estudos, de maneira que lhe foi confiada a cadeira de
teologia na Ordem.
Por
muitos anos, instruiu Martinho os seus jovens irmãos de hábito nos segredos da
ciência sagrada, até que, em 1666, o terrível espantalho da peste estendeu suas
asas negras sobre a Alemanha, vitimando milhares de pessoas, especialmente nas
vizinhanças do Reno. Cheios de zelo pela salvação das almas, os padres
capuchinhos saíram da solidão do convento para dedicar-se ao tratamento dos
doentes, e muitos desses santos homens deixaram a vida, mártires da caridade.
A
escola, onde lecionava frei Martinho, foi dissolvida, sendo os noviços, seus
discípulos, enviados para suas casas.
Martinho
aproveitou estas férias inesperadas e forçadas para escrever um catecismo
popular, no intuito de instruir o povo católico nos princípios da religião. E
com tanta felicidade saiu-se desta incumbência, que os Superiores lhe mandaram
renunciar definitivamente ao magistério e ocupar-se em editar livros e escritos
religiosos que estivessem ao alcance de todos.
Conhecendo
nesta ordem à vontade de Deus, frei Martinho dedicava-se, com grande zelo, aos
trabalhos da pena, editando numerosas obras, vivas testemunhas de que o seu
autor tinha profundo conhecimento das necessidades religiosas de seu tempo,
assim como do modo prático de remediá-las.
Seus
escritos salientam-se pela linguagem simples e ingênua, pelo jeito admirável de
falar ao coração humano, como também pela vivacidade e clareza do estilo.
Não
podia deixar de suceder que o nome do padre Martinho se tornasse célebre e
atraísse a atenção dos altos príncipes da Igreja. Com razão calculavam que o
homem que, em seus escritos, sabia, de modo tão insistente e enérgico, propor
ao povo o poder e a verdade da religião, ainda mais conseguiria pela força da
palavra, ensinando e iluminando o mundo pela luz de suas acrisoladas virtudes.
Eis o motivo por que os arcebispos de Mogúncia e Treveris o encarregaram de
pregar missões e de realizar a visita canônica em quase todas as freguesias de
suas dioceses.
Obediente
às ordens dos Superiores e pronto a sacrificar-se pela salvação das almas, ia
instruir o povo nas verdades de nossa santa religião, procurando transmitir,
com especialidade, a seus inúmeros ouvintes, pelo menos uma faísca daquela
devoção ao Santíssimo Sacramento que lhe abrasava o coração, e inspirando-lhes
o desejo ardente de assistir, com regularidade e devoção, ao Santo Sacrifício
da Missa, plenamente convictos de que o que se passa sobre o altar, não é senão
a repetição incruenta da morte do Salvador.
Assim
trabalhou incessantemente e sem cessar, até que, em idade avançada, foi chamado
pelo Retribuidor do Bem, falecendo aos 10 de Setembro do ano de 1712.