sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A Tibieza - Audiobook

MONS. ASCANIO BRANDAO

A Tibieza

Seus Sinais, Consequências, Remédios.



DUAS PALAVRAS

                Ao anunciar a ruína do templo e os últimos dias do mundo, Nosso Senhor predisse: E porque abundou a iniquidade se há de resfriar a caridade de muitos. (São Mateus 24,12.)

                Parecemos chegados a estes dias sombrios. Resfria-se a caridade, o fervor de tantas almas, enquanto a iniquidade cresce assustadoramente. A tibieza, é o grande flagelo. É o espinho mais doloroso do Coração de Jesus. Sobretudo a tibieza das almas consagradas a Deus, das almas outrora fiéis à graça.

                Não se presta bastante atenção à tibieza, esta mediocridade perigosa e funesta na vida espíritual. Daí tanta falsa piedade, e esta ausência do verdadeiro espírito evangélico, do sentido cristão na vida de muitos devotos e devotas. O espírito de sacrifício, o senso da responsabilidade, a seriedade, a tremenda seriedade da vida cristã de que fala Bossuet, tudo isto, anda ai tão esquecido, tão mal compreendido. Só almas fervorosas poderão salvar este mundo paganizado. Almas de elite. Almas de neve e corações de fogo no dizer do Padre Mateus. Mas elas são tão raras, tão raras, meu Deus!

                Que este livrinho seja uma centelha e provoque incêndios e ilumine algumas almas.

                Eu o consagro ao Divino Coração de Jesus, forna-lha ardentíssima de Amor.

                Coração de Jesus, todo abrasado de amor por nós, inflamai nosso coração nas chamas de vosso amor!. - Junho de 1937. - Monsenhor Ascãnio Brandão.



Capítulo I.
QUE É A TIBIEZA?

                A tibieza é uma doença espiritual e das mais graves e perigosas. É o verme roedor da piedade. Micróbio terrível! Infiltra no organismo espiritual, sem que o enfermo o perceba. Enfraquece a pobre alma. Amortece as energias da vontade. Inspira horror ao esforço. Afrouxa a vida cristã. Espécie de cansaço ou preguiça, diz Tanquerey, que não é ainda a morte, mas que a ela conduz sem se dar por isso, enfraquecendo gradualmente as nossas forças morais. Pode-se compará-la a estas doenças que definham, como a tuberculose, e consomem pouco a pouco algum dos órgãos vitais.

                É uma sonolência, um sistema de acomodações na vida espiritual.

                O tibio não quer lutar. Tem horror ao combate da vida cristã. Não compreende a palavra de Nosso Senhor no Evangelho: Eu não vim trazer a paz, mas a guerra!

                Guerra ao pecado, guerra às paixões, guerra à indiferença.

                Quem não é por mim, é contra mim!

                O tíbio não compreende este radicalismo sublime do Evangelho e da cruz. Numa palavra o define bem o Espírito Santo: é morno. Nem frio, nem quente.

                Nem o ardor da caridade, o fogo do amor, nem o gelo da descrença e da impiedade e da morte da alma.

                A tibieza é uma inércia espiritual. Um estado lamentável da alma.

                É a mediocridade que se contenta com não ofender a Deus pelo pecado mortal, mas não quer evitar o pecado leve, fugir do relaxamento na vida espiritual.

                Enfim, para defini-la com precisão e distingui-la do que a ela apenas se assemelha, como a aridez e outras provações da vida espiritual, vamos dar a sua definição.


“Definição”

                A tíbieza define-a o Santo Afonso pelo que a caracteriza: o pecado venial.

                A tibieza, diz o Santo Doutor, é o hábito do pecado venial plenamente voluntário.

                Guardemos bem esta definição.

                Para a tibieza essencial, são necessárias três condições:

1. O pecado venial plenamente voluntário;
2. O hábito do pecado venial voluntário;
3. A paz com este hábito e a ausência de esforços para se corrigir.

                Desde que falte uma destas condições, já não há tibieza propriamente dita.

                Uma alma talvez caia de vez em quando nalguma falta venial. Cai por fragilidade, por miséria. Emenda-se logo. Toma boas resoluções, corrige-se. Todavia é tão grande a fraqueza humana! Uma vez ou outra chora uma falta venial.

                Não é tibieza.

                Houve o pecado venial, mas não o hábito do pecado venial e muito menos ainda a paz com o pecado venial.

                Há esforço, generosidade, boa vontade, arrependimento sincero.

                O Padre Desurmont define a tibieza, comentando admiravelmente Santo Afonso: "A tibieza é o hábito não combatido do pecado venial, ainda que seja um só. É um hábito fundado num cálculo implícito: - Esta falta não ofenderá a Nosso Senhor gravemente, não me há de condenar. Pois vou cometê-la.

                É um ato dificílimo de se tirar completamente da alma. É um hábito muito espalhado sobretudo entre as pessoas que fazem profissão de piedade e entre as almas consagradas a Deus.


“Espécies de tibieza”

                A tibieza propriamente dita é a que definimos - o hábito do pecado venial voluntário e a paz com este hábito. Há, entretanto, outras espécies de tibieza.


1. - A tíbieza de fragilidade sem reflexão. Até os Santos experimentaram.

                Só a Virgem Imaculada não a teve. Nosso Senhor permite nos Santos algumas fragilidades e misérias, para conservar neles as virtudes fundamentais da humildade, a desconfiança de si, a compaixão para com as misérias alheias, o desapego da terra e o desejo do céu.

                Oh! os santos tiveram as suas pequenas fragilidades e misérias.

