OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
DOM PROSPER GUERANGER Abade de Solesmes
EDITORA PERMANÊNCIA 2007
“O DOM DO TEMOR”
O nosso obstáculo ao bem é o orgulho. O orgulho
nos leva a resistir a Deus, a pôr o nosso fim em nós mesmos, em uma palavra, a nos
perder. Só a humildade pode nos salvar de tão grande perigo. Quem nos dará a humildade?
O Espírito Santo, derramando em nós o Dom do Temor de Deus. Esse sentimento repousa
na idéia da majestade de Deus que a fé nos dá, em presença da qual nada so-mos;
na idéia da sua santidade infinita, diante da qual não passamos de indignidade e
escória; do julgamento soberanamente eqüitativo que ele deve exercer sobre nós ao
sairmos desta vida e do perigo de uma queda sempre possível, se faltarmos à graça,
que nunca nos falta, mas à qual podemos resistir.
A salvação do homem se opera, pois, "com temor
e tremor", como ensina o Apóstolo; mas este temor que é um dom do Espírito
Santo, não é um sentimento grosseiro que se limitaria a nos lançar no horror da
consideração dos castigos eternos. Ele nos mantém com a compunção do coração, mesmo
quando nossos pecados já foram há muito tempo perdoados; ele nos impede de esquecer
que somos pecadores, que devemos tudo à misericórdia divina e que só estamos salvos
na esperança.
O Temor de Deus não é um temor servil; ao contrário,
se torna a fonte de sentimentos mais delicados. Pode-se aliar ao amor, não sendo
mais do que um sentimento filial que abomina o pecado por causa do ultraje que este
comete a Deus. Inspirado pelo respeito à majestade divina, pelo sentimento da santidade
infinita, põe a criatura em seu verdadeiro lugar, São Paulo nos ensina que o temor,
assim purificado, contribui para "o aperfeiçoamento da santificação".
Escutemos também esse grande Apóstolo, que foi arrebatado até o terceiro céu, confessar
que é rigoroso consigo mesmo "a fim de não ser reprovado".
O espírito de independência e de falsa liberdade
que reina hoje em dia contribui para tornar mais raro o Temor de Deus e aí está
uma das chagas do nosso tempo. A familiaridade com Deus toma, na maior parte das
vezes, o lugar dessa disposição fundamental da vida cristã e, desde então, cessa
todo progresso, a ilusão se introduz na alma e os divinos Sacramentos, que no momento
de uma volta para Deus tinham operado com tanto poder, tornam-se quase estéreis.
É que o dom do Temor foi abafado pela vã complacência da alma consigo mesma. A humildade
se extinguiu; um orgulho secreto e universal veio paralisar os movimentos desta
alma. Ela chega, sem perceber, a não mais conhecer a Deus, pelo próprio fato de
não tremer mais diante dele.
Conservai em nós, ó Divino Espírito, o dom do Temor
de Deus que nos foi derramado no nosso batismo. Este temor salutar assegurará nossa
perseverança no bem, detendo os progressos do espírito de orgulho. Que ele seja
como uma trave que atravessa nossa alma de lado a lado e que fique sempre fixada
como nossa salvaguarda. Que abaixe nossa altivez, que nos arranque da indolência,
nos revelando sem cessar a grandeza e a santidade Daquele que nos criou e que nos
deve julgar.
Sabemos, ó Divino Espírito, que esse feliz Temor
não abafa o amor; longe disso, afasta os obstáculos que o deteriam em seu desenvolvimento.
As Potestades celestes vêem e amam com ardor o soberano Bem, elas são inebriadas
pela eternidade; no entanto tremem diante da terrível majestade, tremunt Potestates.
E nós, cobertos das cicatrizes do pecado, cheios de imperfeições, expostos a mil
armadilhas, obrigados a lutar contra tantos inimigos, não sentimos que é preciso
estimular por um temor forte e ao mesmo tempo filial, nossa vontade que adormece
tão facilmente, nosso espírito tomado por tantas trevas! Velai por Vossa obra, ó
divino Espírito! Preservai em nós o Dom precioso que Vos dignastes dar-nos; ensinai-nos
a conciliar a paz e a alegria do coração com o Temor de Deus, segundo a advertência
do Salmista:
"Serve o Senhor com temor e exulta de felicidade
tremendo diante dele".