                Como se humilhavam!

                Um dia São Vicente de Paulo, num ato irrefletido de amor próprio, envergonha-se de um parente pobre!

                Como se humilhou perante seus irmãos por esta falta!

                Santa Teresinha, no leito de morte, sente-se pobrezinha e imperfeita com uma fragilidade: "Como sou feliz, diz ela, vendo-me tão imperfeita e com tanta necessidade da misericórdia do Bom Deus no momento da morte".

                Bernadette, o anjo de Lourdes, lamenta as suas imperfeições, a teimosia que a humilhava tanto.

                Santa Catarina Labouré - lamenta igual defeito.

                Guido de Fontgalland expia no leito de dores o que ele chamava as suas preguiças.

                Poderia multiplicar os exemplos.

                São as misérias inerentes a esta pobre natureza humana.

                A perfeição inteira e absoluta não se encontra neste mundo. O Concílio de Viena condenou o erro dos que afirmavam que o homem, nesta vida mesmo, pode adquirir um tal grau de perfeição, que se torna impecável e incapaz de progredir na virtude. Tal foi também o erro dos Iluminados.

                O Concílio de Trento é mais claro ainda. Condena quem disser que o homem pode, durante esta vida, evitar as mais pequeninas faltas, a não ser por um privilégio especial de Deus. E este privilégio só o teve Maria Santíssima. (Sessão 6, cânon 23.)

                A tibieza de fragilidade é inevitável. Não nos perturbemos com ela. Recorramos à oração, aos sacramentos e sobretudo à Santa Eucaristia, e nos purificaremos sempre destas fragilidades e misérias. Depois temos a Tibieza da vontade.


2. Tibieza da vontade. É, mais grave que a de fragilidade.

                É a vontade enfraquecida. Deus a permite para confusão de nosso orgulho e melhor nos convencer de nossa miséria. Um firme propósito, um gesto de arrependimento sincero, com a resolução de se vigiar com mais cuidado, e tudo está reparado.

                A tibieza de vontade é fàcilmente remediável.

                Finalmente a Tibieza do pecado venial.


3. Tibieza do pecado venial voluntário e habitual e é desta que aqui vimos tratando.


“Sinais da tibieza”

                Os sinais da tibieza em geral são os oito seguintes:


                1. Omissão fácil das práticas de piedade. A alma fervorosa tem a sua vida de piedade toda dirigida por um regulamento particular fácil de ser observado e bem criterioso.

                Não omite facilmente qualquer prática de piedade. É de uma fidelidade extrema, sobretudo à meditação. Se graves ocupações ou verdadeira necessidade a impedem, procura, logo que seja possível, suprir a falta. A alma tíbia sob qualquer pretexto omite os exercícios de piedade, passa dias sem meditação, e até mesmo sem práticas de piedade de qualquer espécie.

                Ora, isto é exatamente o contrário do fervor. "Não digo que isto prove tudo, diz o Padre Faher, mas prova muito. Seja como for, sempre que existir tibieza, existirá este sintoma".


                2. Fazer os exercícios de piedade com negligência. Na tibieza também há oração, missas, confissões, comunhões, terços, etc., mas a rotina vai inutilizando tudo. A rotina e a má vontade. Confissões e comunhões mal preparadas, orações com inúmeras distrações voluntárias. E o pior ainda a falta de generosidade e de todo esforço para se corrigir.


                3. Outro sinal de tibieza é a alma sentir-se aborrecida com o pensamento de que tudo vai mal na sua vida espiritual. Não se sente inteiramente à vontade com Deus. Não sabe exatamente onde está o mal, mas tem certeza de que tudo não está em ordem. É um mau estar, um aborrecimento interior. E, sem paz, o tíbio se agita inutilmente e vai deixando enraizar no coração o hábito do pecado venial.

                Este sinal anda sempre com os dois primeiros. Desde que faltou generosidade numa alma para ser fiel aos seus deveres de piedade, estas omissões e negligências acabam deixando-a num estado lamentável de aborrecimento das coisas santas e até de Nosso Senhor.


                4. O quarto sinal é agir sem pureza de intenção, sem ordem nem método. A pureza de intenção consiste em fazermos com um fim honesto e sobrenatural todas as ações de nossa vida: práticas de piedade, deveres de estado, trabalhos de cada dia ou qualquer coisa por mínima que seja. É aquele olhar interior sempre fixo em Deus e desviado das criaturas.

                Tudo fazer para a glória de Deus, e se submeter com espírito de fé e resignação.

                Eis a mais pura intenção que se pode imaginar, o mais elevado princípio e o mais perfeito ideal de uma alma fervorosa.

                Os santos não tinham outro motivo nem visavam outro fim na terra.

                Santa Madalena de Pazzi sentia-se arrebatada em êxtase, ouvindo esta palavra: - A vontade de Deus!

                Santo Inácio legou à Companhia de Jesus, como rica herança, o seu lema: - Tudo para a maior glória de Deus!

                A pureza de intenção é a alquimia celeste que transforma em ouro de méritos para o céu todas as nossas boas obras. Sem ela, perdemos cada dia riquezas incomensuráveis.

                A alma tíbia faz tudo por amor próprio e capricho, seguindo em tudo a natureza.

                É a leviandade, a preocupação da vontade própria, os cálculos muito humanos, a vaidade quando faz o bem, o desejo de agradar às criaturas e de aparecer.

                Anda à cata de louva minhas e aborrece o sacrifício oculto, a abnegação e outras virtudes que não brilham aos olhos das criaturas e constituem o segredo do Rei!

                E Deus recompensa as nossas ações, diz Santa Madalena de Pazzi, a peso de pureza de intenção.

                Oh! como a tibieza rouba e despoja a pobre alma, quando lhe arrebata a pureza de intenção!


                5. Contentar-se com a mediocridade e negligência em formar hábitos de virtude. Se a mediocridade já é desastrada na ciência, na literatura e na arte, o é em proporção verdadeiramente calamitosa quando se trata da prática da virtude.

                O medíocre não gosta da palavra: Santidade. Não compreende o heroísmo das almas generosas, a abnegação, o sacrifício. Para ele, a virtude heróica é o exagero!

                A santidade é um misticismo! E que entende por misticismo? Algo de loucura e de anormal.

                Contenta-se com o meio termo. E assim não se esforça por adquirir hábitos de uma virtude sólida.


                6. O desprezo das pequenas coisas. Os santos fugiam das menores imperfeições, e se purificavam cada dia das pequeninas faltas. O tíbio, não. Ri-se do que ele chama escrúpulo das almas fervorosas: - a fidelidade nas pequenas coisas.

                E não nos esqueçamos destas grandes verdades: primeira - os santos se tornaram santos pela repetição contínua duma multidão de ações insignificantes, pelo cuidado infatigável das pequeninas coisas. E segunda: - só fizeram eles grandes coisas quando chegaram à santidade.

                Os pequeninos sacrifícios ocultos, as pequeninas cruzes, as pequeninas virtudes, as pequeninas mortificações, tudo isto a cada dia, a cada minuto, aceito com generosidade, como santifica uma alma! É o caminho batido de Santa Teresinha, a pequenina via da Infância espiritual.

                Que fonte riquíssima de graças!

                A tibieza, porém, seca esta fonte, esteriliza a vida espiritual, sonha com êxtases e comete cada dia o pecado quase sem remorso. E os pecados veniais, sob o disfarce de pequeninas faltas inevitáveis à fraqueza humana, vão se multiplicando assustadoramente na alma e alimentando a tibieza até ao pecado mortal e, sabe Deus, até ao endurecimento do coração!

                É muito grave desprezar habitualmente as pequeninas coisas. São Gregório chega a dizer que se deve ter mais receio das pequenas faltas que das grandes. Porque estas provocam logo o arrependimento e causam horror; aquelas não assustam, e vão preparando surdamente a ruína espiritual. E, o que é pior, sem remorso da consciência, e até sob a capa da virtude.


                7. É pensar mais no bem já feito do que no bem que ainda resta a fazer.

                E. uma presunção que leva a descansar e afrouxar no caminho do sacrifício e da virtude, porque julga ter feito alguma coisa no passado para a salvação. Nada de esforço e generosidade. Nosso Senhor dizia no seu Evangelho que, depois de termos feito muito, deveríamos dizer: - somos servos inúteis.

                E prosseguir na luta, porque o ideal da perfeição é o Infinito: "Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito".

                A tibieza, como já dissemos, contenta-se com a mediocridade. Julga ter feito muito a alma tibia, porque no passado foi bem fervorosa e trabalhou pela sua santificação, lutou, praticou boas obras de zelo e de caridade, sacrificou-se na luta do bem. Agora, quer repouso. Descansa, não luta mais, deixa-se ficar na indolência e faz de seu coração o campo do preguiçoso.

                São Paulo pensava justamente o contrário: "Irmãos meus, não considero que alcancei o prêmio, mas uma coisa eu faço: esquecendo o que está atrás de mim, esforçando-me por alcançar o que está na minha frente, prossigo até ao alvo, para alcançar o prêmio para o qual me chamou do Alto por Cristo Jesus. Sejamos nós, quantos queremos ser perfeitos, do mesmo espírito". (Filipenses 3,13.)

                O tíbio não se compara aos mais santos e fervorosos, mas sempre se julga melhor do que tantos outros piores do que ele.

                E é assim que adormece tranquilamente. Não quer progredir na virtude.

                São Gregório compara a vida cristã a uma barca em que se navega contra a corrente. Quem sobe, há de remar sempre, ou é arrastado pela correnteza.

                Santo Agostinho, no seu estilo incisivo e claro, assim fala: - "se dizes: basta, estás perdido!"

                Sim, no dia em que se cruzam os braços na luta pela santificação da alma, tudo está perdido! Adeus, santificação, e talvez: Adeus, salvação eterna!

                São Bernardo pergunta: - Não quereis adiantar? Dizeis: - quero ficar e viver onde cheguei? Quereis o impossível!

                O demônio, diz Santa Teresa, conserva muitas almas no pecado ou na tibieza, fazendo-as crer que é orgulho aspirar à santidade.

                Que perigosa ilusão! Lembrem-se os tíbios, sobretudo se já receberam graças de Nosso Senhor, como por exemplo sacerdotes, religiosos e almas consagradas a Deus, oh! lembrem-se de que é terrível abusar da graça e muitas almas chamadas ti santidade, diz o Padre Desurmont, baseado em Santo Afonso, ou se salvam como santos ou arriscam a sua eterna salvação.

                Escreveu o Santo Doutor: Se alguém na vida religiosa (e poderíamos acrescentar: na vida de piedade) quer se salvar. mas não como santo, corre o risco de se perder.

                Todos estes sinais de tibieza andam em geral com este último e infalfvel:

                8. Pecado venial voluntário e habitual. Os outros sinais podem ser atenuados ou alguns falham, mas este é infalível. Onde existe o hábito do pecado venial, existe a tibieza com todo o cortejo de males e desgraças que ela acarreta à vida espiritual.