“O DOM DA PIEDADE”
O dom do Temor de Deus destina-se a curar em nós
a chaga do orgulho; o dom da Piedade é derramado em nossas almas pelo Espírito Santo
para combater o egoísmo, que é uma das paixões más do homem decaído por causa do
pecado original, e o segundo obstáculo à sua união com Deus. O coração do cristão
não deve ser nem frio nem indiferente; é preciso que seja terno e devotado; do contrário
não poderá se elevar à via para a qual Deus, que é amor, dignou-se chamá-lo.
Assim o Espírito Santo produz no homem o Dom da
Piedade, inspirando-lhe um retorno filial para seu Criador. "Vós recebestes
o Espírito de adoção, nos diz o Apóstolo, e é por este Espírito que gritamos para
Deus: Pai! Pai!". Essa disposição torna a alma sensível a tudo o que toca a
honra de Deus. Faz o homem alimentar em si mesmo a compunção de seus pecados, tendo
em vista a infinita Bondade que se dignou suportá-lo e perdoá-lo e o pensamento
dos sofrimentos e da morte do Redentor. A alma iniciada no dom de Piedade deseja
constantemente a glória de Deus; quer pôr todos os homens a seus pés e os ultrajes
que Ele recebe lhe são particularmente sensíveis. Sua alegria é ver o progresso
das almas no amor e as devoções que este amor lhes inspira por Aquele que é o soberano
Bem. Cheia de submissão filial para com o Pai universal que está nos céus, essa
alma está pronta para todas as suas vontades. Resigna-se de coração com todas as
disposições de sua Providência.
Sua fé é simples e viva. Mantém-se amorosamente
submissa à Igreja, sempre pronta a renunciar às suas próprias idéias e àquelas mais
caras, se estas afastam-se de alguma forma de seu ensinamento ou de sua prática,
tendo um horror instintivo da novidade e da independência.
Essa devoção para com Deus que o dom de Piedade
inspira, unindo a alma a seu Criador pela afeição filial, a une, também, com uma
afeição fraternal, a todas as criaturas, já que estas são obra do poder de Deus
e que as são para Ele.
Em primeiro lugar, nas afeições do cristão animado
pelo dom de Piedade, estão as criaturas glorificadas, das quais, Deus goza eternamente
e as quais gozam Dele para sempre. Ama ternamente a Santíssima Virgem Maria e é
zeloso de sua honra; venera com amor os santos e os atos heróicos de virtude realizados
pelos amigos de Deus; delicia-se com seus milagres, honra religiosamente suas relíquias
sagradas.
Mas sua afeição não é apenas pelas criaturas coroadas
no céu; aquelas que ainda estão aqui embaixo ocupam um lugar importante em seu coração.
O dom de Piedade faz com que ele encontre nelas o próprio Jesus. Sua boa vontade
para com seus irmãos é universal. Seu coração está inclinado ao perdão das injúrias,
a suportar as imperfeições do outro, a desculpar as imperfeições do próximo. É compassivo
para com o pobre, solícito aos pés do doente. Uma doçura afetuosa revela o fundo
do seu coração e em suas relações com os irmãos da terra, o vemos sempre disposto
a chorar com os que choram, a se alegrar com os que se alegram.
Tal é, ó Divino Espírito, a disposição daqueles
que cultivam o dom de Piedade que derramais em suas almas. Por esse inefável benefício,
neutralizais o triste egoísmo que afloraria em seus corações, livrando-os de uma
frieza odiosa que torna o homem indiferente a seus irmãos e fechais suas almas à
inveja e ao ódio. Para isso, só foi preciso esta piedade filial para com seu Criador;
que amoleceu seus corações, fundindo-os com uma viva afeição por tudo o que sai
das mãos de Deus. Fazei frutificar em nós este Dom tão precioso, ó Divino Espírito!
Não permitais que ele seja abafado pelo amor de nós mesmos.
Jesus nos encorajou dizendo-nos que seu Pai Celeste
"faz o sol nascer sobre os bons e os maus"; não permitais, Divino Paráclito,
que uma tão paternal indulgência seja um exemplo perdido para nós e dignai-Vos desenvolver
em nossas almas o germe de devoção, de benevolência e de compaixão que Vos dignastes
infundir no momento em que delas tomastes possessão pelo santo batismo.
“O DOM DE CIÊNCIA”
A alma, estando desligada do mal pelo Temor de
Deus e aberta às nobres afeições pelo dom de Piedade, experimenta a necessidade
de saber como evitará aquilo que é objeto de seu temor e como encontrará o que deve
amar. O Espírito Santo vem em seu socorro e lhe trás o que deseja, derramando nela
o dom de Ciência. Por este Dom precioso a verdade lhe aparece, ela sabe o que Deus
pede e o que reprova, o que deve procurar e do que deve fugir. Sem a Ciência divina
nossa vista corre o risco de perder-se por causa das trevas que muitas vezes obscurecem
totalmente, ou em parte, a inteligência do homem. Essas trevas são provenientes,
primeiramente, do fundo de nós mesmos, que carrega os traços, bem reais, da decadência
do pecado original. São ainda causadas pelos preconceitos e máximas do mundo que
enganam diariamente os espíritos que se crêem os mais retos.
Enfim, a ação de Satã, que é o príncipe das trevas,
exerce-se em grande parte com o fim de envolver nossa alma na obscuridade ou perdê-la
com a ajuda de luzes falsas.
A fé que nos foi infundida no batismo é a luz de
nossa alma.
Pelo dom de Ciência, o Espírito Santo produz, na
virtude da fé, raios tão vivos, que dissipam todas as trevas. As dúvidas, então,
se esclarecem, o erro se desvanece e a verdade aparece com todo seu fulgor. Vemos
cada coisa na sua verdadeira claridade que é a claridade da fé. Descobrem-se os
deploráveis erros que estão em curso no mundo, que seduzem tão grande número de
almas, dois quais, talvez tenhamos sido, nós mesmos, durante muito tempo, vítimas.
O dom de Ciência nos revela o fim que Deus se propôs
na criação, aquele fim fora do qual os seres não poderiam encontrar nem o bem nem
o repouso. Ensina o uso que devemos fazer das criaturas, que nos são dadas não para
tropeço, mas para nos ajudar em nossa marcha para Deus. Sendo-nos, assim, manifestado
o segredo da vida, nossa estrada torna-se segura, não hesitamos mais e nos sentimos
dispostos a nos retirar de todo caminho que não nos conduza àquele fim.
É esta Ciência, dom do Espírito Santo, que o Apóstolo
tem em vista quando, falando aos Cristãos diz: "Antes éreis trevas; agora sois
luz no Senhor: andeis agora como filhos da luz". Daí vem a firmeza e a segurança
da conduta cristã. A experiência pode faltar algumas vezes e o mundo se perturba
com o pensamento de dar algum temível passo em falso; mas o mundo não conta com
o dom de Ciência. "O Senhor conduz o justo por vias retas e para assegurar
seus passos lhe deu a Ciência dos santos". Todos os dias esta lição é dada.
O Cristão, por meio da luz sobrenatural, escapa a todos os perigos e, se não tem
experiência própria, tem a experiência de Deus.
Seja bendito, Divino Espírito, por essa luz que
derramais e mantendes em nós com tão amável perseverança. Não permitais que nunca
procuremos uma outra. Somente ela nos baste; fora dela só há trevas. Guardai-nos
das tristes inconseqüências em que muitos se deixam levar imprudentemente, aceitando
um dia vossa conduta e depois se entregando às opiniões do mundo; levando uma vida
que não satisfaz nem ao mundo nem a Vós. Precisamos, pois, amar esta Ciência que
nos destes para que sejamos salvos; o inimigo de nossas almas inveja em nós essa
Ciência salutar; quer substituí-la por suas sombras. Não permitais, Divino Espírito,
que ele consiga seu pérfido desígnio e ajudai-nos sempre a discernir o que é verdadeiro
do que é falso, o que é justo do que é injusto.
Que segundo a palavra de Jesus, nosso olhar seja
simples, afim de que nosso corpo, quer dizer o conjunto de nossos atos, de nossos
desejos e de nossos pensamentos, esteja na luz; salvai-nos daquele olho que Jesus
chama de mau e que torna tenebroso o corpo inteiro.