“O pecado venial”

                Embora em grau inferior, o pecado venial oferece, todavia, os mesmos caracteres de malícia que o pecado mortal.

                A rainha Maria Teresa de França, esposa de Luís 14, chorava uma falta venial. A delicada consciência da Princesa a deixava inconsolável.

                - Como?! - disseram-lhe - tanta lágrima, por uma falta leve, um pecado venial?!

                - Sim, pode ser venial, mas é mortal para o meu coração! Tudo quanto ofende a Nosso Senhor nunca é leve ou coisa de somenos importância para uma alma fervorosa.

                E o pecado venial é uma ofensa a Deus. Há nele três circunstâncias agravantes:

1 - Uma injúria à Majestade Divina;
2 - Revolta contra a Autoridade de Deus;
3 - Ingratidão à Bondade Eterna.

                Deus, em cuja presença estamos, é ofendido e por uma bagatela, um ato de preguiça, uma vaidade, uma desobediência!

                Não desprezemos o que fere tanto ao Sagrado Coração de Jesus!

                O pecado venial ofende a Deus. E não basta para que o aborreçamos?

                Seja venial, embora, mas sempre é mortal para nosso coração e para a delicadeza de nossa consciência.

                É uma injúria à Majestade Divina.

                Num dos pratos da balança colocamos a vontade de Deus e a sua glória, e no outro, o nosso capricho e nosso prazer, e ousamos preferi-los a Deus!

                Que ultraje! Diz Santa Teresa: É como se se dissesse: Senhor, apesar de esta oração Vos desagradar, não deixarei de a fazer. Não ignoro que a vedes, sei perfeitamente que a não quereis; mas prefiro a minha fantasia e a minha inclinação à vossa Vontade.

                E seria coisa sem importância proceder desta forma?

                "Quanto a mim, acrescentava a Santa, por mais leve que seja a falta em si mesma; acho pelo contrário que é grave e muito grave".

                Não cometamos o pecado venial deliberado sob o pretexto de que não ofende a Deus gravemente. É pecado, e basta isto, para ser objeto de nosso ódio.

                O pecado venial é uma revolta contra a Autoridade Divina.

                É como se disséssemos a Nosso Senhor: "Quero vos obedecer, Senhor, más quando esta obediência não me aborrecer e quando me agradar e quando eu bem quiser".

                Isto é obediência?

                Não é uma injúria e um desrespeito à Autoridade Divina?

                Mas, o que é mais triste no pecado venial é a ingratidão sem nome que ele encerra. Desta ingratidão queixou-se Nosso Senhor a Santa Margarida Maria, mostrando-lhe o seu Divino Coração rasgado pela lança e cercado de uma coroa de espinhos.

                Estes espinhos eram a imagem das almas ingratas, sobretudo almas consagradas a Deus que vivem na tibieza. São as que mais ferem o Sagrado Coração do Bom Jesus.

                Uma injúria à Majestade Divina. Uma revolta contra a Autoridade Divina. Uma ingratidão à Divina Bondade! Meu Deus! Meu Deus! Isto é leve?

                Oh! combatamos o pecado venial deliberado.

                "Eu me lançaria num oceano de chamas se fosse preciso, dizia Santa Catarina de Sena, para evitar um só pecado venial, e preferiria permanecer neste fogo a dele sair por um só pecado venial".

                Exagero? Não. Os Santos sabem melhor avaliar o que é uma alma, o que é um Deus ofendido e o que é uma eternidade que se arrisca!

                Estejamos prontos, se for preciso, a padecer e morrer, mas não cometer um só pecado venial! Oh! quem nos dera tão bela disposição!


“Castigos do pecado venial”

                O pecado venial é punido severamente pela Justiça Divina e tis vezes com terríveis castigos!

                A mulher de Lot se transforma em estátua de sal por um pecado venial de curiosidade. Moisés é privado da consolação de ver a terra prometida por um pecado venial de desconfiança. Quarenta e dois meninos, porque zombaram do profeta Eliseu, são punidos e mortos pelas feras. Ananias e Safira, fulminados por um pecado venial de mentira!

                E pode-se dizer ainda que o pecado venial é de pouca importância?

                Deus o castigaria assim com tanta severidade?

                São castigos temporais.

                Mais terríveis, porém, sãos os castigos espirituais.

                O pecado venial leva ao abuso da graça. E quando se abusa da graça, a fonte das graças vai secando!

                Ai! em que abismos se precipita quem abusa da misericórdia e esbanja o tesouro da graça!

                Cuidado! Tremei! Nada tão grave e de maior responsabilidade como o emprego da multidão de graças que Nosso Senhor nos prodigaliza cada dia!

                "As contas das graças, diz Santo Afonso, são mais severas quem dos próprios pecados!"

                E o pecado venial, sobretudo o hábito do pecado venial, eis ai também o estado de contínuo abuso da graça!

                E Deus ofendido, por castigo, retira a sua graça ou vai dá-la a outros.

                Haverá mais tremendo castigo?



Capítulo II.
CONSEQUÊNCIAS E MALES DA TIBIEZA

                A tibieza tem consequências funestas na vida espiritual e acarreta para alma os males do pecado venial.


1 - Aborrece Deus Nosso Senhor e o obriga a nos abandonar.

                Que terrível sentença aquela do Apocalipse! O Bispo de Laodiceia caíra na tibieza. E São João, em nome de Deus, lhe manda dizer: Eu conheço as tuas obras: porque não és frio nem quente. (Ap 3,15.)

                Conheço as tuas obras! Havia, pois, algum trabalho, alguma virtude naquele homem. Não era de todo mau. Mas... não era frio nem quente. Era tíbio, morno, frouxo, algo indiferente na obra da sua santificação.

                Faltava-lhe o fogo da caridade.

                E como o Senhor castiga, e com ele, a toda alma no lamentável estado de tibieza?

                "Antes fosses frio ou quente!"

                Como? Deus prefere também o gelo do pecado e da morte da alma à vida enlanguescida e agonizante da alma tíbia?...

                Sim! Antes fosses frio ou quente!

                E aí vem o castigo: Mas porque não és frio nem quente, eu começo a te vomitar de minha boca.

                Que castigo tremendo! Deus rejeita a alma tíbia como nosso estômago vomita a água morna ou um alimento que provoca náuseas.

                A tibieza aborrece a Nosso Senhor e o obriga a nos abandonar à nossa própria sorte, ao nosso capricho e orgulho, à nossa grosseira sensualidade.

                Não há maior castigo. É a mais funesta das consequências da tibieza e a origem de todos os males.

                Meditar o texto de S. João no Apocalipse e trazê-lo sempre na memória e gravá-lo no coração!


2 - A tibieza enfraquece a alma.

                E a enfraquece de três maneiras. Afasta-nos a graça, fortifica os inimigos da alma e abre o coração para aquele mau uso das criaturas de que nos fala Santo Inácio nos seus Exercidos espirituais.

                Na tibieza, a pobre alma contrai uma enfermidade perigosa que a vai depauperando dia a dia, e fazendo perder as energias.

                Quando São Tomás e Santo Afonso comparam a tibieza à tuberculose, dão bem uma ideia da gravidade daquele doente espiritual.

                O tuberculoso sente-se enfraquecer dia a dia, minado por uma febrezinha impertinente que o vai consumindo. A tibieza produz a febre do orgulho e do amor próprio, febre da vaidade, febre da sensualidade e de mil pequenas faltas e infidelidades. E a pobre alma vai caminhando para o túmulo do pecado mortal e do hábito do pecado.

                A estátua de Nabucodonosor era bela e gigantesca. Cabeça de ouro, peito de prata, ventre de bronze, pernas de ferro e pés de ferro, argila e barro.

                Rola uma pedrinha da montanha, e bate violentamente nos pés de barro. Toda a mole imensa da estátua veio a baixo.

                Bela estátua é a da alma no estado de graça!

                Mais rica e preciosa que a estátua de Nabucodonosor. Entretanto, às vezes, ai! tem o pedestal de uma matéria frágil: - o barro do pecado venial, o barro da tibieza. Aí vem uma pedrinha de uma ocasião perigosa, de uma tentação grave, e... rola toda uma vida de espiritual e se destrói todo um passado de virtudes até heróicas. O inferno bateu no ponto fraco, e venceu.


3 - A tibieza é o caminho do pecado mortal.

                Diz São Gregório: Ordinariamente não nos tornamos maus de repente. Não passamos subitamente do fervor ao pecado mortal. É mister uma escada, é a tibieza; um ponto de apoio: a tibieza. Se não desceis um degrau desta escada e dela fugis, estais salvos.

                A experiência demonstra que dificilmente se ficará muito tempo no hábito do pecado venial deliberado, sem se chegar ao pecado mortal. Não quer dizer isto que uma multidão de pecados veniais faça um pecado mortal; mas, a facilidade em cometer o pecado venial prepara a alma e a dispõe a cair facilmente no pecado mortal.

                Quem despreza as pequenas coisas, cairá pouco a pouco, diz o Espírito Santo. (Eclesiaste 19,1.)

                Aplicando este texto às almas tibias, diz um intérprete que as almas perdem em primeiro lugar a devoção. Depois vão passando das faltas leves, que consideram sem importância, às faltas graves, aos pecados mortais, e do estado de graça passam ao estado de pecado.

                Quem comete facilmente o pecado venial, dificilmente escapará dos pecados mortais, afirmam experimentados mestres da vida espiritual.

                "Por um justo castigo de Deus, diz Santo Isidoro, os que fazem pouco caso dos pecados veniais, das faltas leves, vêm a cair um dia nos maiores pecados".

                Santo Agostinho tem uma frase que deve merecer de nós sérias reflexões. O pecado mortal é, segundo ele, uma montanha que esmaga, que mata, e os pecados veniais, grãos de areia. Acontece, porém, que o desprezo das faltas leves faz com que a alma venha a perecer como estes infelizes, que morrem sufocados sob um montão de areia. É verdade que só o pecado mortal dá morte à alma, e os pecados veniais, por mais numerosos que sejam, não nos podem tirar a graça santificante.

                Mas, diz São Gregório, o hábito dos pecados veniais tira aos nossos olhos a malícia do pecado grave, e em breve não receamos mais passar das faltas mais leves aos maiores pecados.

                O mal da tibieza é tirar a sensibilidade, a delicadeza de consciência. E haverá um estado mais lastimável de alma que essa cegueira de coração?

                As crônicas do Carmelo contam que a Venerável Sórar Ana da Encarnação viu um dia no inferno uma alma que na terra foi tida como pessoa de certa virtude. Ora, a infeliz, no suplício eterno, tinha o rosto coberto de insetos que representavam as inumeráveis faltas veniais de que estava culpada. E destas, umas lhe diziam: Por nós começaste! E outras enfim: por nós te perdeste!