“O DOM DA FORÇA”
O dom de Ciência nos ensina o que devemos fazer
e o que devemos evitar para estar de acordo com as intenções de Jesus Cristo, nosso
divino Chefe. É preciso agora que o Espírito Santo estabeleça em nós um princípio,
do qual possamos tomar a energia que deverá nos sustentar no caminho que Ele acaba
de nos mostrar. Devemos, com efeito, contar com obstáculos e, o grande número daqueles
que sucumbem basta para nos convencer da necessidade de sermos ajudados. O socorro
que o divino Espírito nos comunica é o dom da Força pelo qual, se somos fiéis ao
empregá-lo, será possível e mesmo fácil para nós triunfar sobre tudo o que possa
deter nossa marcha.
Nas dificuldades e nas provações da vida, o homem
é tanto levado à fraqueza e ao abatimento, quanto empurrado por um ardor natural,
que tem sua fonte no temperamento ou na vaidade. Esta dupla disposição pouco ajudará
na vitória dos combates pelos quais a alma deve passar para sua salvação. O Espírito
Santo trás então um novo elemento como força sobrenatural, que lhe é tão próprio,
que o Salvador, ao instituir seus Sacramentos, estabeleceu dentre estes um que tem
por objeto especial nos dar esse Espírito divino como princípio de energia. Está
fora de dúvida que tendo de lutar durante esta vida contra o demônio, o mundo e
nós mesmos, precisamos de outra coisa para resistir além da pusilanimidade ou da
audácia.
Temos necessidade de um dom que modere em nós o
medo e que, ao mesmo tempo, tempere a confiança que seríamos levados a ter em nós
mesmos. O homem assim modificado pelo Espírito Santo certamente vencerá, pois a
graça substituirá nele a fraqueza da natureza ao mesmo tempo em que corrigirá a
impetuosidade.
Duas necessidades encontram-se na vida do cristão:
a de saber resistir e a de saber suportar. O que poderia se opor às tentações de
Satã, se a Força do divino Espírito não viesse cobri-lo de uma armadura celeste
e fortalecer seu braço? O mundo não é também um adversário terrível, se considerarmos
o número de vítimas que caem todos os dias pela tirania de suas máximas e de suas
pretensões? Qual não deve ser a assistência do divino Espírito, quando se trata
de tornar o cristão invulnerável aos golpes assassinos que fazem tantos estragos
à sua volta?
As paixões do coração do homem não são um obstáculo
menor à sua salvação e à sua santificação: obstáculo tanto mais temível por que
mais íntimo. É preciso que o Espírito Santo transforme o coração, que o leve mesmo
a renunciar-se, quando a luz celeste indique um outro caminho para o qual nos empurra
o amor e a busca de nós mesmos. Que Força divina não é preciso para "odiar
até a sua própria vida", quando Jesus Cristo o exige, quando se trata de escolher
entre dois mestres cujos serviços são incompatíveis?
O Espírito Santo, todos os dias, realiza esses
prodígios, por meio do dom que derrama em nós, se não o desprezamos, se não o abafamos
com nossa covardia ou com nossa imprudência. Ele ensina ao cristão a dominar suas
paixões, a não se deixar conduzir por guias cegos, a não ceder a seus instintos,
a não ser, quando são conformes à ordem que Deus estabeleceu. Algumas vezes esse
divino Espírito não pede somente que o cristão resista interiormente aos inimigos
de sua alma, mas exige também que proteste abertamente contra o erro e o mal, se
o dever de estado ou a posição o reclamam. É aí, então, que é preciso afrontar uma
espécie de impopularidade que se associa às vezes ao cristão, e que não deve surpreendê-lo
ao lembrar-se das palavras do Apóstolo: "Se eu fosse agradável aos homens,
não seria servidor de Cristo".
Mas o Espírito Santo não falta nunca e quando encontra
uma alma resolvida a fazer uso da Força divina da qual Ele é a fonte, não somente
lhe assegura o triunfo, mas a estabelece numa paz cheia de doçura e de coragem que
a leva à vitória sobre as paixões.
Tal é a maneira pela qual o Espírito Santo aplica
o dom de Força no cristão, quando este deve exercer resistência. Dissemos que este
precioso Dom trazia ao mesmo tempo a energia necessária para suportar as provações
cujo prêmio é a salvação. Há temores que gelam a coragem e podem levar o homem à
sua perda. O dom de Força os dissipa, substituindo-os por uma calma e uma segurança
que desconcerta a natureza. Vejam os mártires! E não só um São Mauricio, chefe da
legião Tebana, acostumado às lutas do campo de batalha, mas tantos outros, como
Felicidade, mãe de sete filhos, como Perpétua, nobre senhora de Cartago para quem
o mundo só tinha favores; como Inês, criança de treze anos, bem como milhares de
outras, e digam se o dom da Força é estéril em sacrifícios.
O que foi feito do medo da morte, desta morte cujo
único pensamento nos acabrunha muitas vezes? E as generosas ofertas de toda uma
vida imolada na renúncia e nas privações, a fim de encontrar Jesus sem reserva e
de seguir suas pegadas de mais perto? E tantas existências veladas aos olhares distraídos
e superficiais dos homens, existências cujo elemento é o sacrifício, onde a serenidade
nunca é vencida pela provação, onde a cruz sempre reinante é sempre aceita! Que
troféus para o Espírito de Força! Que dedicação ao dever ele sabe produzir! E se
o homem sozinho é pouca coisa, o quanto é engrandecido sob a ação do Espírito Santo!
É ainda Ele que ajuda ao cristão a enfrentar a
triste tentação do respeito humano, elevando-o acima das considerações mundanas
que ditariam uma outra conduta. É Ele que empurra o homem a preferir às honras vãs
do mundo, a alegria de não ter violado o mandamento de seu Deus. É esse Espírito
de Força que nos faz aceitar as desgraças da fortuna assim como tantos desígnios
misericordiosos do céu, que sustentam o cristão na perda dolorosa dos entes queridos,
nos sofrimentos físicos que tornariam a vida um fardo, se não soubesse que são visitas
do Senhor. É Ele enfim, como lemos na Vida dos Santos, que se serve das próprias
repugnâncias da natureza, para provocar atos heróicos onde a criatura humana parece
atravessar os limites de seu ser para elevar-se à ordem dos espíritos impassíveis
e glorificados.
Espírito de Força, permanecei cada vez mais em
nós e salvai-nos da indolência desse século. Em época nenhuma a energia das almas
esteve mais enfraquecida, o espírito mundano e diabólico mais triunfante, o sensualismo
mais insolente, o orgulho e a independência mais pronunciados. Saber ser forte contra
si mesmo é uma raridade que excita o espanto daqueles que o testemunham: como as
verdades do Evangelho perderam terreno! Detei-nos sobre esse declive que nos levaria
como a tantos outros, ó Divino Espírito! Deixai que peçamos como São Paulo aos cristãos
de Éfeso e que ousemos reclamar de Vossa liberalidade "a armadura divina que
nos porá em condições de resistir no dia mau e de permanecermos perfeitos em todas
as coisas.
Cingi nossos rins com a verdade, cobri-nos com
a couraça da justiça, dai a nossos pés, como calçados indestrutíveis, o Evangelho
da paz; muni-nos com o escudo da fé, contra o qual vem atingir as flechas inflamadas
de nosso cruel inimigo.
Colocai em nossa cabeça o elmo que é a esperança
da salvação e em nossa mão a espada espiritual que é a própria palavra de Deus"
e com a ajuda da qual possamos enfrentar, como o Senhor no deserto, todos os nossos
adversários. Espírito de Força fazei que assim seja.
“O DOM DE CONSELHO”
O dom da Força que reconhecemos ser necessário
para a obra da santificação do cristão, não seria suficiente para assegurar esse
grande resultado, se o Divino Espírito não tomasse o cuidado de uni-lo a um outro
Dom que vem em seguida e afasta todo perigo. Este novo benefício consiste no dom
de Conselho. A Força não podia ser deixada sozinha: precisava de um elemento que
a dirigisse. O dom de Ciência não poderia ser este elemento porque, se ele esclarece
a alma quanto ao seu fim e as regras gerais de conduta que ela deve seguir, não
trás, no entanto, luz suficiente quanto às aplicações especiais da lei de Deus e
o governo da vida. Nas diversas situações em que podemos nos encontrar, nas resoluções
que devemos tomar, é necessário que ouçamos a voz do Espírito Santo e é pelo dom
de Conselho que esta voz divina chega até nós.
É ela quem nos diz, se quisermos escutá-la, o que
devemos fazer e o que devemos evitar, o que devemos dizer e o que devemos calar,
o que podemos conservar e ao que devemos renunciar.
Pelo dom de Conselho, o Espírito Santo age em nossa
inteligência, assim como o dom da Força age em nossa vontade.