                Não é esta, porventura, a sorte de tantas almas? Numa visão terrível foi revelado a Santa Teresa o lugar que lhe seria reservado no inferno, se, desprezando a graça, se deixasse levar por uma falta leve, que depois, multiplicada, a levaria ao abuso da graça, ao pecado e à condenação final. Oh! e diz-se que o pecado venial é de pouca ou nenhuma importância! E vive-se e dorme-se tranquilamente no estado de tibieza! Que cegueira!


4 - A tibieza leva à cegueira espiritual.

                As moléstias corporais costumam ser imagem das moléstias da pobre alma.

                Se procurarmos uma imagem feliz da tibieza, encontrá-la-emos na cegueira. A tibieza é uma cegueira, escreve o piedoso oratoriano Padre Faber, cegueira que não conhece a si mesma, não suspeita o seu estado, nem admite que outros tenham melhor vista. É uma cegueira judicial, porque um dia houve em que viu melhor e agora não se lembra mais do que viu nem mesmo que tinha olhos.

                Esta cegueira vem de três causas: os pecados veniais frequentes, a dissipação do espírito e a paixão dominante. Sobretudo a paixão dominante. Esta é uma violência externa, que nos leva a fechar os olhos e conservá-los assim para nos lançar no abismo. E a consciência neste estado de cegueira se falsifica, não tem mais equilíbrio, não tem firmeza. Daí as trevas e que trevas espessas!

                E nesta escuridão, os maus instintos do espírito humano, diz ainda o Padre Faber, como corujas noturnas, se tornam mais animados e ativos. É um despertar de maus pensamentos, de paixões que já se julgavam mortas. Já não há mais aquele horror ao pecado. A moleza dos costumes, o comodismo, a vida sensual, leviandades repetidas, certa amargura secreta do próximo, faltas de caridade, mentiras, maledicências, enfim o orgulho e a sensualidade, aves noturnas agourentas, anunciam a morte próxima da infeliz alma tíbia.

                Finalmente, vejamos o pior dos males, a mais tremenda consequência da tibieza.


5 - A tibieza prepara a impenitência final.

                Será possível? dirá alguém.

                Sim, a experiência o tem provado mil vezes. Tibieza é o abuso da graça, e o abuso da graça teve quase sempre, como consequência última, a impenitência final.

                Com Deus não se brinca!

                Conheceis a palavra de São Paulo?

                A terra que bebe muitas vezes as águas da chuva e que só produz cardos e espinhos, está reprovada e próxima da maldição. Será entregue ao fogo e reduzida a cinzas. (Hb 6,7.) Deus nos chama, bate, bate mil vezes à porta do coração. É desprezado.

                Ai! um dia o candelabro da graça com todas as suas luzes será transportado para outro lugar: Eu mudarei teu candelabro. (Ap 2,5.) E ai! meu Deus! Pobre alma! O abismo da impenitência final a espera. E ela sorri presunçosa, dorme tranquila na inconsciência, na cegueira do seu lamentável estado!

                Conheceis a história dolorosa de Tertuliano? Um apologista famoso, um batalhador pela causa da Igreja! Uma obstinação, uma falta de docilidade à Igreja, e ei-lo na heresia e na heresia morre... Lamennais fulgurava com todo o seu talento na Igreja de França. Em torno deste homem, a flor do pensamento católico se congrega para ouvi-lo como a um oráculo. Que gênio! Diretor de almas como raramente se viu outro! Entretanto, um orgulho secreto de sábio o vai minando. A vaidade talvez de se sentir grande, admirado, um oráculo da Igreja de França.

                Havia nele uma tristeza que impressionava o Padre Lacordaire, seu amigo. Veio a provação, a hora da luta, a prova de fogo. Ei-lo revoltado, inimigo da Igreja, blasfemador, herege e apóstata.

                Até à hora da morte renega tudo quanto amou e pregou e defendeu com ardor. A sobrinha, toda aflita, lhe pergunta quase à hora da morte: - Meu tio, meu tio, queres um padre, não é? Um padre, meu tio... Lamennais, obstinado, responde com aspereza: - Não.

                Insiste a sobrinha.

                Não! não e não! deixem-me em paz! No dia seguinte, 27 de Fevereiro de 1854, às 9 horas da manhã, expirou o desgraçado na impenitência final.

                O que preparou tamanha ruína?

                Oh! sem dúvida a tibieza. Uma alma fervorosa não tocaria jamais assim o fundo do abismo.

                A história de muitas apostasias e escândalos que amarguram a Igreja, não teve muita vez a sua origem na tibieza! Ninguém cai de repente. Ninguém chega à impenitência final sem uma vida tíbia no começo.

                Eis as lamentáveis e muitas vezes irremediáveis consequências da tibieza.

                Despertemo-nos por amor de Deus, por amor da nossa pobre alma, despertemo-nos deste sono perigoso!

                Desanimar? Seria pior. Confiança! A confiança faz milagres. A enfermidade é gravíssima e parece mesmo incurável.

                Entretanto, um bom regime, um bom médico, um bom clima, a podem curar. O bom médico: um confessor zeloso e experimentado, bem santo e bem enérgico. O bom clima: um meio fervoroso, a companhia de almas piedosas e santas, uma atmosfera onde se respire o sobrenatural.

                E um bom regime: a volta decidida, enérgica, constante, às práticas de piedade. Custe o que custar. E a mortificação. Sobretudo o regime eficaz da oração. A oração mental. Principalmente a oração mental. E esta parece mesmo o remédio específico.