Este dom precioso aplica-se à vida inteira porque
precisamos, sem cessar, nos decidir por um partido ou por outro e é um grande motivo
de reconhecimento para com o Espírito divino, pensar que Ele nunca nos deixa sozinhos
conosco mesmos, desde que estejamos dispostos a seguir a direção que Ele nos imprime.
Quantas armadilhas pode nos fazer evitar! Quantas ilusões pode destruir em nós!
Quantas realidades nos mostra! Mas, para não perder suas inspirações, precisamos
nos guardar do encadeamento natural das coisas, com que tantas vezes nos deixamos
determinar, da temeridade que nos arrebata ao gosto da paixão, da precipitação que
nos induz a julgar e a agir, mesmo quando só vemos um lado das coisas, da negligência
que nos faz decidir ao azar, no temor de nos cansarmos com a procura daquilo que
seria melhor.
O Espírito Santo, pelo dom de Conselho, arranca
o homem de todas essas inconveniências. Reforma a natureza, tantas vezes excessiva
quando não é apática. Mantém a alma atenta àquilo que é verdadeiro, ao que é bom,
ao que é verdadeiramente vantajoso. Insinua a virtude que é o complemento e como
se fosse o tempero de todas as outras, ou seja, a discrição, da qual Ele tem o segredo
e pela qual as virtudes se conservam, se harmonizam e não degeneram em defeitos.
Sob a direção do dom de Conselho, o cristão nada tem a temer. O Espírito Santo toma
a responsabilidade de tudo para ele. Que importa que o mundo reclame ou critique,
que se espante ou se escandalize! O mundo se crê sábio; mas não tem o dom de Conselho.
É daí que vêm, muitas vezes, as resoluções tomadas sob uma inspiração e que acabam
em um fim diferente do que foi proposto.
E tem que ser assim; porque foi ao mundo que o
Senhor disse: "Meus pensamento não são os vossos pensamentos e meus caminhos
não são os vossos caminhos".
Clamemos, então, com todo ardor de nossos desejos,
pelo Dom divino que nos preservará do perigo de nos governarmos a nós mesmos; mas
compreendamos que este Dom só habita naqueles que O estimam bastante para renunciarem-se
em sua presença. Se o Espírito Santo nos encontra desligados das idéias humanas,
convencidos de nossa fragilidade, dignar-se-á ser nosso Conselho; mas se somos sábios
a nossos próprios olhos, Ele retirará sua luz e nos abandonará a nós mesmos.
Não queremos que isso aconteça conosco, ó Divino
Espírito! Estamos fartos de saber que correr atrás da prudência humana não nos traz
vantagem e, diante de Vós, abdicamos sinceramente das pretensões de nosso espírito,
tão pronto a se deslumbrar e a se iludir. Conservai em nós e dignai-Vos desenvolver
com toda liberdade esse Dom inefável que nos concedestes no batismo: sede para sempre
nosso Conselho. "Mostrai-nos Vossos caminhos e ensinai-nos Vossas veredas.
Dirigi-nos na verdade e instruí-nos; porque é de Vós que virá a salvação e é por
isso que nos prendemos à Vossa direção". Sabemos que seremos julgados por todas
as nossas obras e por todos os nossos desígnios; mas sabemos também que não teremos
nada a temer se formos fiéis à Vossa direção. Estaremos, pois, atentos "para
ouvir o que nos diz o Senhor nosso Deus", o Espírito de Conselho, seja nos
falando diretamente, seja nos enviando ao mediador que quis escolher para nós.
Bendito seja Jesus que nos enviou seu Espírito
para ser nosso condutor e bendito seja este Divino Espírito que se digna nos assistir
sempre e que nossas resistências passadas não afastou de nós!
“O DOM DE INTELIGÊNCIA”
O sexto Dom do Espírito Santo faz a alma entrar
em uma via superior a que ela se encontrava até aqui. Os cinco primeiros Dons tendem
todos para a ação. O Temor de Deus remete o homem ao seu lugar humilhando-o, a Piedade
abre seu coração às afeições divinas, a Ciência ensina-o a discernir entre a via
da salvação e a via da perdição, a Força o arma para o combate e o Conselho dirige
o homem em seus pensamentos e em suas obras; agora, então, ele pode agir e seguir
pela estrada, com a esperança de chegar ao termo. Mas a bondade do Espírito divino
lhe reserva ainda outros favores, fazendo-lhe desfrutar desde este mundo, de um
antegozo da felicidade que lhe reserva na outra vida. Este será o meio de fortalecer
sua marcha, de animar sua coragem e de recompensar seus esforços. A via da contemplação
lhe será, de agora em diante, aberta e o Espírito divino nela o introduzirá por
meio da Inteligência.
Muitas pessoas, talvez, se inquietem com a palavra
contemplação, persuadidas erradamente de que as condições para isso só poderão ser
encontradas na rara condição de uma vida passada no recolhimento e longe do comércio
dos homens. É um grave e perigoso erro que, muitas vezes, freia o impulso das almas.
A contemplação é o estado para o qual é chamado, em certa medida, toda alma que
procura a Deus. Não consiste nos fenômenos pelos quais o Espírito Santo gosta de
manifestar em algumas pessoas privilegiadas e que são destinados a provar a realidade
da vida sobrenatural. Ela é, simplesmente, uma relação mais íntima que se estabelece
entre Deus e a alma que lhe é fiel na ação; se esta alma não põe obstáculos, são-lhe
reservados dois favores, entre os quais, o primeiro é o dom de Inteligência, que
consiste na iluminação do espírito esclarecido desde então por uma luz superior.
Esta luz não retira a fé, mas clareia os olhos
da alma, fortificando-os e dando-lhes uma visão mais extensa sobre as coisas divinas.
Muitas nuvens provenientes da fraqueza e da grosseria da alma ainda não iniciada,
se desvanecem. A beleza cheia de encantos dos mistérios, a qual era vagamente sentida,
se revela; inefáveis harmonias que nem eram suspeitadas, aparecem. Não é a visão
face a face, reservada para o dia eterno; mas já não é mais aquela fraca luminosidade
que dirigia seus passos. Um conjunto de analogias e de concordâncias mostram-se
sucessivamente aos olhos do espírito, trazendo uma certeza cheia de doçura. A alma
se dilata com essas claridades que enriquecem a Fé, aumentam a Esperança e desdobram
o Amor. Tudo parece novo; e quando a alma olha para trás, compara e vê claramente
que a verdade, sempre a mesma, agora é alcançada por ela de maneira incomparavelmente
mais completa.
A leitura dos Evangelhos a impressiona mais; encontra
um sabor nas palavras do Salvador desconhecido para ela até então. Compreende melhor
o fim a que Ele se propôs instituindo os Sacramentos. A santa Liturgia a emociona
por suas fórmulas tão augustas e seus ritos tão profundos. A leitura da vida dos
santos a atrai, nada a espanta nos seus sentimentos e nos seus atos; aprecia seus
escritos mais do que quaisquer outros e sente um aumento de bem estar espiritual,
tratando com esses amigos de Deus. Rodeada de deveres de toda natureza, a chama
divina guia essa alma para satisfazer a cada um deles. As diversas virtudes que
deve praticar conciliam-se em sua conduta; uma nunca é sacrificada pela outra, porque
vê a harmonia que deve reinar entre elas. Está longe do escrúpulo como do relaxamento
e sempre atenta para logo reparar os danos que pôde cometer.
Algumas vezes, o próprio Espírito a instrui por
uma palavra interior que, quando ouvida, ilumina sua situação com uma nova luz.
De agora em diante, o mundo e seus vãos equívocos,
são tomados por aquilo que são e a alma se purifica do resto de vínculos e complacências
que ainda poderia conservar por eles. Aquilo que só tem grandeza e beleza segundo
a natureza parece insignificante e miserável para esses olhos que o Espírito Santo
abriu para as grandezas e belezas divinas e eternas. Só uma coisa redime a seus
olhos esse mundo exterior que ilude o homem carnal: é que a criatura visível, que
trás a marca da beleza de Deus, é susceptível de servir à glória de seu Autor. A
alma aprende a fazer uso dela com ação de graças, tornando-a sobrenatural, glorificando
com o Rei Profeta Àquele que imprimiu as marcas de sua beleza nessa multidão de
seres que servem tantas vezes para a perda do homem, mas que são chamados a se tornarem
degraus que o conduziriam a Deus.