Capítulo III.
REM DIOS DA TIBIEZA

                A tibieza parece um mal incurável e o é realmente, não porque haja na vida espiritual doenças incuráveis, mas porque afeta a vontade, tornando-a fraca e rebelde, surda à voz da graça. E, geralmente, o tíbio não se considera como tal. Ignora o mal que o vai perdendo. E esta ignorância, esta obstinação, esta cegueira que acompanham a tibieza, a fazem um mal incurável. Entretanto a graça tudo pode.

                A cura da tibieza é um milagre, mas no mundo espiritual a graça opera milagres cotidianos. Alguns remédios apontam os autores para a salvação de uma alma tíbia.


1. O remédio: Descobrir a tibieza.

                Esta descoberta se faz pela meditação e o exame de consciência. Descobrir que somos tíbios é uma graça e das maiores e o presságio de uma cura miraculosa. Estaremos, porém, perdidos se não agirmos logo com vigor, com prontidão e energia ao fazermos esta assustadora descoberta. Ao perceber este estado de alma, logo sem demora recorrer à oração e mãos à obra.


2. O Remédio: Fazer o que foi omitido e fazê-lo bem.

                A omissão das práticas de piedade foi a causa da tibieza. Pois bem. É preciso fazer sem demora, com energia, tudo o que se omitiu, custe o que custar.

                É difícil! Sim, mas não é impossível. Experimentar pelo menos um dia, de fidelidade absoluta e intransigente a todas as práticas piedosas abandonadas. Há de se ver a dificuldade diminuir. Depois, entrar na luta contra a preguiça, a rotina, o mau hábito. Não obstante as muitas omissões, não desanimar. Nada tão dificil como voltar à prática dos exercícios da vida espiritual, sobretudo se de há muito vêm sendo omitidos. A custa de esforço, de luta e de oração se consegue alguma coisa. Oh! que ao menos não falte a boa vontade. Já é alguma coisa. Faça-se um pouco hoje, depois mais um pouco...

                Quem sabe? Coragem! Confiança!


3. O Remédio: Fazer tudo com método e com pureza de intenção.

                Para o método, nada melhor que um bom e criterioso regulamento particular, e neste marcar a hora da meditação e fazê-la custe o que custar. Com isto, é certo, se há de salvar o tibio. Tibieza e meditação não podem anda; juntas. Uma ou outra há de perecer. Diz o profeta David. Na meditação se abrasa o fogo da caridade, que é o fervor. Da pureza de intenção já falámos. Resta praticá-la, a Meditação cotidiana.


4. Remédio: Meditação cotidiana.

                Todos os outros exercícios de piedade, que o tíbio recomeça quando se esforça por sair do seu lastimoso estado, têm a sua eficácia. Nenhum, porém, como a meditação. Meia hora de meditação cotidiana, bem preparada, e bem feita, eis o remédio soberano e específico da tibieza. A meditação é o alimento substancial• do regime a que se deve submeter a alma enfraquecida pela tibieza. Disse, meditação bem feita. Sim, porque a tibieza é companheira inseparável da meditação sem preparação alguma, feita às pressas, sem método, com preguiça, sonolência e má vontade.

                O remédio há de ser bem preparado, bem dosado e bem tomado, para que seja eficaz. Se a receita não foi observada, o remédio poderá curar?

                Insisto: Meditação bem feita!

                Seja por que método: Sulpiciano, Inaciano ou Afonsiano, mas... torno a repetir: - Meditação bem feita!


5. O Remédio: Uma penitência depois de cada falta.

                Examinar qual o pecado venial que me retém escravo da tibieza e castigá-lo toda vez depois de cometido.

                Uma penitência para cada pecado. Não perdoá-lo. A natureza é um cão.

                Ladra, ameaça quando corremos medrosos. Um gesto de energia, um grito, uma bordoada, e ei-lo abatido, humilhado, a correr de nós. Sem penitência não se sai da tibieza. A mortificação e a meditação andam juntas e constituem aquele espírito de oração e de penitência de que nos fala o profeta.


6. O Remédio: A mortificação.

                Custa muito, é verdade. A tibieza caracteriza-se também pelo horror ao espírito de mortificação.

                Mortificai vossos membros, diz o Apóstolo São Paulo, trazei a mortificação de Jesus Cristo em nosso corpo. (Colossense 3,5.)

                A mortificação é a vida do Evangelho em ação e a imitação da vida de Jesus Cristo. Querer sacrificar-se sem mortificação é querer o impossível. "Se alguém desaprova a penitência, diz São João da Cruz, não lhe deis crédito, ainda que faça milagres".

                As pequenas mortificações cotidianas são remédio também para as pequenas faltas cotidianas. Contraria, contrarieis. Espírito de sacrifício no cumprimento do dever. Custa a meditação? Fazei-a por mortificação. Custa a oração um dever penoso? custa deixar alguma sensualidade? Mortificai-vos um pouco. E vereis a transformação que em breve se fará em vossa alma. A mortificação com a oração, eis o remédio soberano da tibieza.


7. O Remédio: Confissões e Comunhões bem preparadas.

                Rigoroso exame de consciência antes da confissão. A confissão do tíbio é rotineira e mal feita. Procura sempre um confessor muito brando e suave. Não gosta de uma palavra enérgica e severa no tribunal da penitência. Disfarça os seus pecados. Não procura uma sólida direção espiritual. Não costuma ter um confessor fixo. Confessar-se não é para o tíbio uma mudança de vida, um firme propósito de não mais pecar: é arranjar uma absolvição para poder comungar.