O dom de Inteligência derrama também na alma o
conhecimento de sua própria via. Faz com que ela compreenda o quanto são sábios
e misericordiosos os desígnios do alto que, muitas vezes, a quebra e a transporta
para onde não contava ir. Vê que se ela fosse senhora de si mesma, para dispor de
sua existência, teria perdido o seu fim e que Deus nele a fez chegar, escondendo
primeiramente os desígnios de sua paternal Sabedoria. Agora ela está feliz, pois
goza da paz e seu coração não cabe de ações de graças para agradecer a Deus que
a conduziu ao termo sem consultá-la. Se acontecer de ser chamada para dar conselhos,
para exercer uma direção por dever ou por motivo de caridade, podese confiar nela;
o dom de Inteligência a esclarece para os outros como para ela própria. No entanto
não se intromete, dando lições àqueles que não lha pedem; mas se é interrogada,
responde e suas respostas são luminosas como a chama que a ilumina.
Este é o dom de Inteligência, verdadeira luz da
alma cristã e que se faz sentir nela em proporção à sua fidelidade aos outros dons.
Este dom se conserva pela humildade, moderação dos desejos e recolhimento interior.
Uma conduta dissipada detém o seu desenvolvimento e pode mesmo abafá-lo. Essa alma
fiel pode se conservar recolhida mesmo em uma vida ocupada e cheia de deveres, e
até no meio de distrações obrigadas às quais a alma se presta sem se prender. Que
ela seja simples a seus próprios olhos e o que Deus esconde aos soberbos e revela
aos pequenos lhe será manifestado e nela permanecerá.
Não há duvida de que tal Dom seja um imenso socorro
para a salvação e a santificação da alma. Devemos implorá-lo ao divino Espírito
com todo ardor de nossos desejos, convencidos de que o atingiremos mais seguramente
pelo impulso do nosso coração do que pelo esforço de nosso espírito. Na verdade
é na Inteligência, , que se derrama a luz divina, objeto desse Dom; mas sua efusão
provém, sobretudo, da vontade aquecida pelo fogo da Caridade, segundo a palavra
de Isaias: "Crede, e tereis a inteligência". Vamos nos dirigir ao Espírito
Santo nos servindo das palavras de Davi, dizendo: "Abri nossos olhos e contemplaremos
as maravilhas dos Vossos preceitos; dai-nos a inteligência e teremos a vida".
Instruídos pelo Apóstolo, manifestaremos nosso
pedido de maneira ainda mais insistente, nos apropriando da oração que ele dirige
ao Pai celeste em favor dos fiéis de Éfeso, quando implora por eles "o Espírito
de Sabedoria e de revelação pelo qual se conhece a Deus, os olhos iluminados do
coração que descobrem o objeto de nossa esperança e as riquezas da gloriosa herança
que Deus preparou para seus santos".
“O DOM DE SABEDORIA”
O segundo favor que o divino Espírito destinou
à alma que lhe é fiel na ação é o dom de Sabedoria, ainda superior ao de Inteligência.
No entanto, está ligado a este último no sentido de que o objeto mostrado na inteligência
é saboreado e possuído no dom de Sabedoria. O Salmista, convidando o homem a se
aproximar de Deus, recomenda-lhe o sabor do soberano Bem. "Provai, diz ele,
e experimentai que o Senhor é cheio de doçura". A santa Igreja, no próprio
dia de Pentecostes, pede a Deus para nós o favor de provar o Bem, recta sapere,
porque a união da alma com Deus é antes uma experiência do gosto do que uma visão,
a qual seria incompatível com nosso estado presente. A luz dada pelo dom de Inteligência
não é imediata, ela alegra vivamente a alma e dirige seu sentido para a verdade;
mas tende a se completar pelo dom de Sabedoria que é como se fosse seu fim.
A Inteligência é então iluminação e a Sabedoria
é união. Ora, a união com o soberano Bem se realiza pela vontade, quer dizer pelo
amor que reside na vontade. Notamos essa progressão nas hierarquias angélicas. O
Querubim refulge de inteligência, mas acima dele ainda está o Serafim abrasado.
O Amor é ardente no Querubim, assim como a inteligência esclarece com sua luz viva
o Serafim; mas um é diferenciado do outro pela qualidade predominante e o mais elevado
é aquele que atinge mais intimamente a divindade pelo amor, aquele que saboreia
o soberano Bem.
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