                Daí almas que no mundo e na vida religiosa se confessam durante anos e anos, quase toda semana, e vivem, entretanto, no mais lamentável estado de tibieza. Ai! O Sangue de Jesus Cristo no Tribunal sagrado não é aproveitado!

                Depois, as Comunhões sem devida preparação, sem fé, sem amor. Comunhões por rotina. Ações de graças lidas às carreiras em manuais de devoção. Nem sequer um pensamento sério, bem meditado. da Presença real de Nosso Senhor na hóstia consagrada! Pobre Jesus! Que sepulcros gelados não acha Ele todo dia no coração de tantas almas tíbias!

                Para sair da tibieza, a Santa Comunhão, que, no dizer do Concílio de Trento, é o antídoto da faltas cotidianas, é um remédio eficaz. Mas há de ser bem preparada. A leitura espiritual, as jaculatórias, um pensamento eucarístico à noite, ao deitar, e sobretudo uma vida isenta de pecado e em luta contra o pecado, eis aí uma excelente preparação para as nossas Comunhões. Tirar da rotina a confissão e a Comunhão é um passo decisivo para sair da tibieza.


8. O Remédio: A devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

                "As almas tíbias tornar-se-ão fervorosas", prometeu Nosso Senhor a Santa Margarida. É o grande milagre, o perene milagre desta devoção. O Sagrado Coração é uma fornalha de amor, é fogo, e fogo puro da Divina Caridade. Jaculatórias ao Divino Coração. A sua imagem diante de nós, conosco em toda parte. Falar desta devoção, propagâ-la, estudâ-la. Oh! não encontro meio tão eficaz e poderoso para arrancar uma alma da tibieza. Leituras sobre o Coração de Jesus, o Exercício da Hora-Santa, a entronização. Oh! como tudo isto abrasa o coração ainda mais gelado e faz milagres de conversões.

                Tomar a peito fazer uma novena ao Sagrado Coração de Jesus, para sair da tibieza. Fazê-la custe o que custar com uma leitura apropriada, por exemplo: a história das Aparições a Santa Margarida Maria ou a vida desta discípula predileta do Coração de Jesus. Ler este livro de fogo do Padre Mateu Crawley que eu desejava ver em muitas mãos: "Jesus, Rei de Amor".

                E sobretudo, mais do que tudo, ler e reler o Evangelho, as cenas tocantes do Evangelho, onde aparece, onde brilha a misericórdia do Coração de Jesus. Oh! o nosso coração é matéria inflamável. Não resistirâ muito tempo às chamas do Amor sem nelas se abrasar. E o Coração de Jesus nos põe junto ao braseiro da • caridade. Quando os judeus foram levados ao cativeiro de Babilônia, os sacerdotes esconderam o fogo sagrado num poço. De volta, Neemias só encontrou lama. Com esta, regou a lenha e as vítimas do sacrifício; e as expôs ao sol.

                E o sol as acendeu e queimou. Estava aceso de novo o fogo sagrado. A nossa vida espiritual talvez era o fogo sagrado do amor no templo vivo do Divino Espírito Santo, que somos todos nós, os cristãos batizados. Lançamos este fogo no poço da tibieza e ele se fez lama.

                E agora? O remédio? Vamos ao sacerdote, o Neemias da Lei do Amor. Uma boa e sincera confissão. Depois, expor a lama de nossa pobre vida aos raios do sol do Coração de Jesus e pedir, rogar, bradar que ele consuma tudo e acenda de novo o fogo da caridade, o fogo sagrado sem o qual não pode viver nossa alma, templo do Espírito Santo. O sol do Coração de Jesus fará este milagre.


9. O Remédio: O Rosário de Nossa Senhora.

               Pois já não falamos das práticas de piedade como remédio da tibieza? Porventura o rosário não é uma delas? Sim, mas é uma especialissima devoção e vejo nela um remédio à parte, além dos mais.

                Ao Bem-aventurado Alano da Rocha, como antes a São Domingos, prometeu a Virgem Santíssima muitas graças a quem rezasse o seu saltério. Entre as quinze promessas tão conhecidas para os devotos do Rosário, estão estas: "O Rosário, disse Nossa Senhora, fará reflorescer as virtudes, fará conseguir misericórdia para as almas. Atrairá os corações dos homens para o céu e os levará do amor do mundo ao amor de Deus e os elevará aos desejos das coisas eternas".

                Não é fervor o que nestas palavras Nossa Senhora promete aos devotos do Rosário?

                Recitai bem o terço, e, se possível, o Rosário todos os dias. Recitai-o como for possível, pedindo o fervor. Nossa Senhora vos concederá esta graça.

                E a devoção ao Rosário é um grande sinal de predestinação, diz Nossa Senhora, na última promessa feita ao Beato Alano da Rocha. A verdadeira devoção do Rosário, tal como ela deve ser praticada, isto é, com a meditação dos mistérios, é um remédio eficacíssimo na cura da tibieza. E o é justamente porque tem um duplo caráter de oração mental e vocal. O Rosário salva os pecadores e faz o milagre de converter os tíbios.

                Rezai-o bem, com atenção e perseverança. Vereis que maravilhas ele realizará em vossas almas, piedosos leitores. Eis aí a terapêutica espiritual a ser empregada na gravíssima enfermidade da tibieza. Coragem, vamos aos remédios.

                A enfermidade é grave, e quase incurável, sim; mas a Divina Misericórdia pôs em nossas mãos recursos para tratá-la. Diz-se que é incurável a tibieza. E é verdade, mas só quando não se empregam energicamente os meios de combatê-la.


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